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Entrevista

CEO da Mercedes-Benz diz que Brasil precisa de reformas urgentes

Karl Deppen alerta que, para vencer os desafios que virão em 2021, o Brasil precisa fazer reformas e garantir a estabilidade política

06/03/2021 12h00

Foto: Divulgação

Karl Deppen é o novo presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO da empresa para a América Latina. O alemão assumiu o posto em julho de 2020 em um dos momentos mais difíceis para a indústria automotiva. Ou seja, o executivo teve de se adaptar aos novos cargos e país em meio à crise sanitária. De quebra, a empresa fechou sua fábrica de carros no Brasil em dezembro.

“A Covid-19 dificultou as coisas”, diz Deppen. “O distanciamento social levou à busca de novas formas de relacionamento. As reuniões virtuais ganharam importância muito grande. E descobrimos que podemos aproveitar o potencial das novas plataformas online”, afirma.

Nesse sentido, o novo CEO da Mercedes-Benz destaca a plataforma Showroom Virtual Star Online. Inaugurada em maio de 2020, a plataforma digital viabilizou a venda de 200 veículos comerciais no ano passado. Ou seja, a nova estrutura posicionou a Mercedes-Benz na vanguarda das soluções digitais no setor de caminhões no Brasil.

Ademais, a Mercedes-Benz também comemora as boas vendas do novo Actros. O caminhão traz de série várias soluções de segurança. Destaque para as câmeras no lugar dos espelhos retrovisores externos. Segundo Deppen, a empresa está satisfeita com as vendas do modelo em 2020.

Aliás, a Mercedes-Benz foi a marca que mais emplacou caminhões e ônibus no Brasil em 2020. Ou seja, foram vendidos 30.081 caminhões. Assim, a marca garantiu a liderança do segmento pelo quinto ano consecutivo. Em suma, detém 33,72% de participação de mercado. Da mesma forma, no setor de ônibus foram vendidas 10.342 unidades. Em outras palavras, são 56,76% do mercado.

Ao mesmo tempo, houve grandes desafios. De acordo com Deppen, com a crise causada pela Covid-19, problemas que o Brasil já enfrentava, como a pressão de alta de custos, ficaram mais graves. Assim, o executivo diz que é preciso fazer reformas urgentemente. Segundo ele, só assim a indústria, assim como outras áreas fundamentais para a economia do País, passará a ser mais competitivas.

“Estabilidade político-econômica é vital para os negócios de veículos comerciais, que dependem da confiança dos empresários e dos consumidores. E, consequentemente, contribuem de forma muito importante para o crescimento do Brasil”, diz o presidente da filial da Mercedes-Benz.

Em entrevista exclusiva ao Estradão, Deppen fala sobre os primeiros meses à frente da Mercedes-Benz no Brasil. Ele também conta como está lidando com a pandemia. E destaca os desafios para 2021. Segundo ele, isso inclui a instabilidade política do País e a possível entrada em vigor do Proconve P8, previsto para 2021. Bem como temas ligados a combustíveis alternativos e renovação de frota. Confira!

Qual avaliação o senhor faz desses seis primeiros meses à frente da Mercedes-Benz do Brasil?
A Mercedes-Benz do Brasil tem uma equipe entusiasmada. Logo, há uma ótima rede de parceiros. Pude sentir o caloroso acolhimento e o apoio de todos. Mudar para o Brasil não foi tarefa fácil, sobretudo durante o primeiro pico da pandemia. A Covid-19 dificultou as coisas no mundo inteiro. Mas todos nós, aqui ou em qualquer país, tivemos de encarar os novos aprendizados. E nos adaptar rapidamente às mudanças.

O que o distanciamento social trouxe de aprendizado para o senhor?

O distanciamento social nos levou a buscar novas formas de relacionamento. Contudo, infelizmente, ainda não tive oportunidade de conhecer pessoalmente a maioria de nosso time. Ou mesmo clientes e parceiros de negócios. Tudo ocorre de forma virtual. Mas o nosso time rompeu barreiras, aproveitou oportunidades e permanece inovando. Um exemplo é o showroom virtual Star Online. O primeiro do setor a oferecer venda de veículos, peças e serviços. E que já tornou-se referência. Ou seja, um case de sucesso que, sem dúvida, vai inspirar novos projetos de inovação e digitalização.

Quais desafios o senhor teve de enfrentar durante 2020 diante da crise pandêmica?

Tivemos, e ainda estamos tendo em 2021, uma soma de grandes desafios. Como líder dessa empresa, sem dúvida, a minha maior preocupação é com a saúde dos colaboradores. E, consequentemente, a continuidade de nossos negócios para atender aos anseios dos clientes. Adotamos muitas medidas  preventivas, que são revisadas, reforçadas e constantemente comunicadas à toda a empresa. Bem como à rede de concessionários. Ou seja, assim continuaremos atendendo o mercado de caminhões e ônibus em que haja interrupção.

Algum plano foi paralisado por causa da Covid-19. Se sim, será retomado em 2021?

Mesmo com todos os desafios, a Mercedes-Benz manterá os investimentos de R$ 2,4 bilhões no Brasil até 2022. Assim, em 2021 pretendemos dar continuidade ao processo de modernização da empresa. Nesse sentido, também vamos modernizar nossos produtos e serviços. Além disso, vamos introduzir novas tecnologias e avançar rumo à Indústria 4.0 nas demais áreas de nossas plantas. Após as linhas de produção de caminhões, cabines e chassis de ônibus, a próxima meta é implantar o conceito na produção de agregados, como motores, câmbios e eixos. Esse é um grande desafio para 2021. Mas também teremos novas tecnologias para produtos e serviços. Dessa forma, vamos  permanecer na dianteira em relação às inovações para o setor de transporte de cargas e também de passageiros.

Como será o mercado de caminhões em 2021? O Brasil voltará aos patamares de 2019?

Vemos com otimismo os sinais da retomada da economia e do mercado de caminhões em 2021. O plano nacional de vacinação vai permitir a volta gradual da circulação de pessoas e mais mercadorias. Esperamos que o mercado volte aos níveis de 2019 para caminhões. Mas, para ônibus a recuperação deverá ser mais lenta. Ainda é preciso ter os pés no chão. Há muitos desafios a serem superados.

Quais são os principais desafios a vencer?

Um grande desafio, desde 2020, é a reorganização da cadeia logística. Assim como a volta à normalidade do abastecimento de matérias-primas após as interrupções causadas pela pandemia. Isso limita a disponibilidade de produtos. Da mesma forma, aumenta os custos, afetando toda a cadeia. Entretanto, em alinhamento com a Anfavea, estamos atentos a outros desafios. Como a pressão de alta de custos e necessidades urgentes das reformas. Esses temas afetam muitas áreas da economia. Assim, governo, empresas, fornecedores, concessionários, transportadores e a sociedade em geral deixam de contar com produtos competitivos.

Isso se agravou com a crise sanitária?

O Brasil precisa solucionar a crise de saúde, evitar conflitos políticos e retomar o caminho do crescimento sustentável. Além disso, é preciso ter previsibilidade. O desenvolvimento de todo o potencial do País trará benefícios a todos. E tornará o mercado muito mais competitivo.

Como avalia a instabilidade política do País e como isso impacta o setor de veículos comerciais?

Com a definição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, esperamos que o Brasil retome rapidamente o caminho de normalidade na esfera política. O País precisa que reformas sejam avaliadas e votadas urgentemente. Precisamos de condições adequadas e regras claras que incentivem a apoiem o desenvolvimento do País e de sua economia. Ou seja, que nos deem um horizonte claro e confiável no longo prazo. Estabilidade político-econômica é vital para os negócios de veículos comerciais. Enfim, o setor depende da confiança de empresários e consumidores. Ao mesmo tempo, contribui de forma muito importante para o crescimento do Brasil.

Quais são os segmentos de caminhões com maiores altas em vendas em 2021?

O agronegócio certamente continuará sendo o motor da economia brasileira em 2021. Logo, demandará caminhões principalmente para o transporte de grãos e de cana-de-açúcar. Assim, modelos pesados, como os das linhas Actros e Axor, devem ser protagonistas em vendas. Mas também haverá alta em segmentos como a mineração. Bem como no transporte de celulose, combustíveis, químicos e gás, além de alimentos, bebidas, construção civil, produtos farmacêuticos, logística, locações. Da mesma forma, o e-commerce, que cresceu de forma importante durante a pandemia, deve se manter em alta.

Em meio à crise, a Mercedes-Benz lançou o novo Actros em 2020 e vendeu 637 unidades, além de 3.131 Actros 2651. O senhor está satisfeito com os resultados do modelo?

O novo Actros trouxe um novo patamar ao mercado de caminhões no Brasil. Nossa equipe está entusiasmada com a resposta positiva e os prêmios que recebemos de clientes, motoristas e da mídia especializada. Toda a produção da linha Actros de 2020 foi vendida. Gostaríamos de ter vendido ainda mais. E temos mais clientes interessados. O que confirma que o caminhão é um sucesso. No entanto, tivemos de ajustar a produção à disponibilidade de matéria prima e às dificuldades de retomada do ritmo de produção. Sobretudo por parte de alguns fornecedores mais afetados pela pandemia.

Dos novos Actros vendidos, quantos tinham MirrorCam (câmeras em vez de espelhos)?

Os clientes estão impressionados com essa tecnologia. Mas muitos expressaram preocupação e dizem que o mercado brasileiro não está pronto para receber esse tipo de recurso. No entanto, estamos conseguindo mudar essa percepção. Vários clientes que testaram o MirrorCam ficaram muito satisfeitos com os benefícios em segurança e redução do consumo de combustível proporcionados pela nova tecnologia. Como resultado, mais de 10% de todos os novos Actros têm o sistema. Esperávamos atingir esse número apenas após dois ou três anos.

Como será a participação do Actros nas vendas de caminhões extrapesados em 2021?

O Actros é um caso de sucesso no Brasil e uma grande ponte para a marca voltar a ser muito mais competitiva no concorrido mercado de caminhões extrapesados. Especialmente na categoria rodoviária. Aliás, lideramos as vendas de extrapesados em 2020 no Brasil. Ou seja, repetimos o feito pelo quinto ano seguido. Nossa expectativa é que o novo Actros conquiste mais clientes e mais vendas em 2021. Atualmente, ele é o caminhão que entrega mais segurança e tecnologia no Brasil. Nenhuma outra marca tem o que a gente oferece como itens de série. Além disso, o novo Actros é um campeão em economia de combustível. Assim também, é o mais confortável para o motorista, mais digital e conectado. É isso o que os clientes têm procurado cada vez mais.

A Mercedes-Benz liderou as vendas de veículos comerciais em 2020. Vai repetir o feito em 2021? 

Posso destacar a linha completa de caminhões e ônibus. Bem como o mais completo portfólio de peças e serviços. Há ainda o banco e consórcio da própria marca. E a maior rede de concessionários presente em todos os Estados do Brasil. Estamos onde os nossos clientes precisam de nós. Equipes de vendas, marketing, engenharia e pós-venda têm ido, cada vez mais, às empresas de transporte para conhecer suas operações e a realidade do setor. Dessa forma, podemos gerar soluções eficientes e rentáveis de acordo com a demanda. Dessa forma, a liderança em 2020 novamente mostrou que estamos no caminho certo. Em 2021, queremos continuar sendo a escolha número 1 dos clientes.

O que faz a Mercedes ser a marca líder de vendas ônibus, com mais de 50% de participação?

Temos uma experiência de quase 65 anos no desenvolvimento e produção de chassis de ônibus. Tanto no segmento urbano, quanto rodoviário, de fretamento, turismo e escolar. Nosso portfólio de ônibus é o mais completo do Brasil. Logo, vai de micro-ônibus a super-articulados para o segmento urbano. E de convencionais a modelos 8×2 para Double Decker no segmento rodoviário. Além disso, a rede tem 25 concessionárias especializados Center Bus. A Mercedes-Benz do Brasil é o centro mundial de competência da Daimler no desenvolvimento de chassis de ônibus. O que atesta a expertise da nossa equipe em gerar soluções para o segmento. Ademais, a expressiva e histórica liderança no segmento mostra que os clientes reconhecem esse diferencial da marca.

Com a saída da Ford Caminhões, quanto desse mercado a Mercedes-Benz “abocanhou”?

Os volumes de vendas e a participação de mercado que eram da Ford estão divididos de forma equilibrada entre as marcas que atendem os mesmos segmentos e perfis de clientes. Com as linhas Accelo e Atego, dos segmentos de leves, médios e semipesados, temos um variado portfólio que atende as demandas de clientes que eram fiéis à Ford. São caminhões fortes, eficientes e econômicos. Ou seja, oferecem todos os valores agregados aos nossos produtos que o mercado já conhece.

Dá para esperar o lançamento de um caminhão elétrico da marca no País em 2021?

Assim como o uso de caminhões com novas fontes de energia avança em alguns países, também deverá ocorrer no Brasil. No entanto, isso só ocorrerá se houver escala. Ou seja, quando as tecnologias forem viáveis e rentáveis para o cliente. Assim, primeiro é preciso haver viabilidade de operação para os clientes que investem em todo o ciclo de vida do produto. Nesse sentido, o grupo Daimler detém várias tecnologias alternativas ao uso do diesel.

Quais são essas tecnologias?

Temos o Biodiesel HVO, sistemas híbridos, células a combustível e veículos elétricos. Todas estão em operação regular em vários mercados. A Daimler irá iniciar, ainda em 2021, a produção em série do eActros, um caminhão elétrico a bateria voltado à distribuição urbana. Adicionalmente, teremos o eActros LongHaul, para longas distâncias. que deve entrar em produção em 2024. E tivemos o grande anúncio do Mercedes-Benz GenH2, movido a célula a hidrogênio. O início dos testes com clientes ocorrerá em 2023. E a produção em série deve começar na segunda metade desta década. Ou seja, com a infraestrutura adequada e custos operacionais compatíveis, essas soluções poderão ser trazidas para o Brasil no momento oportuno.

O que é melhor para o Brasil: gás ou veículos elétricos? Qual será a aposta da Mercedes-Benz?

Para o Brasil, nesse momento, a Mercedes-Benz acredita em multisoluções. Dessa forma, elas precisam ser compatíveis com a realidade brasileira. Devemos ter em mente as diferentes variáveis em discussão. Mix de energia disponível, emissão de CO2, padrão de uso (interurbano, longo curso, off-road etc.), necessidades de infraestrutura, valores residuais etc.

A eletrificação não será oferecida isoladamente?

Sobre eletrificação, acreditamos que se trata de uma entre as novas tecnologias. Mas não é a tecnologia definitiva. Ou seja, é preciso lembrar, por exemplo, que na maioria dos países a eletricidade não vem de fontes renováveis. Nesse sentido, avaliando o ciclo completo, a opção mais sustentável a longo prazo poderia ser o caminhão a célula a combustível operado com hidrogênio verde.

E a tecnologia a gás?

Em relação aos modelos a gás, ainda não sabemos como a infraestrutura local de reabastecimento irá se desenvolve. Em especial no caso de caminhões de longas distâncias rodoviárias. E com a entrada em vigor do P8 a quantidade de biodiesel será aumentada. Logo, pode não haver benefício de redução de CO2 no uso do gás. Diante de tudo isso, vale a pena reforçar que é urgente a renovação da frota no Brasil. Estamos falando de caminhões que têm mais de 15 anos de uso. A renovação teria impacto substancial na redução das emissões e na melhoria da segurança viária para desenvolver o setor de transporte no Brasil.

A renovação da frota seria mais eficaz do que a entrada em vigor do Proconve P8 (Euro 6)?

Não é uma questão de um ou outro. Independentemente das discussões em torno da chegada do Euro 6 ao mercado brasileiro, a renovação de frota sempre traz efeitos positivos em termos de redução de emissões. Dessa forma, contribuem para a melhoria da qualidade do ar para a população. Assim como da preservação do meio ambiente. Dessa forma, a renovação de frota também impacta positivamente na redução do consumo de combustível e no aumento de segurança nas estradas.

Postergar a entrada em vigor do Proconve P8 não será um atraso para o setor?

Estamos alinhados com a Anfavea, que tem uma visão geral sobre todas as empresas do setor. Mas é inegável que a pandemia da Covid-19 vem provocando uma série de atrasos no desenvolvimento de produtos e tecnologias. Assim como nos testes e implementações de tecnologias que permitirão aos veículos brasileiros atender as próximas metas do Proconve. No entanto, precisamos, como todas as empresas, reavaliar os prazos de forma realista, transparente e com bom senso. Por causa da pandemia, tivemos de cuidar também da saúde dos nossos engenheiros. Logo, enfrentamos alguns atrasos nos programas de teste. Mas claramente cumprimos os nossos compromissos de atender os requisitos do Euro 6 no País.

Publicado no Estradão