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Entrevista

A diversidade traz benefícios aos negócios

Jorgete Lemos, do Comitê de Responsabilidade Social da Fiesp e diretora de Diversidade da ABRH Brasil fala sobre o assunto

08/12/2020 10h00

Incontáveis estudos e pesquisas recentes apontam os benefícios de integrar a diversidade nos negócios e destacam que o tema deixou de ser uma op­ção para as empresas, passando a ser considerado um fator importante para o modelo de negócio de qualquer organização, principalmente em tempos de pandemia.

Para conhecer melhor essas questões e seus benefícios, a Federação das Indústria do Estado de São Paulo - Fiesp convidou Jorgete Lemos, membra do Comitê de Responsabilidade Social da Fiesp, diretora de Diversidade da ABRH Brasil e fundadora e diretora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços, para comentar os dados destes levantamentos.

A crise de Covid-19 desencadeou impactos sociais diversos, principalmente para os grupos sociais mais vulneráveis. Quais são esses grupos e por que eles foram mais impactados pela pandemia?

Jorgete Lemos – Covid-19 trouxe à tona com muita clareza a seleção para o direito à sobrevivência para aqueles elegíveis ao isolamento social, por exemplo. Destacaremos aqui apenas uma referência desse grupo fora do padrão: Mulheres Negras.

Levantamento realizado pelo IDBr Instituto Identidades do Brasil, Luana Genot, em março/abril de 2020, “Mulheres Negras – Saúde financeira e expectativas diante da Covid-19” , trouxe resultados do quadro da precariedade do trabalho e renda para as mulheres negras, colocando-as entre os grupos mais sujeitos aos efeitos da pandemia, reforçando dados do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que aponta que as mulheres negras são 50% mais suscetíveis ao desemprego.

A maioria das participantes desse levantamento (72%) se encaixa no perfil das empreendedoras. Entre elas, o estudo mostrou que 79,4% não dispõem de reservas financeiras e 66,3% afirmaram não ter um planejamento estratégico anual para seu empreendimento. O levantamento também apontou que 44% das mulheres negras empreendedoras têm recursos para manter o negócio ativo por apenas mais um mês. Enquanto 56% afirmou que o custo mensal médio de seu negócio está entre R$1 mil e R$5 mil, valor superior ao auxílio emergencial oferecido pelo governo, de R$ 600,00.

O IBGE nos traz mais dados preocupantes: dos 13,5 milhões de pessoas vivendo na pobreza, 75% são afrodescendentes.

Basta revisitar a história para termos as respostas: 10 milhões de pessoas escravizadas trazidas para este País, ao serem libertadas, não tiveram qualquer apoio para a nova vida. Hoje 57% da população brasileira é composta de negros que lutam para ter seus direitos reconhecidos e o mais vital é o trabalho, mas que gere renda. São condições extremamente desiguais para a busca de oportunidades no mercado de trabalho.

Pesquisas e estudos de diversas entidades confirmam sua fala – de que homens e mulheres negros são, historicamente, mais afetados pelas crises econômicas e foram novamente os mais vulneráveis na crise de Covid-19. Nos EUA, dos 40 milhões de postos de trabalho perdidos desde o início da pandemia, por exemplo, a maior parte impactou a comunidade afro-americana e as mulheres. O que especialistas no mundo sugerem como ação neste momento?

JL – Sugerem que, pelo menos, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS 17, sejam praticados, todos, porque são interseccionais e impactam em gênero e raça. Algumas organizações focadas em negócios sustentáveis vêm cumprindo o seu papel, mas quantitativamente são poucas.

Um estudo realizado em 2017 pela consultoria empresarial McKinsey com mil empresas de 12 países, apontou que com maior diversidade de funcionários, uma organização tem 33% mais chances de superar suas concorrentes em lucratividade. Por que a Diversidade possibilita melhor desempenho no mercado?

JL – Um corpo de funcionários que retrate a diversidade é algo inerente a todas as organizações humanas, pois todos somos diversos. O porquê do melhor desempenho traz implícito um rol de requisitos nem sempre existentes em toda organização humana. Tais requisitos passam pela existência de ambiente culturalmente antitóxico, no qual cada indivíduo possa sentir-se respeitado segundo suas características identitárias. Quando as pessoas não precisam aculturar-se quanto ao sotaque predominante, quando não precisam envergonhar-se e mascarar suas características estéticas, bem como características mais intrínsecas à forma de pensar, à história e experiência de vida, temos então um ambiente saudável, propício às pessoas engajadas, focadas, pessoas que acreditam que naquela organização efetivarão alguns de seus propósitos de vida. Entendo que “melhor desempenho” é consequência de ambiente saudável, alavancado por lideranças inclusivas. Empresas que reúnem esses atributos são as Melhores Empresas Para Trabalhar e tem retornos positivos.

Uma pesquisa realizada pelo Hay Group no Brasil mostra que, quando a diversidade e a inclusão são percebidas pelos colaboradores, eles se sentem 17% mais engajados e o desempenho aumenta em 50%. Por que a Diversidade promove mais engajamento e melhora o ambiente corporativo?

JL – Quando falamos em diversidade não estamos trazendo a reboque o que é o mais importante: a inclusão com equidade.  Ambiente inclusivo requer valorização e promoção da diversidade, com equidade. São estágios que precisam ser fortemente enraizados e praticados. O entendimento e a prática da equidade requerem a valorização e promoção da diversidade. Quanto ao engajamento é importante destacar que é atitude pessoal e intransferível. Cada um tem o seu motivo para engajamento, ou não à organização, o que passa pela existência de um “conjunto de conexões racionais e emocionais, entre pessoas e instituições, causas ou marcas que geram resultados positivos para ambos” (Santo Caos). Resultado bom para todos é a chave do engajamento. Ambientes tóxicos jamais terão as melhorias esperadas pois estarão submersos em conflitos interpessoais, presenteísmo, absenteísmo, turnover, acidentes, doenças de toda ordem, principalmente as psicossociais; enfim, altas perdas e baixo engajamento.

Outro estudo da Deloitte, realizado nos EUA em 2017, mostrou que 23% dos entrevistados tinham deixado seus empregos para entrar em companhias mais inclusivas. Qual a consequência disso para essas empresas?

JL  Destacarei apenas três consequências práticas:

1ª) Contabilização da perda de bons talentos. Optar pela saída concluindo que aquelas empresas não os mereciam foi uma atitude disruptiva, que fugiu à tradicional, que parte da decisão da organização para o indivíduo. O ser humano atingiu a um patamar de refinamento de valores, principalmente as gerações mais jovens a quem agora cabe, também, ser protagonista. Essa evasão de ambientes exclusivos está ajudando o mundo corporativo a repensar suas estratégias de relacionamento com pessoas se quiserem ser competitivas.

2ª) Reposição dos talentos e todas as despesas com novas contratações. Despesas com onboarding, treinamento e engajamento somadas ao tempo de retrocesso no processo produtivo, durante o qual as informações sobre o comportamento da empresa retardarão o enraizamento da crença nos valores dessa empresa.

3ª) Imagem de empresa incapaz de atrair e reter talentos. Aqui temos a síntese das perdas irrecuperáveis à marca, que mesmo com excelentes campanhas de revitalização, permanecerão na mente dos seus clientes e clientes em potencial, como algo que precisou ser reposicionado. E reposicionar é muito mais difícil e dispendioso que posicionar.

Além de incentivar a pluralidade de gênero, orientação sexual, raça e etnia, algumas empresas começam a descobrir as vantagens de promover a multiplicidade de opiniões, de pensamento ou como vem sendo chamada, diversidade cognitiva. Para encerrar nossa conversa, pode nos falar um pouco mais sobre ela e como ela pode ajudar as empresas?

JL A diversidade cognitiva é definida como diferentes estilos de pensamento, conhecimentos, habilidades, valores e/ou crenças entre os membros de uma equipe. A valorização e promoção da diversidade cognitiva requerem uma liderança inclusiva, que saiba conviver com a dicotomia certo e errado, impulsionando-a sem penalização do erro, mas entendendo-o como parte do processo criativo. Lideranças que não temam a discordância às suas ideias, pois sabem que é da divergência que surgem mais criações. Startups são bons exemplos da promoção da diversidade cognitiva.

A metodologia ágil adotada por muitas empresas e alavancadas pelo RH e lideranças expressam, na prática, o valor agregado pela diversidade cognitiva.

Equipes com diversidade cognitiva ajudam as empresas com entregas mais enriquecidas por diferentes alternativas de pensamento, diferentes olhares sobre o mesmo objeto e múltiplas soluções.

Publicado no Portal da Fiesp