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Artigo

Ser “aprendiz da vida inteira”

Maiza Neville

10/05/2020 22h39

Foto: Divulgação

O cenário atual vivido pela educação corporativa pode ser refletido na frase do filósofo Mario Sérgio Cortella “Há 30 anos, aprender algo permitia que eu pudesse praticar aquilo por um bom tempo sem precisar modificar. Hoje não mais”.

Uma pesquisa do Pew Research Center sobre aprendizado de longo prazo e tecnologia, já em 2016, mostrava que 73% dos norte-americanos buscavam conhecimentos o tempo todo e se consideravam “aprendizes da vida inteira”. Do total de adultos, 74% podem ser chamados de “aprendizes pessoais”, pois, segundo a pesquisa, nos 12 meses anteriores participaram de pelo menos uma das várias atividades possíveis: leituras, cursos e eventos ligados aos temas de interesse, para melhorar seu conhecimento.

Em todos os ciclos da carreira essa mentalidade é importante, porém para os profissionais acima de 50 anos, com possíveis necessidades de reformulação e mudança de papéis, ou mesmo, redesenho de uma nova carreira, torna-se imperativo.

Dados que reforçam a relação aprendizado e envelhecimento produtivo são apresentados no relatório da Pesquisa Longeratividade, realizada pelo Instituto Locomotiva em parceria com Bradesco Seguros em 2019, onde 97% dos 50+ querem aprender coisas novas durante a aposentadoria. Os que trabalham e obtêm metade de sua renda dessa atividade perfazem 39%, sendo que 37% declararam que estão satisfeitos com sua vida financeira. Uma mensagem aqui fica evidente, para a maioria dos pesquisados aposentar não significa ficar em casa descansando.

A rapidez das mudanças e a insegurança decorrente das expectativas apresentadas pelo mercado, onde a tecnologia, a inovação e a renovação acelerada do conhecimento, tornando obsoleto tudo que acumulamos durante a vida, fortalecem alguns paradigmas que impactam nossas reações e constitui um desafio a ser superado.

Manter o foco em aprender ferramentas, como metodologias de inovação e processos tecnológicos para continuar atualizado e pronto para interagir e contribuir com as organizações, demonstrando a sua capacidade e relevância na empresa onde trabalha ou, até uma nova oportunidade de trabalho, é importante, impulsiona um movimento interno de renovação de conhecimentos, autoconfiança e abertura para lidar com os desafios de um mundo cada vez mais veloz e conectado.

Porém, a essência do aprendizado, especialmente no que se refere a competências duráveis (aquelas que não ficam obsoletas com o passar do tempo), está relacionado a questões humanas. A seguir ressalta-se três pontos que podem elevar a capacidade e agilidade de aprendizado para cada um de nós:

Software interno - A confiança em si mesmo, no outro e na capacidade de criar e viabilizar realidades e sonhos constituem mecanismos internos que estão na base das ações diárias e que dão suporte ao processo interno de tomada de decisão.

Emoções - Conhecer a si mesmo, ter clareza do nível de consciência em relação às suas emoções e da própria capacidade de reação para lidar com questões complexas, com o novo e como responder emocionalmente frente ao estresse e situações imprevistas.

Estado de presença - Manter-se atento ao contexto em que está inserido, ambiente, situações, relacionamentos, comportamentos e seus impactos (em si mesmo e no outro).

Ter abertura para identificar suas crenças limitantes, como medo e escassez, refletir e trabalhar dificuldades pessoais como essas, são comportamentos essenciais para desenvolver qualidades que nos tornam mais conscientes e conectados com nossa realidade interna, ampliando assim espaços para:

- Melhorar a agilidade de aprendizado;

- Ampliar a capacidade de foco para gerar alternativas e soluções relacionadas ao que queremos alcançar;

- Superar as dificuldades inerentes a idade, desenvolver novas habilidades e permitir-se fazer as mudanças de comportamentos necessárias para alcançar seus objetivos;

- Assumir responsabilidades, fazer escolhas, definir prioridades, ter disciplina e coragem de rever posições e rumos na própria trajetória de vida e carreira.

Uma postura de curiosidade constante e autodisciplina, além da capacidade de adaptação, de identificar e relacionar habilidades acumuladas na trajetória pessoal mesmo que possam parecer díspares em um primeiro momento, além de promover associações de ideias capazes de gerar novas formas de pensar e agir são pilares para o desenvolvimento da agilidade de aprendizado, com sustentação para a prática de mudança de comportamento cotidiano, acessível a todos nós.

A lenda Fátima, A Fiandeira, conhecida no folclore grego, nos permite perceber com clareza o processo de aprendizagem e tomada de decisão a partir de experiências vivenciadas por uma artesã que, ao ser desafiada a realizar uma tarefa, considerada impossível, confiou em si mesma, assumiu o desafio, manteve foco na solução, permitiu-se acessar memórias e habilidades armazenadas, foi gradativamente estruturando um processo e, finalmente, superou os obstáculos, cumprindo com louvor o desejo do Imperador.

Em síntese, a lenda conta que após uma longa trajetória de vida com muitos obstáculos, provações e aprendizados, um dia Fátima, A Fiandeira, chegou a uma cidade costeira da China. Os habitantes desta cidade acreditavam que um dia chegaria uma mulher estrangeira, capaz de fazer uma tenda para o Imperador. Não existia na China ninguém com capacidade para cumprir esse desafio. Levada à presença do Imperador e questionada “Senhora, sabes fabricar uma tenda? ela respondeu: “Creio que sim, Majestade”.

“Iniciando o trabalho, pediu que lhe trouxessem cordas, mas não havia. Lembrando-se de seus tempos de fiandeira, Fátima colheu linho e confeccionou as cordas. depois pediu uma tela forte, mas os chineses não dispunham do tipo que ela precisava. Utilizando sua experiência junto aos tecelões de Alexandria, Fátima fabricou uma tela resistente. Percebeu que precisava de estacas, para sustentar a tenda, mas também não as encontrou na China. Fátima, então, recordando-se do ensinamento do fabricante de mastros em Istambul, fez, com muita habilidade, estacas firmes. Quando estas ficaram prontas, ela puxou de novo pela memória, buscando lembrar-se de todas as tendas que havia visto em suas viagens. E a tenda real foi construída”.

Esta lenda é um bom exemplo de agilidade de aprendizado, capacidade rápida de aprender a partir da experiência. Aprendizes ágeis são bons em fazer conexões entre experiências, são capazes de construir novas soluções orientadas para objetivos de aprendizagem, realizar novas ações que permita aplicar os conhecimentos e habilidades em seu desafio atual.

As atitudes inteligentes de Fátima, A Fiandeira, ao disponibilizar-se a correr riscos, ter coragem e ousadia, levaram-na intencionalmente a criar espaço para novos desafios, saindo da zona de conforto com postura não defensiva, sem medo de errar, confiando em sua capacidade de realização a partir das vivências acumuladas em sua trajetória de vida.

Preparar-se para o amanhã, para uma nova carreira ou mesmo para enfrentar as exigências do mercado, requer atitudes firmes, coragem e ousadia para questionar a si mesmo:

- Tenho o que preciso para responder às demandas do mercado nesse momento de minha carreira?

- Estou pronto para adaptar-me rapidamente a novos espaços de trabalho?

- Tenho a flexibilidade necessária para responder às mudanças que se apresentam nessa fase de minha vida?

Independente dos ativos acumulados, permanecer na zona de conforto fomenta o descarrilamento da carreira de qualquer profissional e cria uma falsa ilusão de prazer momentâneo, sem sequer gerar movimentos para autoconfiança e satisfação duradouras.

O autoconhecimento, a maturidade pessoal e profissional nos libera para encarar os desafios e dizer “não sei”. O que diferencia e potencializa cada um de nós é a convicção de que “Não sei, mas posso aprender”.

“A única coisa que nos separa dos nossos objetivos é a capacidade de agir” – Paulo Vieira

Maiza Santana Neville Ribeiro - Professora, consultora, coach de carreira e conselheira para aposentadoria. Sócia executiva da DAMICOS Consultoria. [email protected]