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Artigo

A sonhada ferrovia de Vasco Neto

Adary Oliveira

01/12/2023 06h09

Foto: Divulgação 

Vasco de Azevedo Neto (1916–2010) foi engenheiro civil, político e professor. Notabilizou-se por ter sonhado na década de 1950 com a construção de uma ferrovia ligando o Porto de Campinho, na Baía de Camamu, na Bahia, ao Porto de Pisco, no Peru. Ele a chamava de Ferrovia Transulamericana e seria a primeiro corredor bioceânico, ligando o Atlântico ao Pacífico e abrindo caminho para que o leste da América do Sul fosse ligado à Ásia, criando assim um novo Caminho para as Índias. O traçado considerava o aproveitamento das curvas de nível e leitos de rios, obtendo um caminho com baixa declividade e grandes raios de curvatura, numa combinação perfeita da natureza, mesmo na travessia da Cordilheira dos Andes. Não fui aluno de Vasco Neto por cursar engenharia química, enquanto ele era professor do curso de engenharia civil. No entanto, convivi com ele na Escola Politécnica da UFBA quando fui professor de Química e ele era Diretor. Éramos amigos e sempre trocávamos ideias sobre o desenvolvimento da Bahia.

O sonho de Vasco Neto vai sendo realizado aos poucos e a Ferrovia Oeste-Leste (FIOL), ferrovia transversal que liga o Porto Sul, no município de Ilhéus, à Ferrovia Norte-Sul, em Figueirópolis, no Tocantins, passou a se chamar Ferrovia Vasco de Azevedo Neto. Ela está em construção, tem 1.527 quilômetros de extensão em bitola larga, passa por regiões produtoras de minérios de ferro, grãos e outros produtos e inclui a maior ponte ferroviária da América Latina, atravessando o Rio São Francisco entre os municípios de Serra do Ramalho e Bom Jesus da Lapa, na Bahia. A outra ponta do sonho de Vasco começa a surgir não em Pisco, como ele imaginava, mas na cidade de Chancay, a 80 km ao norte de Lima, no Peru, e no ponto do litoral mais próximo da fronteira do Peru com o Brasil. Está em construção em Chancay, por empresas privadas, um dos maiores portos de águas profundas da América Latina. O projeto está sendo considerado tão grande que tem o potencial de alterar o tráfego marítimo do Pacífico, superando os portos do Chile, Equador e Colômbia. O controle acionário da empresa é detido pela chinesa Cosco Shipping, especialista em transporte marítimo e logística, e a peruana Volcan, de mineração.

A construção da FIOL é de importância incomensurável. A abertura de um novo vetor de desenvolvimento apontando para o Oeste, somando-se à força paralela da Região Metropolitana de Salvador, o efeito despertar do gigante adormecido, com a viabilização de novas explorações minerais na Bahia e no norte de Minas Gerais, a expansão da fronteira agrícola, com maior aproveitamento dos cerrados e do semiárido, mostram uma oportunidade de desenvolvimento de grande dimensão. O projeto de Chancay termina por vislumbrar a profecia de Antonio Conselheiro, de que o sertão vai virar mar, agora empurrada pelos dois lados.

Não tenho dúvida de que a ligação Figueirópolis para Chancay virá um dia, completando o sonho da ferrovia de Vasco Neto. A possibilidade de escoamento de grãos, algodão e minérios para os países asiáticos por essa rota nos aproxima mais dos maiores parceiros comerciais que temos atualmente. A China, por exemplo, é o maior produtor de aço do mundo, com mais de 600 milhões de toneladas por ano, sendo o maior fornecedor desse insumo para a construção civil mundial. O minério produzido no Brasil tem alto teor de ferro e é imbatível nos mercados em todo o mundo. Para se fazer uma comparação nesse particular, a produção de aço do Brasil está na casa dos 40 milhões e a dos Estados Unidos, 80 milhões. A construção civil no mundo não vai parar de crescer, nem tão pouco o consumo de alimentos.

Em 1965 o governo criou o Programa de Estudantes – Convênio de Graduação (PEC-G), com o objetivo de oferecer oportunidades de formação superior a cidadãos de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais. Os estudantes selecionados recebiam uma bolsa de estudos do governo brasileiro que cobria os custos de matrícula, alimentação, transporte e moradia. Os estudantes também tinham direito a um visto de estudante, que lhes garantia a permanência legal no Brasil durante o período do curso. Estima-se que em 1968 havia cerca de 300 estudantes estrangeiros na UFBA, sendo a maioria de países africanos e latino-americanos. Por conta disso, dezenas de estudantes peruanos vieram para aqui estudar medicina e engenharia. Muitos residiam nas pousadas de estudantes no Corredor da Vitória, e lembravam de seu país quando viam o Sol também se pôr no mar. Está na hora de pensarmos numa nova aproximação com os peruanos pelo lado cultural. Pelo lado dos negócios, pode-se esperar que o ajuntamento vais acontecer, como sonhava Vasco Neto.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

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