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Entrevista

Presidente da Santos Brasil aposta na recuperação da economia

Para Antônio Carlos Sepúlveda Covid-19 prova que a tecnologia é capaz de manter produtividade no trabalho à distância

29/06/2020 11h45

Foto: Divulgação

Com a expectativa de uma retomada da economia no ano que vem, o presidente da Santos Brasil, Antônio Carlos Sepúlveda, acredita que, entre as lições da Covid-19 está a necessidade de utilização de tecnologia para manter a produtividade e o trabalho à distância. O executivo, responsável pela empresa que administra o Tecon e o TEV na Margem Esquerda (Guarujá) do Porto de Santos, aposta em novas forma de trabalho que, além de outros ganhos, também serão benéficas para o meio ambiente. Além disso, comenta sobre planos do Governo Federal para o Porto de Santos e seus reflexos no setor. Confira na entrevista a seguir.

Como a pandemia afetou as operações dos terminais operados pela Santos Brasil, principalmente no Porto de Santos? Havia a possibilidade de cancelamento de escalas. Isto se concretizou?

Em fevereiro, com o lockdown em Wuhan, na China, por conta do coranavírus, se instalou uma crise de oferta mundial, já que as cargas ficaram paradas nos portos chineses. A partir do final de março, abril, quando a China iniciou a retomada das atividades, os outros países, na Europa, América etc, começaram a parar, criando uma crise generalizada de demanda no mundo. Dessa forma, praticamente não se sente impactos da crise nas estatísticas dos portos brasileiros no primeiro trimestre. Ele só começa a ser percebido de uma maneira mais forte, com cancelamento de escalas, a partir de abril.

Mesmo com a Covid-19, as previsões de especialistas indicam alta na movimentação de cargas neste ano. O senhor concorda? Por quê?

O PIB (Produto Interno Bruto) do mundo está caindo de 5% a 8% e a expectativa do mercado é de queda de 25% no comercio exterior mundial para 2020. No Brasil, temos o agronegócio, cujas exportações continuam crescendo, compensando o impacto dos demais setores e segurando a economia.

Aos poucos, as atividades de comércio e serviços são retomadas. Como isto deve impactar as operações portuárias?

Eu não acredito que o mundo ficará do jeito que está até surgir a vacina. O Brasil foi muito impactado nesses últimos dois meses, mas na minha opinião a tendência é de uma retomada das atividades. O que está se provando é que a contaminação por superfície é muito pequena, que a transmissão da covid-19 se dá principalmente em ambientes fechados e por gotículas e pelo efeito aerosol. As empresas no Porto de Santos, em geral, estão adotando as medidas de proteção recomendadas pelos órgãos de saúde e conseguindo se adaptar para driblar o vírus. Os portos vão continuar operando e a volta da atividade econômica com segurança será muito bem-vinda. Na Santos Brasil estamos mantendo nossos investimentos estratégicos visando nosso crescimento e posicionamento de longo prazo e, para 2020, a previsão é investirmos entre R$ 180 milhões e R$ 220 milhões na ampliação e modernização do Tecon Santos.

Foram necessárias mudanças nas rotinas dos terminais? Quais? Elas serão implementadas definitivamente? Como?

Na Santos Brasil adotamos rapidamente medidas preventivas em todas as nossas unidades de forma a manter a operação e zelar pela segurança e saúde dos nossos funcionários e terceiros frente à pandemia do coronavírus. Instituímos um Plano de Continuidade de Negócios para garantir a continuidade da operação – respeitando a integridade da equipe e a qualidade dos serviços. As medidas sanitárias adotadas pela Companhia se baseiam em quatro pilares: 1) higiene extrema – em todos os ambientes e dependências houve um reforço da limpeza e da higienização; 2) distanciamento e segurança das pessoas dentro das unidades – viagens internacionais e nacionais foram canceladas; participação de funcionários em eventos e reuniões com muitos participantes foram proibidas; cerca de 350 funcionários das áreas administrativas e de apoio à operação passaram a trabalhar em sistema home office; os espaços de trabalho nas unidades foram redistribuídos de forma a deixar os funcionários a uma distância segura entre si; e o uso sistemático de máscaras e de óculos foi implementado; 3) Teste – está sendo medida a temperatura de todos os profissionais que entram nas unidades operacionais por meio de termômetros infravermelhos e totens; 4) Isolamento – cerca de 150 profissionais de grupos de risco foram afastados. A velocidade na adaptação tem restringido a disseminação da doença dentro das nossas instalações e permitido a continuidade de nossas atividades, com elevada eficiência e produtividade. O Tecon Santos, por exemplo, fechou o mês de março com a produtividade acima dos 100 Movimentos por Hora (MPH).

Na sua opinião, como será o “novo normal” após a pandemia? Como empresas e funcionários deverão se adaptar?

Nós temos a vantagem que a maior parte das nossas operações ocorre em espaços abertos, onde se consegue manter a distância entre as pessoas, minimizando o risco de transmissão, mas para as atividades de escritório já estamos estudando um novo layout nas nossas instalações que, em função do home office contemplará o compartilhamento de estações de trabalho, além de mais salas de reunião com equipamentos para videoconferência. Experimentamos uma nova forma de trabalhar que está dando certo e vamos continuar com o desenvolvimento dessa nova cultura. Iniciamos o home office em 12 de março e o trabalho administrativo não foi afetado em praticamente nada.

Como isto foi possível?

O elevado grau de digitalização e de integração dos sistemas da Santos Brasil foram essenciais para a rápida adaptação à nova realidade de isolamento social sem nenhum trauma, sem descontinuidade de processos e preservando a integração do cliente e do funcionário com a Companhia. A covid-19 veio para provar que é possível utilizar a tecnologia e manter a produtividade no trabalho à distância. Tem também a questão ambiental. Existem estudos que apontam que para se evitar um aumento de temperatura dos próximos dez anos de 1,5 grau precisaríamos reduzir 7,6% ao ano a geração de carbono. Análises apontam que a covid-19 deverá proporcionar a uma redução de 8%, mas sabemos que isso não é sustentável, pois a sociedade não suporta a redução desse nível de atividade. Precisamos utilizar o que aprendemos nessa crise e aplicar nesse sentido. O home office é um exemplo. Com escritórios menos adensados e pessoas que dependam menos de transporte, veremos ganhos para o meio ambiente.

Desemprego, fechamento de empresas e piora das contas públicas foram alguns dos resultados da pandemia no Brasil. Como o País deverá sair dessa crise?

Acredito que 2021 será um ano de recuperação e que adaptação será a palavra-chave para que consigamos reduzir o dano econômico provocado pela Covid-19 e que os menos favorecidos não sejam tão impactados. Será fundamental que a sociedade se mobilize para cobrar do governo medidas que estimulem a economia no longo prazo, de forma sustentável. Sem isso, mesmo sem Covid-19, o Brasil não crescerá.

Diante das agendas de concessões de novos terminais, quais são as suas expectativas para o setor portuário brasileiro nos próximos anos?

O setor vem experimentando uma nova relação com governo e Estado. Abertura, transparência e tentativas de reduzir a burocracia têm tornado o setor mais atrativo. Contudo, com a pandemia o prêmio de risco aumenta e todos os ativos perdem valor. Cabe ao governo avaliar o que realmente é necessário. Acho, por exemplo, que na situação atual os greenfields serão de difícil viabilização.

Qual é a sua opinião sobre os planos de concessão da Autoridade Portuária de Santos? Quais são as premissas que o novo modelo deve contemplar?

A privatização da Autoridade Portuária é uma das soluções possíveis para melhorar a aplicação de recursos do porto público. Ou se tem uma governança mais eficaz do que a que existe hoje ou privatiza. No caso da privatização, será preciso encontrar um modelo que garanta a harmonia entre a empresa privada que irá administrar a Autoridade Portuária privatizada e os arrendatários que já investem no porto há décadas. É imperativo o alinhamento dos interesses do poder concedente, novo gestor e atuais arrendatários. Sem isso, a privatização será um fracasso.

O senhor concorda que o novo concessionário também fique responsável pelo canal de navegação ou acredita que devem ser questões distintas?

Acredito que esse é o ponto fundamental. Separar o canal não ajuda, deixará somente a gestão mais complexa. Para porto ser competitivo precisa de bons acessos, pouca burocracia e harmonia entre os stakeholders. Estamos longe desse objetivo com o modelo atual, mas somente o fato de privatizar não garante nenhum dos três. A sociedade tem de acompanhar o processo para que ele seja exitoso, o foco tem de ser no benefício econômico para a logística como um todo. Não podemos cair na armadilha de privilegiar negócios individuais em detrimento do todo.

Os portos de Santos e São Sebastião podem ser licitados de maneira conjunta ou separadamente? Por quê?

Creio que haveria ganhos com a especialização combinada. Temos de lembrar que portos consomem recursos ambientais escassos e têm capacidade finita. É preciso administrar o que existe com sabedoria para proporcionar um meio ambiente habitável para as gerações futuras.

Fonte: A Tribuna