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Entrevista

Bridgestone adota layoff para evitar cortes de colaboradores

Vicente Marino, presidente da empresa para a América do Sul, faz um retrato da realidade da indústria de pneus no Brasil

18/11/2023 20h02

Foto: Germano Luders

“Dos três momentos em que trabalhei no Brasil, essa é a vez em que enfrento a situação mais complicada.” A frase de Vicente Marino, presidente da Bridgestone para a América do Sul, é um retrato da realidade da indústria de pneus no País. Não bastasse a queda na demanda diante da situação econômica, a fabricante japonesa, a exemplo de outras multinacionais que produzem no Brasil, sofre com a concorrência das marcas importadas. Segundo o executivo, elas levam vantagem competitiva na importação. As consequências para a empresa têm sido preocupantes: além da demissão de 400 colaboradores em maio, a empresa adotou layoff (dispensa temporária) escalonado de um ano para outros 1,6 mil em setembro, para tentar evitar novos cortes.

Para Marino, se as condições não melhorarem em 2024, novas dispensas serão inevitáveis. Um pesadelo para os 5 mil funcionários que atuam no Brasil, mercado responsável por 70% do faturamento da América do Sul. Já a região responde por 5% da receita global que, em 2022, chegou a US$ 27 bilhões.

O mercado brasileiro de pneus apresentou queda de 3,4% no primeiro semestre. Qual sua previsão para este ano?

Quando a gente fechou o primeiro semestre, efetivamente estávamos em uma queda de 3% a 4% em linhas gerais da indústria nacional. No fechamento do terceiro trimestre, no entanto, essa queda subiu para 8% em relação ao ano anterior e o que estamos vendo é que para o fechamento do ano será ainda pior.

Por quais motivos?

Uma das razões é o surto dos importados. O mercado está completamente desbalanceado para pneus importados em comparação com o andamento da indústria nacional. Uma coisa é você investir e o mercado estar ruim. Outra é você ver que está se recompondo de forma muito diferente do que seria o mercado pneumático como um todo. Ele, historicamente, mantinha de 75% a 80% de produção nacional e uns 20% a 25% de importados. Dentro desses importados, uma pequena parte era de outras marcas de relevância mundial. E havia um pedaço de marcas asiáticas, como ocorre em qualquer parte do mundo. Mas esse balanço hoje está quase em 50% e 50%.

Qual a saída para essa situação?

Não estamos querendo uma vantagem competitiva fiscal. Isso cria uma ruptura, uma quebra na cadeia. Lá na frente alguém paga a conta. Tem que ser um fair play. Todo mundo tem que pagar a mesma cadeia de impostos. Todo mundo tem que ter a mesma responsabilidade com a sustentabilidade no País. Todo mundo tem que se preocupar com pneus de carga com recauchutagem. O mercado de recauchutado gera hoje mais de 300 mil empregos. Tem mais de 5 mil empresas, pequenas e médias, que são familiares e fazem algo muito relevante para o Brasil. Gerando emprego, gerando impostos. O pneu em si não é 100% reciclável.

E qual a consequência dessa realidade?

A nossa indústria está toda totalmente voltada para poder fazer 100% de reciclagem. Até chegar lá, a recauchutagem é uma alternativa. Por quê? Um caminhão brasileiro usa o mesmo pneu recauchutado por três vezes. Além disso, o custo do recauchutado corresponde a 35% do valor do pneu novo. Já os importados não têm qualidade para poder recauchutar.

Existe uma solução para esse problema?

O Brasil tem 7,5 milhões de pneus novos de caminhão e o mercado de recauchutados outros 7,5 milhões. Então, o mercado brasileiro visto por produtores asiáticos é de 15 milhões de pneus de caminhão. Se o recauchutado cai, o mercado de pneus novos sobe. Mas isso não é estar comprometido com a sustentabilidade. A nossa luta como fabricantes é manter esse mercado de 7,5 milhões. Não queremos que o mercado de pneus novos caia, porque ele deteriora o mercado de recauchutados. Já projetamos hoje duas recapagens e estamos trabalhando para garantir a terceira.

As tratativas com o governo federal em relação à alíquota para importação do pneu de carga têm avançado?

O governo está bem ciente da situação. Está tentando achar um equilíbrio para ter uma indústria nacional forte e que continue investindo no País. Ao mesmo tempo em que também quer dar espaço para a entrada dos importadores. O que estamos tentando é encontrar um equilíbrio. Não queremos uma vantagem, mas não queremos também que o outro tenha uma vantagem. Esse tem sido o ponto.

Houve algum progresso?

O governo percebeu que as empresas de manufatura de pneus pagavam impostos de nacionalização pelas matérias-primas, e os pneus feitos, já produzidos ou já terminados, entravam no Brasil sem impostos. O imposto de importação de 16%, que havia sido zerado em 2021, foi retomado em abril. Mas, no mesmo mês, subiram também os impostos [para o fabricante nacional]. O que estamos dizendo é: ‘aqui tem algo sem sentido’. Não é possível que uma empresa ou que um setor como o nosso compre matéria-prima e veja que são importados produtos acabados com preço abaixo do custo da matéria-prima no País.

A concorrência é maior dos asiáticos?

Eu diria que existem dois tipos de concorrência: a que a gente gosta, sempre sadia. Uma concorrência que é aquela que todos jogam com as mesmas regras. Essa concorrência é positiva para o País, para o mercado e para nós, porque faz com que a gente se mexa. O que é ruim é quando a concorrência é completamente injusta. Quando os importados têm vantagem competitiva. É como jogar pôquer com cartas marcadas. Nós precisamos tirar essas cartas e deixar que o jogo que seja justo.

Como o mercado nacional tem evoluído?

O mercado em geral não está recessivo. O Brasil retém hoje as seis maiores empresas produtoras do mundo. A concorrência aqui é forte. Além disso, existem todas as marcas que de alguma forma têm representação no País. É um mercado maduro, grande, interessante, que está evoluindo cada dia mais para produtos muito mais premium.

Os números cresceram?

Muito. Mesmo ocupando agora apenas 55% do mercado como um todo, no final do ano estaremos apenas de 15% a 20% abaixo do que foi em 2022. Você pode imaginar que o pedaço de importados é gigantesco, porque o mercado em geral está sendo muito grande. Mas o que pode acontecer é a produção cair, e os importados crescerem. Isso seria, como disse o presidente da Gerdau [Gustavo Werneck] em um fórum na semana passada, a forma mais fácil de descarbonizar o País: sem indústria. Mas acho que esse não é o caminho. Estamos lutando, estamos investindo, estamos mantendo e estamos acelerando.

Quanto tem sido investido?

Nós investimos R$ 1 bilhão em Camaçari (BA) para a ampliação da fábrica. Dobramos a capacidade. Ao mesmo tempo, este ano nós fizemos algo que foi complexo: retiramos a produção de pneus de autos da nossa fábrica de Santo André (SP) para fazer um movimento de especialização em pneus comerciais. Retiramos as linhas de passeio para seguir crescendo em caminhão. Na primeira fase de adaptação dessa fábrica estão sendo investidos R$ 350 milhões. Teremos outras fases, mas as condições têm que se dar.

Diante do crescimento das vendas de pneus asiáticos no mercado, como pensar positivamente em investimento e expansão?

Quando você acredita que dentro do país que trabalha existe um fair play e todo mundo está jogando com as mesmas regras, pode pensar positivamente e dizer: vou seguir investindo. Porque nós atuamos no mundo. A Bridgestone é uma das principais produtoras de pneus do mundo. Somos sempre número um ou dois. Já concorremos com asiáticos na Ásia, na América, no Brasil. O ponto é que tem que existir as mesmas condições. É um pouco difícil concorrer se no mercado que está atuando a sua matéria-prima custa mais que o produto final. Então, acreditamos que o Brasil tem que colocar esses controles e esses limites para manter esse fair play. Se o Brasil faz isso, os investimentos virão.

Os desafios econômicos são um entrave no processo de crescimento?

Os juros afetam sempre os negócios, mas são para todos. Não estou preocupado com desafios econômicos. Não estou preocupado com desafios políticos. Somos centenários. A gente já esteve no Brasil com hiperinflação, com todo tipo de governo, com todo tipo de economia, com todo tipo de mercado. Mas a gente se mantém.

Por qual razão?

Quando a condição é de mercado, você luta. O que nós não estamos acostumados é lutar em um jogo marcado. Quando eu discuto sobre a Bridgestone com o nosso corporativo, sobre o crescimento do Brasil, a preocupação é que existam efetivamente regras claras. Com as mesmas regras, quem vai ganhar? Ganha o melhor. Essa é a concorrência que nós gostamos.

Qual análise faz do ano para a Bridgestone?

Entramos no ano fazendo um shutdown [paralisação] de uma semana para ajustar os inventários. Quatro meses depois tivemos que fazer outro shutdown. E quatro meses depois tivemos que fazer mais um. Durante esse tempo tivemos que tomar uma decisão e fazer um layoff. Isso é devastador. Não somente pela parte do resultado financeiro, mas também pela sua tranquilidade, pelos seus clientes, pela sua gestão e pelo estresse interno que gera em todos os seus colegas de trabalho. Eu perdi este ano 400 pessoas. Não posso seguir perdendo. Se me pergunta: é o pior ano? Sim, é o pior ano. Nunca vi uma situação de mercado tão complexa como temos atualmente no Brasil.

Ainda assim, é possível ser otimista?

O futuro está claro. É de crescimento. A questão é: temos que entender como queremos esse crescimento. Com investimento da indústria nacional? Ou simplesmente com tudo importado? O layoff na Bridgestone vai até outubro de 2024. São 1.600 pessoas que estamos afetando. São trimestralmente grupos de 400 colaboradores. Em relação a faturamento, os números começaram muito bem no primeiro trimestre, pioraram no segundo, estão piores no encerramento dos nove meses. E serão muito piores no fechamento do último trimestre.

Existe risco de novas demissões na Bridgestone no ano que vem?

Sim, o risco existe. Existe porque se o mercado continuar do jeito que está, os layoffs temporários vão se transformar em demissões definitivas. Nós esperamos que isso não ocorra. Não estamos planejando isso. Nós estamos planejando que esses layoffs já anunciados e negociados sejam temporários para os colaboradores voltarem ao trabalho e a situação voltar à normalidade. Mas, para isso, as condições de mercado têm que se adequar.

Publicado no Isto É Dinheiro