19/03/2025 22h05
Foto: Estadão
Na América Latina, Guatemala, Colômbia, Costa Rica, Peru, Uruguai e Chile estão entre os países mais avançados na agenda de sustentabilidade, de acordo com Kalil Cury Filho, diretor adjunto de Desenvolvimento Sustentável da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e coordenador do Fórum Mundial de Economia Circular, que acontecerá em maio na capital paulista. Na visão do executivo, porém, se o Brasil melhorar sua atuação na área, pode virar exemplo para o resto do mundo.
“O Brasil é como quando o Pelé entrava em campo. Quando ele entrava em campo, o jogo mudava. O Brasil entrando em campo mais fortemente passa na frente de todos por causa do ativo que tem — a natureza. Temos água, sol e vento em abundância”, diz Cury Filho.
Segundo ele, as empresas terão de mudar a lógica em que operam para garantir a redução das emissões. Terão de trabalhar para que seus produtos durem o máximo possível, de modo a evitar que sejam substituídos rapidamente. Isso diminuiria a necessidade de aquisição de novos itens e, portanto, o gasto de energia para produzi-los.
Presente em 18 edições da COP, a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, Cury Filho afirma que pode haver imprevistos na COP-30, que será realizada no fim do ano no Pará, dado o atraso na organização do evento. Mas acrescenta que não dá para resolver as coisas no “jeitinho brasileiro”. “Temos que ser profissionais nessas questões, mas ainda temos tempo.”
Confira, a seguir, trechos da entrevista:
Algumas indústrias, como a siderúrgica e de cimento, têm um desafio grande para reduzir as emissões, com soluções caras. O que elas têm feito aqui para reduzir as emissões?
Tenho uma visão pessimista e uma otimista sobre isso. Vou mais pela otimista para poder acordar amanhã e continuar. O paralelo que a gente pode fazer é com a energia solar. Ela era caríssima; hoje é barata. Isso porque teve ganho de escala. Tanto na indústria siderúrgica como na do cimento, as alternativas conhecidas hoje são caras, mas, dependendo da escala e de imposições dos órgãos reguladores, pode acontecer (a descarbonização).
Muitos países deram subsídios para as empresas substituírem suas fontes de energia. Vocês defendem algum subsídio para isso?
Hoje, uma questão relevante é a dos subsídios para a indústria do petróleo. São trilhões de dólares anuais. É um contrassenso, se você pensar que a gente precisa reduzir as emissões. Como é que se dá um subsídio desse tamanho para a indústria do petróleo? Aí você fala: “Em vez de dar esse subsídio, posso colocar o dinheiro para tecnologias de menor emissão”. Esse é um trade-off difícil. O mundo está muito conectado ao petróleo, na petroquímica e nos materiais que a gente usa. Desmontar isso demora. Acho que o mundo está fazendo esse trabalho. Tem uma discussão se está fazendo na velocidade possível. Tem críticas em relação a isso. Mas, se você olhar o “mainstream” das indústrias, as empresas têm isso como dado. O que não está certo é a data. Uns acham que em 2040 não vai mais ter petróleo. Outros falam em 2060. Mas o caminho está dado. Agora, é uma tarefa desafiadora.
Desafiadora e cara. Quem vai pagar a conta? O consumidor?
Eu queria pensar no consumidor como cidadão. Cidadania é sobre responsabilidade, né? Não acho que o caminho para responder isso seja: “As coisas vão ficar mais caras e o consumidor é quem vai pagar”. As soluções serão cada vez mais de impacto, de efeitos sistêmicos. Não necessariamente o consumidor vai pagar mais caro. Se um preço for absurdo, mas a solução for necessária, vai ter que ter a interligação do governo no sentido de ter uma taxa diferenciada ou mesmo um subsídio. Um incentivo, vamos chamar assim.
O senhor é coordenador do Fórum Mundial de Economia Circular, que vai acontecer no Brasil. A economia circular também pode ter um papel na descarbonização…
Um papel enorme. Quando a gente fala de redução de emissões, a primeira questão é a fonte de energia: petróleo, gás, carvão. Mas você também pode reduzir o uso da energia. Isso tem a ver com consumir apenas aquilo que você precisa. Também tem a ver com o descarte, por exemplo, da embalagem ou mesmo do produto que você utilizou. Se for um descarte seletivo, pode permitir o reaproveitamento do material. Ou se você consome um produto com vida útil mais longa, você vai substituí-lo menos vezes e vai consumir menos energia para fazer novos.
Hoje não é isso que as empresas fazem. A lógica é que os produtos durem menos.
Isso é difícil, mas que vai ter que mudar. Algumas empresas estão fazendo isso de uma forma muito inteligente. Por exemplo, no aeroporto de Amsterdã, a Philips vende a iluminação, não a lâmpada. Se a lâmpada queima, ela tem de substituir. Isso acaba fazendo um círculo virtuoso em que a empresa não quer que a lâmpada queime. Outro caminho é via regulador. Aí o governo tem um papel fundamental. E isso não tem nada a ver com a discussão política de governo maior ou de Estado mínimo. É o papel do governo de regulador, de indutor de transformações ou de líder. Por exemplo, o governo pode incentivar o aproveitamento de produtos que sejam reciclados, não tributá-los.
Essa pauta está em debate no governo hoje?
Sim. O Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) está envolvido nessa discussão. O governo também definiu um plano nacional de economia circular e está apoiando uma legislação que está em tramitação no Senado sobre o tema. As coisas estão encaminhando bem, mas elas ainda são recentes.
Quais são os países que o Brasil deveria ter como exemplos nessa área?
A Finlândia, que é o nosso parceiro para o Fórum Mundial de Economia Circular, tem um programa de economia circular agressivo. A Holanda é outro país muito forte. Aqui na América Latina, Guatemala, Colômbia, Costa Rica, Peru, Uruguai e Chile estão avançados na agenda de sustentabilidade. Mas o Brasil é como quando o Pelé entrava em campo. Quando ele entrava em campo, o jogo mudava. O Brasil entrando em campo mais fortemente passa na frente de todos por causa do ativo que tem — a natureza. Temos água, sol e vento em abundância.
Como vocês vão participar da COP?
A Fiesp tem estado em todas as COPs de uma forma muito ativa. Na do Azerbaijão, no ano passado, por exemplo, participamos de alguns eventos paralelos falando sobre economia circular, levando a nossa agenda. Para este ano, nós, com a CNI (Confederação Nacional da Indústria), teremos uma presença muito relevante e pretendemos levar um produto fruto do Fórum de Economia Circular para a agenda da COP.
Há uma crítica e uma preocupação de que o governo está atrasado em relação à organização da COP. Falta infraestrutura em Belém. A figura do ‘champion’ ainda não foi definida. Como avalia essa preparação do país para o evento?
Eu diria que o País está preparado naturalmente para COP. O Brasil tem muito para apresentar. Há projetos, inclusive do governo do Pará, de regeneração de florestas. A gente tem o compromisso de recuperar 12 milhões de hectares de florestas devastadas. O Brasil tem tudo isso para mostrar. O Brasil teve a felicidade de definir como presidente da COP o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, que é um diplomata de primeiríssima qualidade e que conhece o tema. A diretora executiva da COP, a Ana Toni, também é uma pessoa que conhece bastante essa agenda. O “champion” tem a ver com o setor privado e estamos esperando uma definição. Torcendo para que seja rápido. Quanto mais rápido, melhor. As dificuldades de Belém são conhecidas: a ausência de rede hoteleira suficiente para uma COP. A COP é um evento de passagem. Se você falar: “Vamos construir 40 mil vagas de hotel lá”; o que você faz com isso depois? Vai ter algum improviso? É possível. Vai ter algum estresse? Também é possível. Mas não é o jeitinho brasileiro que vai resolver. Acho que temos que ser profissionais nessas questões, mas ainda temos tempo.
Publicado no Estadão150