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Artigo

A Neoindustrialização e o Nordeste

Waldeck Ornélas

04/12/2023 06h03

Foto: Divulgação 

A palavra de ordem do momento é neoindustrializar, em contraposição à desindustrialização, medida pela expressiva perda de participação da indústria no PIB nacional. A reforma tributária, em fase final de tramitação no Congresso Nacional, alimenta as esperanças da Confederação Nacional da Indústria, ainda que se estime um Imposto sobre Valor Agregado – o novo IVA – com a mais elevada alíquota de todo o planeta!

Sou de uma geração que cresceu inspirada no sonho da correção dos desequilíbrios regionais do país, que seria materializada, no Nordeste, por meio das políticas da Sudene, criada por Juscelino Kubitschek, por proposta de Celso Furtado, a quem coube ser seu primeiro superintendente.

Datam dessa época os distritos industriais implantados em cada estado, para receber as indústrias do Sistema 34/18 de incentivos fiscais. Na Bahia, o Centro Industrial de Aratu (CIA), na região metropolitana, e os distritos industriais do interior – Feira, Ilhéus, Conquista, Juazeiro, Jequié e Itabela.

Outras políticas industriais posteriores existiram, e delas particularmente a Bahia se beneficiou, durante o regime militar, com a implantação do Polo Petroquímico e da Metalurgia do Cobre. Foram então iniciativas lideradas por empresas estatais – Petrobras e BNDES.

Decorrido tanto tempo, desde a iniciativa de JK, o Nordeste permanece com praticamente a mesma participação no PIB nacional, algo como apenas 13%, apesar dos 30% de habitantes e 20% do território.

Fato é que o sonho não se realizou. Mas hoje o Nordeste reúne condições excepcionalmente favoráveis para o estabelecimento de uma nova política de industrialização. A principal delas certamente é o fato de ser a região do país com melhores condições para a geração de energias renováveis – eólica e solar – numa combinação privilegiada com a localização – no Semiárido, a região da seca e da maior concentração de pobreza.

Com as energias renováveis o Nordeste aporta uma contribuição significativa para que o país tenha a melhor matriz energética do planeta. Nem por isto a região tem sido recompensada. Ao contrário, priorizar a construção de linhões para transferir a outras regiões a energia gerada tem sido uma prioridade explícita do governo federal, ao invés de promover o aproveitamento local desse importante insumo.

Não se trata, pois, de fazer política compensatória, nem de assistencialismo econômico, mas de promover o aproveitamento de oportunidades nacionais específicas, localizadas no Nordeste, sem esquecer que desenvolvimento regional e correção de desequilíbrios regionais de desenvolvimento são clara responsabilidade da União.

Iniciativas empresariais começam a surgir autonomamente. A indústria de óleo e gás – mais do que a automobilística – está pesquisando no Nordeste o desenvolvimento de novos biocombustíveis. É o caso da Shell, com o agave, e da Acelen (Refinaria de Mataripe), com a macaúba. Ambos os projetos no outrora problemático e sofrido Semiárido.

Neste sentido, projetos âncora e suas cadeias produtivas, a montante e a jusante, precisam ser promovidos: a disponibilidade de energia em larga escala sugere empresas intensivas em energia. A ocorrência de várias jazidas de ferro, há pouco descobertas, apontam para a siderurgia. O hidrogênio verde se apresenta como insumo para a descarbonização da indústria nacional e também como produto de exportação para mercados europeus sedentos.

A inserção do Brasil na reconstrução das cadeias globais de suprimento, na área de semicondutores, que as recentes crises internacionais têm imposto, oferece a oportunidade de ter no Nordeste uma boa base produtiva. O BID, por exemplo, se diz disposto a financiar.

A política de neoindustrialização do país não pode deixar de ter a sua orientação geográfica, contemplando neste viés não apenas o Nordeste, mas o Nordeste não pode deixar de ser uma prioridade nacional.

As condições políticas parecem favoráveis, mas é preciso que se transformem em resultados efetivos e concretos. Para tanto, é indispensável que os governadores da região voltem a atuar em conjunto, em relação às políticas econômicas e de infraestrutura, como ocorria no Conselho Deliberativo da Sudene, para levar o governo federal a assumir compromissos efetivos com a região.

À desintegração política do Nordeste tem correspondido a ampliação artificial dos limites do Semiárido com a inserção crescente de áreas de estados do Sudeste – a saber, Minas Gerais e Espírito Santo – nos minguados incentivos existentes, especialmente o compartilhamento de recursos do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE), gerido pelo Banco do Nordeste.

Ao invés de um frágil consórcio interestadual é indispensável resgatar a institucionalidade de um Conselho de Desenvolvimento, vinculado ao governo federal, para participar da formulação das políticas da União para o Nordeste. Não se trata de saudosismo, mas de eficácia e efetividade.

Fixar uma meta constitui elemento essencial em planejamento. Trazer o Nordeste para a média do desenvolvimento nacional constitui uma marca a ser conquistada na tarefa de corrigir os desequilíbrios regionais de desenvolvimento. E não é pedir demais para um terço da população brasileira!

O momento requer – e exige – uma nova política industrial para o Nordeste.

Waldeck Ornélas – especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos seus autores. Não representa exatamente a opinião do MODAIS EM FOCO.