02/08/2024 06h13
Foto: Divulgação
A Bahia vive momento crucial frente a decisões estratégicas quanto a sua infraestrutura e economia. Neste cenário, a implantação da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) integrada ao Porto Sul é uma das variáveis relevantes.
Embora tenha havido a concessão da FIOL I – Ilhéus-Caetité, e autorização para um terminal de uso privado (TUP) a ser implantado em Ilhéus, ambos a cargo da Bahia Mineração (Bamin), proprietária da mina Pedra de Ferro, em Caetité, volta e meia vêm a público especulações em torno da eventual falta de capacidade financeira da empresa para levar adiante o conjunto do empreendimento.
Mais recentemente, as especulações ganharam cara, quando foi divulgado que autoridades do governo federal estariam pressionando a Cia. Vale do Rio Doce a adquirir a Pedra de Ferro. Mas, só a mina ou toda a solução logística mina-ferrovia-porto?
Preliminarmente, é importante salientar que a Bahia se sente traída pela Vale por, ao logo de 30 anos, sabotar economicamente a sua antiga malha ferroviária, por meio da subsidiária Ferrovia Centro Atlântica (FCA), em função do interesse exclusivo na movimentação de minérios e, mais recentemente, grãos. No caso, é de supor-se que a Vale chegaria para implementar o projeto e não para constituir reserva do mineral, o que seria uma segunda traição à Bahia.
Se a Vale adquirir somente a mina, vai escoar a produção pelo sistema ferro-portuário que já a serve, na região sudeste, principalmente pelo Espírito Santo, agravando ainda mais a crise econômica baiana. Esta solução implicaria em abandonar a FIOL I e o Porto Sul, e utilizar o trecho da atual concessão da FCA, de Licínio de Almeida até Corinto (MG), fazendo sangrar ainda mais a economia baiana.
Do ponto de vista da Bahia, e por várias razões, este desmembramento não pode ocorrer. O trecho Ilhéus-Caetité da FIOL, na borda do Oceano Atlântico, é apenas a última perna de uma ferrovia que deve se estender até o Pacífico, concretizando o sonho da Ferrovia Transulamericana, tendo a integração FICO-FIOL como primeiro passo.
Se é verdade que o governo federal atua para que a Vale adquira a Bamin, é indispensável que condicione a operação à implantação da FIOL I e do Porto Sul. Caso contrário, será um golpe fatal para a Bahia.
Mas há outros movimentos a serem observados. Enquanto a FCA se retira do Estado, paralelamente, a VLI apresentou pedidos de autorização para dois trechos ferroviários greenfield no Oeste baiano: um de Barreiras até a BR-020, em Luís Eduardo Magalhães (para um terminal multimodal?), outro, de Correntina a Arrojolândia, em direção a Mara Rosa (GO).
Registre-se que a VLI é quem está construindo a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO), trecho I, de Mara Rosa a Água Boa (MT), com extensão de 383km, como investimento cruzado, obrigação decorrente da renovação antecipada da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM). Mas a VLI não é concessionária do trecho, a ser licitado.
A VLI também já manifestou interesse, mediante pedido de autorização, para implantar a FICO II, de Água Boa a Lucas do Rio Verde (MT). Lucas do Rio Verde tornou-se o pião da disputa VLI x Rumo pelo domínio do mercado nacional de transporte de grãos, mediante acesso à região centro-norte do Mato Grosso, onde a Rumo busca chegar primeiro, por meio de uma concessão estadual, a partir de Rondonópolis (MT).
Na medida em que a Vale tenha efetivo interesse na concessão de todo o conjunto FICO-FIOL, a ela interessaria adquirir a mina conjuntamente com a concessão da FIOL I e o Porto Sul. Este fato poderia estabelecer uma convergência de interesses econômicos entre a Bahia e a Vale, em torno da implantação do importante Corredor Centro-Leste – que se configura com a integração FICO-FIOL – devendo converter-se, posteriormente, no eixo de ligação ferroviária do Atlântico com o Pacífico, objeto de desejo do Brasil, Peru e China.
Não é de estranhar pois, que uma eventual aquisição da Bamin pela Vale, desde que compromissada com a implantação do conjunto mina-ferrovia-porto, possa efetivamente levar à concretização do projeto, restabelecendo a confiança da Bahia na Vale.
Quanto à Bamin, explicou, de forma convincente, que a sua dívida decorre de mútuo com o próprio controlador, mas ainda precisa convencer efetivamente, à sociedade e ao governo federal, de que os seus compromissos públicos estão sendo cumpridos e que a ferrovia e o porto serão entregues no prazo previsto, em 2027. Só assim as especulações sobre a transferência do seu controle acionário poderão ser superadas. Estranha, por exemplo, que ainda não existam financiamentos contratados com o BNDES e o Banco do Nordeste, nem enquadramento no Fundo de Desenvolvimento Regional, gerido pela Sudene.
Ou o investimento será todo financiado por contratos de mútuo?
E o que têm a dizer sobre esses importantes projetos os agentes públicos incumbidos da sua fiscalização?
É indispensável que a ANTT e a Antaq, agências reguladoras, respectivamente, dos transportes terrestres e aquaviários, venham a público informar se estão acompanhando as atividades de implantação da ferrovia e do porto, se há conformidade com os atos autorizativos, se os cronogramas de implantação estão em dia, se o ritmo das obras está adequado e se a população pode contar com a implantação desses projetos. Não podem é continuar omissas nem silentes.
Apesar de serem órgãos públicos, são os únicos atores que ainda não se manifestaram. A sociedade quer ouvi-los.
Waldeck Ornélas - especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
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