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Artigo

Arco Norte: Nova fronteira logística, econômica e ambiental

Frederico Bussinger

09/11/2021 06h03

Foto: Divulgação

Certamente historiadores e geógrafos encontrarão origens mais remotas. O que pode ser afirmado é que na segunda metade dos anos 1990 a expressão Arco Norte já se tornara usual. E, formalmente, ela parece ter debutado no Plano Plurianual 2000-03 (Programa “Avança Brasil”) para se referir à “região lá em cima; Roraima e Amapá” e embalar um conjunto de ações estruturantes: além de rodovias, portos e hidrovias, também gás e energia elétrica. Isso sob a estratégia de “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”.

No passado mais recente a expressão vem sendo crescentemente utilizada em sentido mais estrito: de “Saída Norte”; conceito mais logístico. Este foi antecedido pelos “Corredores” do plano de ação do biênio 1993-94 (“Reconstruindo as Artérias para o Desenvolvimento”); plano que já sinalizava a intermodalidade e previa dois deles naquela região. Este, por sua vez, foi precedido pelos “Corredores de Exportação”, integrantes dos dois “Plano Nacional de Desenvolvimento – PND” (PND-I e PND-II) dos governos militares (anos 1970/80).

O mapa do Brasil, aprendemos na escola, já foi dividido numa banda Leste e outra Oeste pelo Tratado de Tordesilhas (1494). Nas últimas décadas passou a sê-lo por uma linha leste-oeste que demarca o limite sul do chamado Arco Norte.

A linha do Tratado (Belém-PA a Laguna-SC) foi fixada como fronteira entre dois reinos (Portugal e Espanha); por conseguinte um referencial geopolítico. Já a do Arco Norte é uma linha imaginária aproximadamente sobre o Paralelo-16S: grosso modo, Cuiabá-MT, Brasília-DF, Ilhéus-BA. Diante do deslocamento da fronteira agrícola brasileira em direção ao noroeste, o conceito se impôs e foi imaginado como referencial logístico prático: seria o centro de uma faixa da qual tempos e custos para acessar os portos do Sul/Sudeste praticamente se equivaleriam aos da “Saída Norte”. Apesar de informal, o termo é usado regularmente pela imprensa, centros de pesquisa, na literatura e, até estatísticas oficiais.

A área que o Tratado reservou a Portugal foi de 2,8 milhões de km2 (32% do atual território brasileiro); enquanto a do Arco Norte é mais que o dobro: 6,4 dos atuais 8,5 milhões de km2 (3/4; 75%). Além de grande número e extensão de unidades de conservação, assentamentos, terras indígenas e quilombolas, essa vasta região abarca diversas sub-regiões com características e vocações mais uniformes; como a emergente Matopiba: 73 milhões de hectares dos estados de MA, TO, PI e BA.

A saída do atual quadro de crises superpostas, que vive o País e a população brasileira, o estabelecimento do tal novo-normal e mesmo o futuro do Brasil, certamente passa pelo Arco Norte. Não se trata de miragem: a região já é responsável por parcela significativa da produção energética brasileira; bem como da produção e exportação mineral e agrícola. Só de soja e milho, p.ex, em 2020 nela foram geradas 148,6 milhões de toneladas (2/3 da produção nacional); tendo sido exportados 42,3 Mt (31,9 %). Nos últimos 10 anos o aumento da sua produção foi de 2,1 vezes; enquanto das exportações 5,9 vezes!

Consagrou-se, entre nós, o bordão: “Até a porteira a agricultura brasileira é competitiva. O problema está da porteira até o porto”; ou seja, na logística. Os dados acima, porém, recomendam melhores análises e explicações: teria a exportação crescido quase o triplo do crescimento da produção se a logística, de uma forma ou de outra, não tivesse dado conta do recado? Imagine, então, se a logística fosse mais eficiente!

O desafio logístico do Arco Norte, assim, é transitar de uma logística limitada para uma logística mais eficiente. E isso não apenas para exportações; mas também para o abastecimento da população da região que padece, também, para levar as crianças à escola, ser atendida na limitada rede de saúde... mormente nas épocas de chuvas.

Ou seja, a transformação da logística do Arco Norte transcende o mero escoamento de cargas e transporte de pessoas: pode ser instrumento de reordenação da ocupação do território, de mudança do perfil da atividade econômica e da organização social. Na linha dos “Corredores de Desenvolvimento”, difundidos pelo Banco Mundial e outras agências multilaterais.

A Amazônia tem tradição de megaprojetos abandonados, inconclusos, cujos cronogramas se arrastam por anos à fio, e/ou que deixam rastros de destruição não solucionados. Mas, além disso, há vários gargalos e desafios nessa trajetória de transformações: planejamento e gestão multimodal da logística; (des)coordenação das ações dos órgãos públicos; pirataria na navegação e roubo de cargas nas estradas; sincopados bloqueios de estradas e ferrovias; “funding” para os projetos (em geral bilionários); e estabilidade regulatória (imprevisível). E o estrategicamente mais importante: equilíbrio entre o produzir e o preservar.

Parodiando conhecida marca esportiva: “just do it”!

Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.

Publicado na Revista Política Democrática.

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