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Entrevista

Economia brasileira deve crescer pelo menos 4% em 2021

Ministro Paulo Guedes faz um balanço do ano no governo e afirma que o Brasil vai se transformar na maior fronteira de investimentos do mundo

25/12/2020 22h30

Foto: Divulgação

Entre os 22 ministros empossados por Jair Bolsonaro em janeiro de 2019, apenas dois ostentavam o título de superministros. Um deles, Sergio Moro, pediu demissão da Justiça ao desconfiar que o combate à corrupção, sua principal bandeira, não estava entre as verdadeiras prioridades do governo.  O outro é Paulo Guedes. O ministro da Economia foi encarregado de implementar a desejada, necessária e fundamental agenda liberal prometida pelo presidente da República durante a campanha. O cronograma previa a realização de três grandes reformas (previdenciária, tributária e administrativa), além da privatização da maioria das estatais  — alicerce que sustentaria o desenvolvimento, impulsionaria o crescimento ininterrupto por ao menos uma década e geraria milhões de empregos. Era esse o compromisso assumido com o eleitor.

A realidade, porém, apontou em outra direção. À exceção do novo sistema de aposentadoria dos brasileiros, aprovado no ano passado, nenhum dos projetos avançou.  A prometida simplificação dos impostos não saiu do papel, o enxugamento da máquina pública ainda é uma miragem e as empresas deficitárias controladas pela União continuam acumulando prejuízo atrás de prejuízo. Tudo isso em meio à terrível pandemia do coronavírus. Resultado: o PIB encolheu, o desemprego bateu recordes e os superpoderes do ministro passaram a ser colocados em dúvida, a ponto de se tornarem recorrentes notícias sobre a possível saída dele do governo. Boatos? A maioria sim, embora o ministro confesse que, em certo momento, realmente pensou em jogar a tolha e assistir ao “caos” bem longe de Brasília, tantas eram as divergências entre ele e outros assessores do governo.

Na quarta-feira 16, Paulo Guedes recebeu VEJA para fazer um balanço do ano e projetar os objetivos para 2021.  Foi uma conversa franca e o ministro parecia mais relaxado que o normal, quase calmo. “Tivemos um ano terrível, claro, mas tomamos decisões corretas que impediram o Brasil de mergulhar no caos”, resume. O tom de voz só se alterou quando ele foi instigado sobre as críticas que tem recebido, especialmente as feitas por ex-ministros da Economia de outros governos. “Esses que estão falando mal podem me dizer o que fizeram quando estavam aqui? Um deles, por exemplo, entregou o país com uma inflação de 5 000%.  Isso é que é ridículo. São falsas narrativas políticas, negacionistas, anticientíficas, porque a ciência é baseada em resultados empíricos”, avalia.  Ao repetir essa última frase, o ministro olhou pela janela de seu gabinete, de onde é possível enxergar as torres do Congresso — o foco de muitos boatos e das tais falsas narrativas.

O tom otimista, porém, é a tônica do ministro neste fim de ano. Segundo ele, 2021 vai marcar uma grande virada na história econômica brasileira. Se tudo correr como planejado, o Brasil registrará um crescimento de 4% ao ano e se transformará na maior fronteira de investimentos do mundo. “Ninguém está oferecendo tantas alternativas em infraestrutura, saneamento, mineração e privatizações quanto aqui”, diz.  Antes disso, ressalta, será preciso acabar com a pandemia, o que dependerá do sucesso das campanhas de imunização. Aos 71 anos, Guedes foi um dos poucos auxiliares diretos do presidente que que não contraiu até agora o coronavírus.  É verdade que ele toma mais cuidados que a maioria dos colegas de Esplanada (está sempre de máscara e até mudou-se com a família para a Granja do Torto, em Brasília, para evitar aglomerações e viagens de avião), mas não descarta a possibilidade de que a sua resistência à doença tenha algo a ver com o seu tipo sanguíneo (O-).

Extremamente inteligente e didático nas convicções, Guedes admite que o jogo político, cheio de idas e vindas, ainda é um desafio para ele. Ele conta que, em plena pandemia, surpreendeu-se com um movimento organizado para tirar o presidente Bolsonaro do poder — uma espécie de conspiração da qual fariam parte congressistas, governadores e pessoas ligadas às mais altas cortes de Justiça.  O ministro diz que quem lhe confidenciou essa história pela primeira vez foi João Doria, governador de São Paulo, que, inclusive, teria tentado convencê-lo a deixar o Ministério da Economia antes que isso acontecesse. Depois da saída de Moro, Guedes teria sido escolhido como alvo do grupo que vislumbrava o fim do governo.  “Me senti como se estivesse atravessando um rio, pulando de um jacaré para o outro e tentando desviar das pedras. E os caras vendo se me derrubam para o jacaré me comer”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Chegamos à metade do governo Bolsonaro. A agenda liberal prometida durante a campanha se perdeu? 

Desde o início do governo, tínhamos uma noção muito clara de que deveríamos quebrar a dinâmica explosiva de gastos públicos e atacar três torres, que são as principais despesas. A primeira e maior de todas era o privilégio da Previdência Social. No primeiro ano, fizemos a reforma da Previdência, que estava parada havia vários governos e que ninguém conseguia fazer. Após derrubarmos a primeira torre, partimos para o ataque da segunda: despesa com juros da dívida, que caíram. Com isso, economizaremos 400 bilhões de reais.  Por fim, a terceira torre: o funcionalismo público. Durante a pandemia, conseguimos congelar os salários dos servidores por três anos, economizando mais 300 bilhões de reais. Isso é algo que o Brasil nunca experimentou.

Mas o senhor vem sendo criticado por economistas renomados e ex-ministros da Economia por entregar pouco perto do que estava prometido…

Essa crítica é ridícula. Se eu faço a reforma da Previdência e dizem que eu não entrego, o que eu vou falar de quem passou antes de mim? Se eu faço o Mercosul e dizem que eu não entrego, o que eu vou dizer de quem passou antes? Se eu faço os acordos com a União Europeia, a Lei Kandir, o Banco Central independente, a cessão onerosa, o marco do saneamento… O que vou dizer dos meus antecessores? Respondendo a sua pergunta, essas críticas são narrativas políticas, são negacionistas, são anticientíficas, porque a ciência é baseada em resultados empíricos. Fazer o teto de uma casa é fácil, mas construir as paredes para segurá-lo é mais difícil. E foi isso que a gente fez.

Mas e as privatizações e as outras grandes reformas que ficaram no papel? 

Houve, de fato, duas falhas: a privatização e a reforma tributária. Por coincidência, eu não tenho mais em minha equipe nenhum dos dois secretários que cuidavam desses projetos desde o início. Isso fala por si só, você não acha? Eles estavam sendo sabotados e saíram do governo, ou foram embora porque não estava funcionando.

Qual das duas hipóteses é a verdadeira?

Só posso dizer que a saída deles não foi uma coincidência.

No caso das privatizações, a falta de empenho do presidente Bolsonaro atrapalha?

É evidente que tem problema dentro do governo a respeito disso. Cada ministro tem a sua estatal. Estamos convencendo um a um. No início do governo, vários ministros achavam natural ficar com as suas estatais. Os militares, por exemplo, são a favor das estatais. Eles fizeram uma porção delas. Quando Salim (Mattar, ex-secretário de Desestatização) saiu, ele falou que cada ministro acha que a estatal é dele e senta em cima. É claro que teve um problema nosso também. Levamos tempo demais para descobrir o que estava acontecendo. Mas o apoio do presidente será decisivo. Quero anunciar quatro privatizações, apoiadas pelo presidente, o mais rápido possível.

A reforma administrativa, que não tem a simpatia do presidente, também não avançou como esperado… 

Entreguei a reforma administrativa no fim de novembro do ano passado, e o entorno do presidente a bloqueou. Fiz a minha parte.  Entreguei a proposta ao presidente da República (que a enviou ao Congresso em setembro deste ano). Mas o atraso da administrativa foi mais do que compensado pelo congelamento de salário dos servidores públicos. Por isso, o ministro sorri quando dizem que ele está perdido. Nunca perdi o foco.

Quem seria esse “entorno do presidente”?

Prefiro dizer só entorno. Tem muita gente lá em volta.

O senhor já pensou em sair do governo?

Houve um momento em que isso quase aconteceu. Mas não foi por causa do presidente. Foi quando a Câmara, o Senado, a liderança do governo e todo mundo deixou aberta a possibilidade de destinar o dinheiro para o combate à Covid-19 para dar aumentos salariais generalizados.  Naquele momento, pedi ao presidente para vetar. Se ele não vetasse, não tinha mais o que fazer no governo.  Mas nunca foi colocado assim: “Ou faz isso ou vou embora”. Nunca. O presidente confia em mim e eu confio no presidente. Eu sabia que ele iria vetar e ele sabia que, se eu pedi, é porque era importante.

E quando a reforma tributária da equipe econômica sairá da gaveta?

A nossa reforma tributária virá por fases. Desde a campanha, falei isso. Queremos uma brutal simplificação de impostos e gostaríamos de ter uma desoneração da mão de obra também.  Não adianta fazerem acordo com a esquerda e me chamarem para uma reforma tributária que aumenta imposto. Somos liberais. Não vamos aumentar impostos. Se tudo der certo, o Brasil pode crescer 4% em 2021 e por dez anos seguidos. Se as reformas estruturantes não forem aprovadas, teremos crescimento baixo, inflação alta e dólar descontrolado. Podemos seguir o caminho da Argentina.

De onde vem a convicção de que 2021 é o ano da economia?

Essa volta do crescimento em V é prova de que o Brasil estava decolando quando a pandemia chegou. O Brasil será a maior fronteira de investimentos do mundo em 2021. Ninguém está oferecendo tantas alternativas de investimento quanto nós. O Ministério do Desenvolvimento Regional terá 600 bilhões de reais em investimentos nos próximos dez anos. O Ministério da Infraestrutura, mais 550 bilhões de reais na próxima década, com concessões de aeroportos, rodovias e ferrovias. Na área de mineração, com o marco regulatório, vamos movimentar dezenas de bilhões de reais por ano. Agora, temos a nova lei de cabotagem, que está no Congresso para ser aprovada.  Teremos a privatização da Eletrobras. O novo marco do gás natural já foi aprovado no Senado e voltou para a Câmara.  Estamos disparando uma onda de investimentos. O grande desafio de 2021 será exatamente esse. O Brasil será a maior fronteira de investimento do mundo.  Quer investir em petróleo? Vai ter. Quer investir em gás natural? Tem. Quer investir em ferrovia? Tem. Quer investir no setor elétrico? Tem. Quer investir em cabotagem? Tem. Será um cardápio vastíssimo.

A discussão sobre o teto de gastos está pacificada?

O presidente tomou uma decisão. Em vez de furar o teto e desestabilizar o Brasil, ele disse: “Eu não sou um populista. Entendo que o auxílio emergencial foi uma resposta à pandemia. Então, se a pandemia foi embora, acabou o auxílio emergencial. Ponto”. Ninguém fala mais nisso. Tem de manter o teto de gastos para manter o juro baixo, o câmbio também favorável. Ou seja, se você sair gastando, o juro vai lá em cima e o câmbio afunda de novo. Se você mantém o teto, o juro cai baixo, ou seja, ajudando esses investimentos todos que mencionei. Ao mesmo tempo, o câmbio lá em cima também estimula as exportações, o agronegócio, protegendo a indústria brasileira.  No ano que vem, venderemos a Caixa Seguridade e o Banco Digital da Caixa. Com isso somado aos marcos regulatórios, o setor privado aprofunda os horizontes de investimentos. Espero que tenhamos encontrado o eixo político, que será fundamental para avançar nas reformas.

Qual será o maior desafio para a economia em 2021? 

O grande desafio agora será transformar a recuperação cíclica alicerçada em consumo em uma retomada do crescimento baseada em investimentos.  Porque para ser crescimento de verdade é com investimento, ampliação de capacidade produtiva.  Temos de fazer uma transição completa de uma economia dirigista para uma economia de mercado. Temos de terminar a abertura econômica. Por isso estamos correndo com os marcos regulatórios.

Com a derrota de Donald Trump nas eleições, o Brasil corre o risco de ficar isolado na política externa?

A questão é que a aposta foi feita no Trump. A aposta era: o presidente Bolsonaro cola no Trump e ocupamos o banco dos Brics, que é onde está a China, e o BID. Fizemos um acordo com os americanos. O americano foi eleito presidente do BID e, com isso, iríamos ganhar o BID Invest. Deu errado. Ao mesmo tempo, tem essa guerra de narrativa contra o Brasil na selva amazônica. Estamos reconstruindo a nossa influência lá fora. Estou seguro de que estamos fazendo o certo.

Qual a avaliação do senhor sobre o combate à pandemia?

Acho que estamos vencendo. A economia e a saúde sempre andaram juntas. O próprio presidente dizia: “Tem duas ondas, não é uma só”. Então, o que está acontecendo agora? A vacina está chegando, e a economia está retomando. Estamos quase vencendo, mas não vencemos ainda. Se a vacina não chega, se não chega a vacinação em massa, daqui a pouco pode haver uma volta do distanciamento social, e aí a economia afunda de novo. Precisamos realmente terminar o serviço. E terminar o serviço é fazer a vacinação em massa para impedir a tal da segunda onda.

É a favor da obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19?

Não. As pessoas têm de ter o direito de escolher. Podem tomar a vacina do laboratório A ou a B, ou nenhuma. Agora, se não tomarem nenhuma, também não podem entrar no cinema, porque poriam os outros em risco. Então tem de ter um passaportezinho da imunidade.

Já se acostumou com o ambiente de Brasília?

Me sinto atravessando um rio no lombo de um monte de jacaré. Toda hora pulo de um jacaré para o outro. Aí, de repente, vejo os críticos jogando pedra. Eu pulando de um jacaré para o outro, e os caras vendo se me derrubam para o jacaré me comer. O negócio é incompreensível. Um dia, por exemplo, me liga o João Doria e diz: “Paulo, pelo amor de Deus, sai daí. Salva a sua biografia. O presidente vai cair. Mais dois meses, ele vai estar no chão. O Supremo vai fazer isso…”. Aí, eu disse: “João, você está louco? Vai governar São Paulo, rapaz. Deixa de ser maluco”.

Houve um movimento real para desestabilizar o governo?

Houve, sim, um movimento para desestabilizar o governo. Não é mais ou menos, não. Tinha cronograma. Em sessenta dias iriam fazer o impeachment. Tinha gente da Justiça, tinha o Rodrigo Maia, tinha governadores envolvidos. O Doria ligou para mim e disse assim: “Paulo, é a chance de salvar a sua biografia. Esse governo não vai durar mais de sessenta dias. Faz um favor? Se salva”.

E o que o senhor fez depois? 

Liguei para cada um dos ministros do Supremo para tentar entender o que estava acontecendo. Conseguimos desmontar o conflito ouvindo cada um deles. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, sugeriu que o governo deveria dar um sinal, caso estivesse realmente interessado em pacificar as relações. A demissão do Weintraub foi uma sinalização. Liguei também para o ministro Barroso e para o ministro Fux.

A democracia esteve em algum momento em risco?

Não, jamais. Mas teve um momento de muita tensão, quando o Supremo sinalizou que podia apreender os telefones do presidente da República. Me lembro que teve uma reunião de ministros e o Weintraub chamando para o pau. O presidente chegou lá bufando: “Fala aí, Abraham, fala aí, Abraham”. Aí o Abraham:  “Quero saber quem está comigo. Eu vou partir para cima do Supremo, e o Supremo vai querer me prender. Antes de ele me prender, vou fazer uma passeata e partir para cima do Supremo e quero saber qual ministro está comigo e quem está com os traidores”. Nessa hora, eu interferi. Disse que estávamos caindo numa armadilha, que o script já estava montado, que aquilo era inapropriado. Os generais presentes me apoiaram. Sugeri ao presidente mandar o Weintraub para o Banco Mundial, em junho. A partir daí, as coisas se acalmaram entre o governo e o STF.

Recentemente, o ministro Edson Fachin, do Supremo, suspendeu a isenção de imposto para importação de armas. 

Eu baixei o imposto sobre armas. Desde que o presidente tomou posse, ele está pedindo isso. Aí vem o ministro do Supremo e diz que não pode. É um absurdo. Quem controla as tarifas somos nós. O povo brasileiro votou no plebiscito que quer ter arma. Aí vem o juiz do Supremo e diz que não posso baixar a tarifa de importação de arma. Isso é um caso absurdo de interferência. Isso está errado. Tarifa de importação quem bota sou eu. Não preciso nem do Congresso para fixar a tarifa.

Por que isso acontece? 

Antes, democracia era o que a esquerda quisesse fazer. De repente, chega um cara que fala assim: “Deus acima de tudo. Sou contra o aborto…”. Ele tem direito a essa opinião dele. Quem ganhou eleição tenta aprovar a sua pauta. Quem perdeu se candidata em 2022 e muda a pauta na próxima. Encaro isso como normal. Mas há pessoas que encaram como uma guerra. E essa guerra precisa acabar.

Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718