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Editorial

Desigualdade gera tragédia social no Brasil

Pesquisa mostra que 1% da população tem um rendimento médio correspondente a 33,7 vezes o que ganha a metade dos mais pobres

06/05/2020 17h54

Em meio à pandemia que tantos danos tem causado em todo o mundo, pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) torna mais fácil compreender porque é tão alarmante o quadro no Brasil e, especialmente, as dificuldades futuras para se impedir, ou até mesmo reduzir, a velocidade com que o coronavírus está se espalhando por quase todas as cidades brasileiras. A desigualdade social que os números frios da pesquisa revelam é um enorme obstáculo para o sucesso de qualquer política de controle de uma pandemia que requer, segundo exemplos de outros países, sobretudo o isolamento social, bons hábitos de higienização e a boa alimentação, além de uma rede pública de saúde ampla e eficiente.

A desigualdade social brasileira não é de agora, mas seus números sempre assustam porque são comparáveis apenas aos encontrados em países do Quarto Mundo. Afinal, como explicar que, num país com o potencial de produção de riquezas como o nosso, em 2019, 1% da população tivesse um rendimento médio mensal de R$ 28.659, o correspondente a 33,7 vezes o rendimento da metade da população mais pobre do Brasil, que ganhava R$ 850, como aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua?

E mais: a massa de rendimento médio mensal real domiciliar per capita do Brasil alcançou R$ 294,4 bilhões em 2019, um número muito significativo para qualquer país. Porém, a parcela dos 10% da população com os menores rendimentos detém apenas 0,8% dessa massa, enquanto que os 10% com os maiores rendimentos concentraram 42,9%.

Tais números negativos, que estão em crescimento nos últimos dois anos, repercute diretamente nas condições de vida da maioria da população, justamente a que está na base da injusta pirâmide social brasileira. Não é de espantar, embora deva causar indignação, que cerca de 9 milhões de lares em todo o território nacional não tenham acesso à rede de esgoto, ou seja, um em cada dez domicílios ainda despeja os resíduos diretamente na rua ou na natureza, seja em fossas escavadas no terreno, valas, rios ou no mar. Em apenas um ano, esse número aumentou cerca de quatro vezes, passando de 2,2 milhões em 2018, o que representava 3,1% do total dos domicílios pesquisados, para os 9 milhões em 2019.

Por fim, no âmbito do fornecimento do mais precioso líquido para a vida, a situação também é, no mínimo, vergonhosa. Dos 72,4 milhões de domicílios estimados pela PNAD Contínua em 2019, 97,6%, ou 70,7 milhões, tinham água canalizada e 88,2%, ou 63,8 milhões, tinham acesso à rede geral de abastecimento de água. Mas, mesmo entre aqueles que têm acesso à água encanada, nem todos têm o líquido na torneira todos os dias, há locais em que ele chega apenas uma vez na semana.

O fato é que não se pode pensar em condições mínimas de qualidade de vida sem o acesso regular a serviços como coleta de lixo, esgotamento sanitário e água potável. Com um rendimento médio de apenas R$ 850 por mês, como acontece com a população mais pobre, passa a existir um círculo vicioso, pois o baixo rendimento impede o acesso a serviços essenciais e à boa alimentação, provocando o surgimento de doenças que já matavam milhões de pessoas a cada ano antes da pandemia do coronavírus.

Apesar da pandemia, as autoridades brasileiras precisam levar a sério a existência de uma desigualdade social tão cruel e investir de forma eficiente na ampliação dos serviços básicos, tanto fitossanitários como na própria rede de saúde pública, sem o que a ocorrência de um surto, como este do coronavírus, serve apenas para agravar uma tragédia que já faz parte do cotidiano das famílias pobres do País.