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Artigo

A invasão dos mastodontes

Waldeck Ornélas

25/11/2021 06h11

Foto: Divulgação

Até parece que a COP26 não aconteceu. Recém-encerrada em Glasgow, lá não se discutiram apenas medidas de combate aos impactos das mudanças climáticas, mas também, por via de consequência, que tipo de cidade devemos ter daqui para a frente. É que a humanidade começa a renunciar ao automóvel e ao modernismo urbanístico, voltando-se para um estilo de vida sustentável.

Na contramão da tendência mundial, o que aqui se vê em Salvador é a cidade sendo invadida por “lojões” e “atacadões”, que avançam pelas avenidas Luís Viana, Antônio Carlos Magalhães, Vasco da Gama e Vale dos Barris, além de em bairros populares. No novo modelo da cidade de quinze minutos são os mercados de bairro que crescem, do que aqui se tem exemplos, como no novo Vitória Garden, no Corredor da Vitória, demonstrando que se pode fazer o certo e com qualidade.

Até as estações de metrô, que em todas as grandes cidades passam despercebidas, aqui ganharam dimensões exageradas, agredindo a imagem urbana.

Conquistar a Baía de Todos-os-Santos – que acaba de completar 520 anos da sua descoberta pelos navegadores europeus – constitui um desafio para a Bahia, permitindo o desenvolvimento da economia náutica e a reintegração das dezessete cidades localizadas em sua borda, que tanta importância econômica tiveram no passado colonial, legando-nos um magnífico patrimônio arquitetônico, urbanístico e cultural que, aliado às praias e à tranquilidade de suas águas, implora por ser aproveitada.
Não basta ser uma das mais belas baías do mundo; precisa se tornar um dos mais aprazíveis e dinâmicos lugares de entretenimento e lazer de todo o planeta. Nada a ver com a ponte mastodôntica, disfuncional e antiquada, que sobre ela se quer implantar, tratando-a como um estorvo a ser vencido, mais uma vez a serviço do automóvel, mais uma vez na contramão da sustentabilidade.

Mesmo quando se tem ganhos de qualidade, como no bairro do Comércio, seus benefícios não são entregues à população. É o caso do recuo dos armazéns do porto. Quatro deles já cederam espaço à nova realidade portuária – onde o terminal de contêineres é o que conta – mas têm sido substituídos por edificações que negam o acesso da população ao cais, ao contrário do que ocorre em todas as cidades do mundo – inclusive aqui mesmo no Brasil, como no Rio e em Belém – que têm reestruturado as suas zonas portuárias, reintegrando-as à vida urbana.

Com a reurbanização da Praça Cairu e o fechamento da via que circundava a antiga Alfândega, hoje Mercado Modelo, criando uma grande esplanada, expôs-se, agressivo, um cercadinho destinado ao estacionamento de automóveis para usuários de uma marina... como se não houvesse bem na esquina um edifício-garagem; o mesmo odiento privilégio se verifica nos fundos da agência da Receita Federal; e há até um estacionamento público. O povo é que precisa ter acesso ao cais do porto, não os carros!

Reconheça-se o espírito colaborativo da Companhia das Docas do Estado da Bahia - Codeba, que tem progressivamente aberto mão de espaço portuário, numa ação que poderia ser de logo ampliada com a derrubada dos puxadinhos outrora acrescidos entre um armazém e outro. Nesse caso, por medida de segurança das operações ainda remanescentes, basta que seja restabelecida a permeabilidade visual para o mar.

No momento em que se discute a necessidade imperiosa de povoar o Centro Histórico – que perdeu suas funções de centro financeiro, de comércio atacadista e exportador – é indispensável que não apenas o Poder Público, mas também o setor privado dê as caras, assumindo o seu papel de agente empreendedor.

Salvador é, pela própria natureza e por sua Cultura singular, uma cidade privilegiada e diferenciada, que reúne condições excepcionais para possibilitar aos seus habitantes – e aos muitos que a visitam – a tão desejada qualidade de vida. Favor não atrapalhar.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

Publicado no CORREIO

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