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Sustentabilidade

Crédito de carbono já atinge patamar bilionário no Brasil

Especialistas veem potencial para todas as empresas no país gerarem e venderem compensações

05/08/2022 09h13

Marina Cançado, da Future Carbon - Foto: Carol Carquejeiro - Valor

O mercado de crédito de carbono já rende cifras bilionárias para as empresas brasileiras. Apenas um dos portfólios da consultoria e gestora Future Carbon, o de energias renováveis, já reúne 18 projetos, com 70 milhões de toneladas de captura de carbono e US$ 210 milhões em valor, ou seja, mais de R$ 1 bilhão, segundo a sócia Marina Cançado.

De acordo com a especialista, a casa está captando também um fundo de US$ 1 bilhão para a aquisição de 1 milhão de hectares de floresta na Amazônia para a geração de créditos de carbono. “Nós mapeamos cerca de 2,3 milhões de hectares chave na Amazônia para fechar o problema do desmatamento”, avaliou.

Na visão de Cançado, “o crédito de carbono é uma nova classe de ativos e existe uma oportunidade gigantesca em termos de mecanismos de investimentos”. A gestora afirmou que “toda empresa está sentada em um potencial de geração de crédito de carbono, que significa dinheiro, e é possível ser vendido no mercado internacional”. A Future Carbon se especializou em implementar todas as fases do processo de geração de créditos de carbono por uma companhia projeto, desde a elaboração do inventário de reduções até a comercialização dos ativos identificados no mercado internacional.

A consultora explicou que, no exterior, a tonelada de redução de carbono tem preço entre US$ 3 e US$ 4, mas o valor tende a subir nos próximos anos, conforme a demanda por compensação de emissões aumente. “Vendemos um portfólio antecipado de 30 anos por US$ 15 a tonelada.”

O setor público também tem tomado a iniciativa de desenvolver o mercado interno. O diretor do BNDES, Bruno Aranha, enxerga o carbono hoje para o Brasil como “fundamental dentro desse cenário de segurança climática no mundo”. Segundo o dirigente, o banco de fomento enxerga o crédito de carbono “como um novo ativo, mas que hoje ainda é embrionário em termos de geração”.

O BNDES tem realizado diversas iniciativas para impulsionar a evolução do segmento. De acordo com Aranha, a instituição lançou recentemente, para ajudar a fomentar o crédito ao segmento, um fundo com recursos mistos, dos quais R$ 90 milhões são de capital não reembolsável aportados pela instituição para servir de garantia aos bancos comerciais em linhas de financiamento a projetos com potencial de geração de créditos de carbono.

Conforme o diretor do BNDES, outra iniciativa, o fundo “Floresta Viva”, já conta com participação de mais de dez empresas de diferentes segmentos do país com foco no financiamento de projetos de preservação, reflorestamento e recuperação de biomas. “São R$ 700 milhões para a recomposição de biomas, geração de créditos de carbono e compensações às empresas.”

O BNDES também realizou recentemente uma negociação piloto de compra de R$ 10 milhões em crédito de carbono para fomentar o desenvolvimento do mercado interno. A instituição planeja agora uma nova operação, de cinco a dez vezes maior. “Na ponta da demanda, fizemos uma experiência piloto de comprar R$ 10 milhões de créditos de carbono, vindos de energia renovável, reflorestamento e reaproveitamento de resíduos sólidos”, apontou Aranha. “Agora vamos fazer nova rodada de R$ 50 milhões a R$ 100 milhões de compras para gerar maior previsibilidade e ter essa tração [para o mercado]”, complementou o diretor.

Os mercados de crédito de carbono e de títulos verdes têm potencial de se tornar 100 vezes maiores que atualmente, afirma a co-fundadora da Aya Initiative, Patrícia Ellen. Segundo a especialista, o Brasil pode receber cerca de um terço dos recursos globais desses dois mercados.

O país ainda tem uma participação muito pequena em relação aos instrumentos financeiros ligados à sustentabilidade. Segundo Ellen, em 2021, o Brasil emitiu apenas US$ 21 milhões em crédito de carbono. Em relação aos chamados “green bonds”, a América Latina como um todo lançou pouco mais de US$ 10 bilhões no ano passado. “Esses dois mercados têm potencial [de crescimento globalmente] de, pelo menos, 100 vezes, e o Brasil poderia estar capturando um terço desse potencial.”

A sócia da Aya disse que a transição para as economias de baixo carbono vai exigir US$ 125 trilhões “para que aconteça no tempo correto”. Ellen afirmou haver necessidade de se investir US$ 1,3 trilhão globalmente por ano até 2030 para alcançar os objetivos de redução de emissões. “Para essa transformação acontecer, precisamos trabalhar juntos e mudar padrões de mercado. Primeiro é preciso lembrar que todo mundo está trabalhando para essa transição.”

Na visão da co-fundadora da Aya, o mercado de títulos verdes teria de ser multiplicado por dez em dois anos para fazer diferença no Brasil. “Temos de decuplicar em um a dois anos esse valor [de R$ 10 bilhões de green bonds emitidos no país em 2021], ou seja, tem de ser dez vezes mais para fazer diferença”, disse. A posição do Brasil em termos de capacidade de captura de carbono é uma das mais importantes globalmente. “Os maiores biomas do mundo estão no Brasil e na Indonésia.”

O sócio da consultoria Sistemiq International, Guido Schmidt-Traub, ressaltou que o conceito de carbono zero “é basicamente levar as mudanças climáticas a sério”. De acordo com o especialista, “no Brasil isso significa mudanças profundas em todo o país, como, por exemplo, no setor de agronegócios”.

O representante do banco australiano MacQuarie, Hitoshi Castro, lembrou que, há cinco anos, a instituição decidiu tornar a transição energética como um dos pilares estratégicos. “Na época, pareceu uma decisão ousada colocar a ‘energy transition’ como foco de crescimento do banco nos próximos 30 anos. Mas olhando cinco anos depois, estrategicamente, foi uma das decisões mais importantes do banco em toda a história.” Para Castro, a transição energética e a mudança para uma economia de baixo consumo de carbono são “as maiores oportunidades de crescimento privado desde a internet”. Conforme o executivo, “é uma classe de ativos completamente nova, uma exigência de capital ainda em evolução e com uso de tecnologia que ainda vai ser descoberta, mas que vai se desenvolver muito ao longo dos próximos 30 anos”.

O representante do Pacto Global, Carlo Pereira, corroborou a visão do alcance das transformações. “Estamos numa revolução da sustentabilidade, tão estruturante quanto a revolução industrial e mais rápida que a digital.”

Fonte: Valor Econômico