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Artigo

Brasil pós-Covid: humanização, sustentabilidade e rumo à OCDE

Luana Lourenço

17/06/2020 18h00

Foto: Divulgação

A palavra crise costuma assustar. Entretanto, em mandarim, o termo é caracterizado por dois ideogramas: um representa perigo e o outro, oportunidade. Uma lição que sempre tento passar aos meus alunos, é que diante do perigo iminente podemos extrair uma oportunidade para uma grande transformação. Mudanças como a que estamos vivendo, provocadas pela pandemia, e as pelas quais ainda devemos passar. Transformações que vêm a reboque da tecnologia.

O trabalho remoto, adotado por muitas empresas, veio para ficar, quebrando paradigmas. Escritórios “superpovoados” devem ser substituídos por ambientes mais enxutos, assim como viagens e reuniões presenciais devem dar lugar a conferências digitais, mesmo após o fim da pandemia. Empresas e governos perceberam que o uso da tecnologia – das ferramentas de vídeo conferências – reduz distâncias e custos, e pode ajudar a aumentar a produtividade.

Porém, a ampliação da prática de home office demanda a introdução de algumas regras, controles e, principalmente, exige o aprimoramento da autoconsciência dos colaboradores e também dos gestores. Passada a Covid-19, teremos que pensar em ajustes na legislação trabalhista. Devemos encontrar um equilíbrio entre a produtividade e a saúde mental do trabalhador.  Estamos percebendo que o trabalho remoto traz vantagens e desvantagens. Provoco aqui uma reflexão: como deverão ser essas mudanças?

O “novo normal” do mercado também abarca profundas mudanças nas negociações, onde a nova lógica negocial será a colaboração – a famosa Teoria dos Jogos, do Nobel e matemático John Nash. Ele ensina que, para que uma negociação tenha sucesso, os dois lados têm de cooperar, possibilitando uma relação ganha-ganha.

Esse conceito será importante no curto e no médio prazo. A pandemia passará deixando para trás uma enxurrada de processos, de conflitos que não haviam sido previstos. Pelo próprio volume, nem todos poderão ser resolvidos por vias judiciais. As empresas deverão utilizar mais formas extrajudiciais de resolução de conflitos, o que resultará em celeridade e redução de custos relativos a essas demandas. Assim, o departamento de compliance das empresas também terá de se adaptar a esse novo momento, reforçando a cultura por meio da tecnologia, e estabelecendo tempestivamente regras adequadas ao novo momento.

Nesse contexto, qual será o futuro das empresas? Especialistas ponderam que viveremos o “novo normal” quando as atividades forem retomadas gradativamente. Ao meu ver, o novo normal do mercado, independentemente da forma como ele se desenhar, não deve prescindir de um processo de humanização nas empresas, que julgo ser o ponto de partida para um novo começo. Negócios que nascem com a intenção de servir à sociedade e cuidar das pessoas estarão à frente no mercado.

Já é possível perceber essa relação entre propósito social e crescimento da marca durante a pandemia, quando empresas têm se destacado e se fortalecido por sua gestão mais humanizada. As organizações já despertaram para a urgência de um novo capitalismo, com o crescimento exponencial de negócios conscientes, a exemplo das empresas: Whole Foods Market, Starbucks, Patagonia, Natura, Hospital Albert Einstein, Visagio, Reserva, Bancoob, dentre outras.

John Mackey e Raj Sisodia, autores do livro “Capitalismo Consciente: como libertar o espírito heroico dos negócios”, explicam o conceito de Capitalismo Consciente. “É um paradigma em desenvolvimento para os negócios, que simultaneamente cria vários tipos de valor e bem-estar para todas as partes interessadas: financeiro, intelectual, físico, ecológico, social, cultural, emocional, ético e até mesmo espiritual.” (2018, p.35)

O isolamento social e a consequente desigualdade ainda mais evidente nos impõem reflexões. Como ativista do capitalismo consciente, acredito que esse processo de transformação também será vivido pelas empresas, fazendo-as pensar seus negócios com muito mais consciência do seu propósito maior: com uma nova interação com os stakeholders, liderança consciente e servidora e uma cultura e gestão conscientes. Algumas empresas de sucesso no Brasil operam seus negócios com base nesses princípios. Consciência é o futuro.

As mudanças podem acontecer em um processo de reflexão, de dentro para fora das empresas, como também podem ser aceleradas pela necessidade de preservação da vida e promoção do bem-estar social. No dia 1º de janeiro, por exemplo, entrou em vigor a regulamentação IMO 2020, que estabeleceu novo limite para a emissão de dióxido de enxofre pelos navios: de 3,5% (nível altamente nocivo) para 0,5% (nível considerado tolerável), o que representaria redução de 77% na emissão.

A nova regra visa garantir a preservação do meio ambiente, o futuro do planeta e a luta contra o aquecimento global. Dessa forma, 2020 é um ano fundamental para o mercado marítimo retomar as discussões e análise da efetiva comprovação das medidas tomadas para cumprir a IMO 2020.

A IMO (Organização Marítima Internacional, em português) é uma agência da ONU, responsável por regular a segurança e proteção do transporte marítimo, além de atuar na prevenção à poluição dos oceanos. Outra função da IMO é auxiliar às Nações Unidas na propagação dos ODS da Agenda 2030. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU estão na pauta das discussões das grandes corporações e também entre governos e sociedade civil.

A Covid-19 provocou forte impacto na consciência da população mundial e as organizações ao redor do mundo estão repensando seus negócios. Como consequência, teremos uma ênfase maior nos temas meio ambiente, humanização e sustentabilidade.

Ademais, o Brasil é um forte candidato a ingressar como membro da OCDE, o que reforça ainda mais a necessidade de reinventar organizações e que estas estejam aptas a competir com grandes players do mercado. Assim, entrar para a “primeira divisão”, compreende adotar práticas mais elevadas de gestão. Nesse contexto, o sistema de governança ESG - Environmental, Social na Governance (sigla em português ASG - Ambiental, Social e Governança) será cada vez mais demandado nas empresas. Portanto, o caminho para empresas permanecerem ativas no mercado e surfarem na onda do crescimento advindo com a possível entrada do Brasil no “clube dos países ricos” será: 

  • ter a capacidade de estabelecer as prioridades;
  • perceber oportunidades em meio à crise; e
  • manter seu foco na produção de valor.

Em suma, empresas e sociedades têm atualmente a oportunidade de transformar esse momento de dificuldade em oportunidades de um futuro mais colaborativo, humanizado e inovador, com o objetivo de construir um mundo de bem-estar social por meio do desenvolvimento sustentável.

Luana Lourenço – Docente na Pós-graduação UCSAL e UERJ. Pioneira da Governança Humanizada. Membro da Rede Governança Brasil. Membro do IBGC. Membro do Instituto Capitalismo Consciente Brasil. Fundadora da Ocean Governança Integrada. Contato: [email protected]