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Entrevista

Devemos mudar a forma como medimos o que fazemos, diz Alier

Catalão vencedor do Prêmio Balzan destaca que é preciso dar menos importância ao que dizem os economistas

03/01/2021 23h00

Foto: BBC

Existem muitos economistas no mundo, mas são raros os economistas ecológicos — o catalão Joan Martínez Alier é um deles.

Um dos fundadores da Sociedade Internacional de Economia Ecológica e seu ex-presidente, ele é um dos mais conceituados especialistas da área. Dedicou toda sua vida acadêmica ao estudo da relação entre os desafios ambientais e a economia, contribuindo ativamente para a promoção do conceito de justiça ambiental.

Professor emérito e pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA-UAB) desde 2010, Martínez Alier teve seu trabalho aclamado recentemente ao conquistar o Prêmio Balzan.

A honraria, concedida desde 1961, é considerada por muitos como o primeiro passo para obter na sequência o reconhecimento da Academia Sueca. A prova disso é que vários vencedores do Prêmio Balzan posteriormente ganharam o Nobel.

Martínez Alier conquistou o Balzan pela "excepcional qualidade das suas contribuições para a criação da economia ecológica", entre outras razões.

Leia a seguir a entrevista realizada pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, feita com ele.

BBC News Mundo - O que é exatamente economia ecológica?

Joan Martínez Alier - É uma crítica à ciência econômica tradicional. Há dois pontos principais: você precisa olhar a economia fisicamente, contar os fluxos de energia e matéria-prima (em calorias, joules e toneladas) e não dar importância ao Produto Interno Bruto (PIB), que mistura o que é produção com o que é destruição. O PIB cresce, mas destrói a biodiversidade. Usa carvão, petróleo e gás que produzem excesso de dióxido de carbono e, consequentemente, as mudanças climáticas. Os danos não são subtraídos do PIB.

Por que a economia e a ecologia tradicionalmente se dão tão mal?

Porque, quando a economia industrial cresce, os ecossistemas são destruídos.

Você se considera mais economista ou ecologista?

Sou um economista ecológico, um dos fundadores da Sociedade Internacional de Economia Ecológica em 1990, autor já em 1987 do livro Economia Ecológica (em inglês, espanhol, japonês etc.) e cofundador das revistas Ecological Economics e Ecología Política em 1990.

O atual modelo econômico está claramente exacerbando o problema das mudanças climáticas e da deterioração do meio ambiente. Como a economia ecológica pode ajudar nesse sentido?

Mudando a forma como medimos o que fazemos e diminuindo a importância do que dizem os economistas, que mandam demais na política.

Desde 2012, você lidera o projeto Atlas da Justiça Ambiental, um levantamento que reúne os conflitos ambientais que existem no mundo e que somam atualmente 3.310. O que gera esses conflitos?

Precisamente o fato de que a economia industrial não é, e tampouco pode ser, circular, mas sim entrópica. Ela busca continuamente novas matérias-primas nas fronteiras de extração, da Amazônia ao Ártico. Seja petróleo, carvão, gás natural, minério de ferro, cobre, soja, eucalipto para celulose, o que for...

Como se sabe, se você queimar carvão ou óleo, não pode queimar duas vezes, não é reciclável. Isso é o que queremos dizer com a expressão mais fundamental da economia ecológica: a economia industrial não é circular, mas entrópica. A entropia é uma palavra de origem grega que os físicos começaram a usar por volta de 1870 para provar que a energia não se recicla.

Quando a economia industrial está em curso, ela inevitavelmente perde energia e matéria-prima. E isso acontece porque a energia que usamos há 200 anos — petróleo, carvão e gás natural — só pode ser usada uma vez.

Vou te dar um exemplo: se você esquentar água na sua cozinha e deixar ferver, pouco tempo depois de desligar o fogão, a água esfria, e para requentá-la, é preciso ligar o fogão novamente. Isso acontece porque a energia se dissipa. E o mesmo acontece com as matérias-primas.

O alumínio, por exemplo, é obtido por meio de uma rocha chamada bauxita, que é bombardeada com muita eletricidade. O alumínio é usado, entre outras coisas, em latas de conserva, das quais apenas 10% a 20% são recicladas, e no caso de outras matérias-primas, o percentual é bem menor. Os materiais de construção usados em obras quase não são reciclados.

Além disso, deve-se ter em mente que, ao queimar combustíveis fósseis como carvão, gás ou petróleo, produzimos dióxido de carbono. E estamos colocando tanto CO2 na atmosfera que ele está se acumulando e produzindo o chamado efeito estufa.

O embate entre economistas ecológicos e economistas acontece porque os economistas agem como se não soubessem de nada disso. Eles falam, por exemplo, de crescimento econômico, quando as reservas de petróleo e gás diminuem, o efeito estufa aumenta e a biodiversidade desaparece.

Quais são os conflitos ambientais mais urgentes?

Acredito que são aqueles que acontecem onde há população mais vulnerável, população indígena, gente pobre que não tem poder político para se defender das empresas extrativistas. O pior que eu vi foi a exploração de petróleo da Chevron-Texaco no Equador e da Shell no Delta do Níger, na Nigéria. Mas há centenas de casos semelhantes.

Você prevê que os conflitos ambientais vão continuar crescendo nos próximos anos? Quais serão os mais relevantes?

Acho que vão seguir aumentando. As fronteiras da extração e da poluição continuam avançando. Chegam a territórios onde há pessoas, que protestam. Em 22 de outubro, mataram uma senhora ecologista, Fikile Ntshangase, em Somkhele, na região sul-africana de KwaZulu-Natal.

Centenas de ambientalistas são vítimas todos os anos, não acho que o número vai diminuir. Mas, se tornarmos esses conflitos mais visíveis, talvez possamos ajudar a reduzir a repressão contra ambientalistas em alguns países.

Nos últimos 120 anos, a população humana quintuplicou, enquanto a quantidade de produtos usados por ano pela economia global no processo de produção (da biomassa aos combustíveis fósseis, passando por materiais de construção e metais) aumentou quase 13 vezes. O que isso significa e quais são as consequências?

Obviamente, a economia não se "desmaterializa", muito pelo contrário. É um bom sinal que o crescimento da população se freie por conta própria— a população humana atingirá um pico de cerca de 9,5 bilhões de pessoas até 2060 e, então, diminuirá um pouco, me parece. Mas o consumo está crescendo muito mais do que a população, pelo menos até este ano pandêmico de 2020.

Cada vez se recicla mais, há mais economia verde, mais economia circular, mais energias alternativas. Isso significa que estamos no caminho certo?

É que não há mais do que isso, palavras. Há mais energia eólica e fotovoltaica, sem dúvida, mas globalmente elas se somam às fontes anteriores, carvão, petróleo, gás. O uso do carvão aumentou sete vezes no século 20 e continuou a crescer até 2020. Petróleo e gás, muito mais. A nível mundial.

A epidemia de gripe espanhola de 1918 e 1919 deu lugar aos 'anos loucos' de 1920. Será que devemos esperar um consumo desenfreado e selvagem depois que o coronavírus for derrotado? E, caso sim, que consequências isso teria do ponto de vista da economia ecológica?

Acredito que a pandemia colocou a renda básica universal na mesa do debate político. Porque se a economia não cresce (e acredito que não deva crescer mesmo nos países ricos, porque é um crescimento falso), aumenta o desemprego. As pessoas não têm a renda dos salários. Portanto, você deve dar a elas uma renda que não seja proveniente de salários. Isso deve ser garantido pelos governos federais ou regionais, uma Renda Básica Universal.

O confinamento mostrou que podemos viver consumindo muito menos e também resultou em melhorias para o meio ambiente, ao reduzir a produção e o impacto do homem na natureza. Devemos continuar nessa linha ou o consumo é necessário para sustentar o atual modelo econômico?

É preciso aumentar o "consumo" social de assistência médica, de habitação popular. O consumo da moradia social deveria crescer, sem endividar as pessoas e sem despejos criminosos, não acha? O consumo de viagens de avião deve diminuir. A agroecologia deve crescer em detrimento das monoculturas que usam agrotóxicos.

Você argumenta que a pandemia revelou que o PIB é um índice de medida com muitas deficiências. Que deficiências são essas na sua opinião?

O PIB se esquece de contabilizar o trabalho gratuito de cuidar das pessoas, o afeto gratuito e as obrigações familiares e sociais gratuitas, isso não entra no somatório porque não se paga no mercado; tampouco o tomate ou o feijão que cultivo na minha horta, caso eu tenha uma, para consumo da minha família e amigos, isso não é somado. O PIB não adiciona atividades que são realizadas fora do mercado e não subtrai os danos ambientais. As empresas quase nunca pagam seus passivos ambientais, é óbvio.

E se o PIB não é um bom indicador, que índice deveria ser usado para avaliar a riqueza gerada por um país?

Esta é fácil: devemos usar vários indicadores físicos e sociais. Não apenas um único índice. E não usar a expressão "riqueza gerada", porque colocar mais CO² na atmosfera e destruir a biodiversidade não é exatamente gerar riqueza vital.

Fonte: BBC News Mundo