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Entrevista

2020 será um ano quase dramático para a indústria, diz Filosa

Presidente da Fiat Chrysler Automóveis (FCA) na América Latina fala sobre o impacto do coronavírus na indústria automobilística

05/05/2020 22h33

Foto: Divulgação

Antonio Filosa, presidente da Fiat Chrysler Automóveis (FCA) na América Latina, na live do portal O Tempo, fala sobre o impacto do coronavírus na indústria automobilística.

Diante da atual situação, há algum estudo para curto e médio prazo para o mercado de veículos novos e para os empregos gerados direta e indiretamente pela FCA, uma vez que grande parte da região metropolitana de Belo Horizonte pode ser impactada?

Temos estudos sobre o andamento do mercado de 2020. Será um ano quase dramático para a indústria. Temos expectativa de que haja uma retração do mercado de 70% no segundo trimestre, de 50% no terceiro trimestre e de 20% no quarto. No total, imaginamos que haverá queda de 40% da demanda em relação a 2020. A equipe do governo merece parabéns pela MP 936/2020, a medida para flexibilização do trabalho. Temos utilizado essa medida e negociado com sindicatos, que trazem uma abordagem proativa ao tema. Conseguimos flexibilizar o trabalho a partir de maio, mantendo os empregos nas plantas da FCA, pelo menos, até meados de novembro. O emprego na cadeia automotiva é muito difícil de repor. Se perdermos um colega hoje, precisamos gastar dinheiro no recrutamento e na formação de um novo, e só seis ou nove meses depois teremos uma contribuição parecida desse novo, em relação ao antigo. Para nós, demitir é sempre a última medida. 

Como fica o cronograma de lançamentos da FCA, que envolve a nova Strada e pelos dois SVUs da Fiat, planejados na planta do polo automotivo de Betim?

Hoje, a indústria, inclusive dos concorrentes, dos fornecedores e de todas as redes concessionárias, envolve 7 mil empresas e empregam entre 1 milhão e 1,2 milhões de pessoas, direta e indiretamente. Com a flexibilização do trabalho, o problema que fica é de caixa. Uma das ações contra isso é a postergação de alguns investimentos, para passar dessa fase negativa de transição sem deteriorar o caixa da empresa. Isso se aplica a todos os investimentos que temos na região, seja no Brasil, seja na Argentina. Em Betim, o lançamento da Strada teve que ser adiado em razão da pandemia de coronavírus. A Strada está pronta e o investimento foi feito. Foram dois anos, envolvendo 1.500 engenheiros e 300 designers da cidade. Tivemos que adiar o lançamento de abril para, talvez, o terceiro trimestre deste ano, porque a pandemia impôs. É um cenário diferente de outros projetos, em que estamos investindo dinheiro agora. Todos os novos projetos serão revistos e alguns serão postergados. Os dois SUVs planejados em Betim vão ser adiados entre três, seis ou 12 meses, isso depende de como passaremos pelo próximo trimestre. Mas nenhum investimento, da Fiat ou da Jeep, será cancelado. O adiamento é necessário para dar fôlego ao caixa da empresa. Também adiaremos o lançamento de alguns carros importados, que é fundamental para a nossa estratégia de híbridos e de eletrificados. Neste ano, lançaríamos dois modelos Jeep híbridos e um modelo Fiat completamente elétrico. Agora, eles serão lançados no ano que vem. O plano de investimento da FCA na região vale R$ 16 bilhões e fica inalterado, mas era previsto para ser encerrado em 2024 e, agora, acho que iremos até 2025.

O investimento previsto para Minas era de cerca de R$ 8,5 bilhões. Quanto foi investido?

Betim representava a maior fatia do investimento dos R$ 16 bilhões até 2024. Logo depois, Pernambuco, com pouca diferença e, por fim a Argentina. Tudo isso é mantido. Esse plano de investimento começou em 2018, com o planejamento da Fiat Strada nova, e continuaria com reformulações de todos os produtos de Betim, como a do Argo, do Cronos e do Fiorino, além de produtos completamente novos. Esse investimento está mantido, não será gasto nem um real a menos, mas ele vai ser dilatado no tempo. Em Betim, essa dilatação vai ser de um ano, já que alguns projetos vão ser adiados em três, outros em seis e outros em 12 meses. Neste ano, nem tudo fica parado. Existe uma forte contenção de gastos e uma postergação de investimentos ao longo do segundo trimestre, mas, depois, nossa intenção é voltar a investir, seja no terceiro ou no quarto trimestre. Vamos monitorar o mercado para tomar a decisão. Alguns desses investimentos estão bastante maduros. As fábricas de motores turbo em Betim lançariam os produtos entre o final deste ano e no começo do próximo, e o cronograma de instalações estava 66% concluído, quando interrompemos as atividades, no dia 23 de março. Se não tivéssemos parado tudo, estaria em 73% ou 74%. Voltando com as equipes, a implementação das fábricas continua, mas tendo acumulado dois meses de atraso, e vão ser terminadas nos primeiros anos de 2021. 

Um leitor diz que, para ter um país forte e sólido, é preciso que investimentos sejam realizados no mercado de trabalho, e pede que o senhor comente esse cenário. 

Essa é uma crise totalmente inesperada. Muitas crises econômicas são previsíveis, mesmo sendo impossível estimar o começo delas. Uma crise econômica devido a uma crise ainda mais dura do sistema de saúde mundial era inesperada. Em nenhum país havia equipes verdadeiramente preparadas para isso. É claro que houve algumas reações mais ou reações menos rápidas no mundo. Alguns países conseguiram amenizar efeitos dramáticos e outros tiveram que pagar um preço altíssimo. A crise econômica que ainda está por vir é uma das maiores crises que este país pode conhecer. A minha opinião pessoal é que os setores industriais e de manufatura deveriam receber mais atenção. Primeiro, porque geram valor agregado ao PIB; segundo, porque podem gerar demanda e consumo, o que é fundamental para a retomada da atividade econômica, e, terceiro, e mais importante, por serem setores de alta empregabilidade. O governo tem feito uma ação rápida e intempestiva na flexibilização do trabalho, o que tem ajudado empresas como a nossa a segurar empregos até novembro, quando esperamos que a crise.  Agora, precisamos entender como melhorar as condições de consumo associadas às indústrias.

Como está o diálogo da FCA com as concessionárias, em um momento que a visita pessoal a essas lojas está mudando e que nunca deve retornar ao que era, até então?

Estamos em uma fase de escalada da crise da saúde, depois entraremos em uma faixa de achatamento e, então, iremos ao mundo da economia real, espero que em poucas semanas. Nessa fase, voltaremos a uma "nova normalidade". Um dos aspectos alavancados neste momento de isolamento é o aspecto digital de qualquer compra, desde a simples busca de produtos pela internet, até fazer o pedido online. A sociedade vai esquecer algumas das coisas que estão acontecendo agora, mas outras serão novos comportamentos humanos. A digitalização vai ser uma delas. A FCA tem a sorte de ter redes de concessionárias muito atentas e proativas. Quase 95% das nossas concessionárias estão abraçando processos digitais de engajamento do cliente. Elas estão conversando com os clientes pelas redes sociais e o engajando na descoberta dos nossos serviços. É uma aprendizagem que está acelerando algo que já vinha. Talvez fosse mais tarde, mas, agora, estarão presentes imediatamente. Na China, onde o mercado automobilístico quase todo retornou, todos os carros da FCA são entregues após uma higienização rigorosa. Isso não fazia parte dos processos anteriores. Havia uma limpeza, mas não voltada ao aspecto sanitário contra o risco de Covid-19. Nossa marca Mopar, que constrói peças e acessórios elabora filtros de ar mais robustos e eficazes para garantir um ambiente o mais livre possível de riscos de Covid-19 no carro. 

Quando as fábricas da FCA retomam as atividades no Brasil?

Em maio. Temos quatro fábricas na América Latina: duas no Brasil, uma na Argentina e uma na Venezuela, além das fábricas de motores e outros componentes automotivos. Todas elas voltarão a produzir a partir da segunda semana de maio, gradualmente, pelo nosso planejamento inicial. Claro que estamos monitorando todas as condições externas para que isso seja possível, e tomando as medidas internas para que os nossos 26 mil funcionários da América Latina encontrem um ambiente de trabalho o mais seguro possível. Antes desta entrevista, eu mesmo fiz uma simulação dos novos processos e ferramentas de segurança contra a Covid-19 na fábrica de Betim. Vi como é a nova entrada dos funcionários, como vai ser a disposição deles no ambiente. O uso de máscaras vai ser obrigatório para todos. Também há mais pontos para higienizar as mãos e a entrada só vai ser permitida depois de medir a temperatura de todos. Também estamos desenvolvendo um aplicativo para que a comunidade FCA possa se comunicar sobre a Covid-19 em tempo real e possa sinalizar eventuais problemas no trabalho ou em casa. Tenho convicção de que nossas fábricas estão preparadas. Se as condições externas favorecem essa retomada, prevemos que ela aconteça após a segunda quinzena de maio. 

A Fiat está consertando respiradores e ajudando em hospitais de campanha. A Covid-19 evidencia que a reconstrução do Brasil dependerá muito das empresas?

Todos têm um papel fundamental na sociedade. Todos temos um papel para ajudar a sociedade neste período, sobretudo ajudar os mais vulneráveis, e sair da crise o mais rápido possível. Junto à prefeitura de Betim, que tem sido muito proativa, lançamos o hospital de campanha da cidade onde era o Fiat Club. Estamos fazendo um hospital de campanha em Pernambuco também, ao lado da fábrica da Jeep. Outro está sendo feito em Córdoba, na Argentina. Também estamos dando manutenção em respiradores nas nossas plantas. Em Betim, recebemos 256 respiradores que não funcionavam e devolvemos quase 50 em perfeito funcionamento. Temos previsão de consertar quase outros 100 nesta semana. Estamos ajudando os produtores locais de respiradores a aumentar a produtividade e temos doado carros e ambulâncias. Estamos trabalhando bastante para ajudar a sociedade. Todas essas ideias partiram dos nossos funcionários. O meu obrigado a todos eles. Vi o brilho nos olhos dos nossos técnicos consertando os respiradores, porque eles entendem que estão salvando vidas.

Como você avalia o comportamento do mercado de subcompactos após a pandemia? Há possibilidade de esse mercado crescer, já que as pessoas podem ter mais receio de utilizar transporte público? Pode haver carros mais baratos e viáveis?

Quando o pico da crise de saúde passar, espero que em algumas semanas, vai ser mais claro para todos a crise econômica. Ela sempre está atrelada à queda do mercado de automóveis. Mas alguns comportamentos do consumidor do futuro vão mudar, porque novas ansiedades e dores vão surgir dessa pandemia, assim como novas expectativas e padrões de consumo. Uma das coisas que pode acontecer é o transporte público se tornar uma opção secundária, pois será preferível ter o próprio carro, sobretudo os carros de entrada. Então, mesmo com uma queda geral do mercado, talvez alguns segmentos tenham uma queda menor. Um deles é justamente o de veículos de entrada, como o Fiat Mobi. Essa demanda vai cair com menos intensidade. Ter carros mais competitivos na América Latina empenha a FCA e os concorrentes sempre. Mas alguns fatores jogam contra isso, como a queda de volume de demanda. Prevíamos produzir quase 600 mil carros nestes anos e vamos produzir muito menos que isso. Além disso, esta crise está trazendo uma volatilidade do câmbio do dólar e do euro muito severo, ninguém previa esses valores. Isso é algo inesperado e onera muito nossos custos de produção. Vamos fazer esforços para diminuir esses efeitos, mas não sabemos quanto essa volatilidade permanece e é difícil mitigar esses problemas no curto prazo.

Há perspectiva de a FCA nacionalizar mais componentes para fortalecer a cadeia produtiva brasileira?

Quando o câmbio passa de R$ 4, R$ 4,50, uma das estratégias necessárias é nacionalizar componentes, sistemas e subsistemas que a indústria tradicionalmente importa. Essa estratégia leva tempo, porque precisamos atrair uma empresa para ela construir uma fábrica e desenvolver peças para a nossa produção. É um processo que dura de 9 a 15 meses. Mas temos que entender que tudo isso terá efeitos mais adiante, porque, neste momento, atrair para o Brasil traz uma complexidade a mais, o risco-país. Todos os países estão associados a riscos econômicos maiores. E todos os maiores fornecedores estão com dificuldade de caixa. Mas muitos projetos que temos na gaveta vão vingar e o índice de localização dessas empresas no Brasil vai aumentar. 

Até quando essa pandemia atrasa projetos como o desenvolvimento do carro elétrico em grande escala?

Não sei como estão os competidores, mas os programas de eletrização da FCA estão em curso. Eles podem ser revistos com pequenos atrasos, mas o programa é monitorado semanalmente pela equipe global. Acredito que os competidores estejam fazendo a mesma coisa. A pandemia tem trazido dificuldades da cadeia de valor: alguns fornecedores chineses estavam na impossibilidade de enviar componentes ou ferramentas para o desenvolvimento desses carros, nos dois primeiros meses da pandemia. Mas esses envios têm retornado.

Como é a campanha publicitária de apoio à Itália?

Na semana passada, lançamos a campanha "Italianos". Como todos sabem, a Fiat nasceu na Itália, mas há quase 44 anos encontrou no Brasil uma segunda pátria. Nós somos a marca mais italiana do mercado brasileiro e a marca mais brasileira. Somos meio italianos e meio brasileiros. Essa campanha representa um abraço virtual  dos italianos, que têm sofrido muito na pandemia, mas que estão em uma fase de retomada. O italiano é generoso e afeito a valores familiares. Então, esse é um abraço de um irmão que saiu do pior e deseja tudo de bom ao irmão brasileiro.

Como retomar as vendas?

Nós nos fazemos esta pergunta todos os dias. Sabemos que as vendas vão retomar em níveis muito inferiores, e para retomá-las temos que entender ainda mais o cliente que está chegando. Esse entendimento é maior quando engajamos o consumidor digitalmente. Também precisamos de mais presença nas mídias, vamos ter políticas de ações de vendas diretas e nas concessionárias.

Fonte: Portal O Tempo