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Economia

Economia mundial corre risco de desintegração

Guerra, pandemia e protecionismo reverteram o processo de globalização do comércio internacional

23/09/2023 07h05

Foto: Divulgação 

O fenômeno da globalização entrou em estado de hibernação desde que a pandemia, a guerra na Ucrânia e o aumento das tensões comerciais e militares entre Estados Unidos e China tomaram conta do noticiário internacional. E isso pode custar muito caro para o PIB global, segundo a Organização Mundial do Comercio (OMC). Um estudo divulgado pela entidade mostra que o custo da fragmentação em blocos do sistema comercial pode reduzir em 5% a renda real em nível mundial.

Os países em desenvolvimento, e com economias dependentes das exportações, podem sofrer perdas de dois dígitos, segundo a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala. “A fragmentação do mundo e o aumento das incertezas devem levar ao aumento da exclusão socioeconômica e ao aguçamento da deterioração do meio ambiente”, afirmou. “O argumento em favor do fortalecimento do sistema comercial é muito mais forte do que o que propõe abandoná-lo.”

Parte dessa desunião do comércio global se explica pelo aumento do protecionismo e do fortalecimento das cadeias internas de produção desde a covid-19.

O desabastecimento de itens essenciais — desde vacina e máscaras até equipamentos médicos — despertaram muitos países a rever a política de terceirização da produção. Fábricas chinesas que antes abasteciam o mundo todo foram substituídas por microprodução local, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.

Esse fenômeno, no entanto, precisa encontrar um novo equilíbrio, segundo a OMC, que apela para que governos busquem uma cooperação internacional maior e uma integração econômica mais ampla — processo que a organização define como “reglobalização”.

“A globalização está em uma encruzilhada e precisamos refletir sobre para onde vamos”, disse o economista-chefe da OMC, Ralph Ossa, baseado em Genebra.

“As várias crises têm levado à percepção de que a globalização nos expõe a maiores riscos.” Ossa afirmou que as autoridades deveriam “aceitar o comércio com entusiasmo em vez de rejeitá-lo, se quisermos superar os desafios do nosso tempo”.

Outro argumento para o aumento da fragmentação do comércio global, na análise da OMC, é a escalada das preocupações com a segurança nacional.

Como grande parte do fluxo internacional tem substituído produtos por serviços e equipamentos de tecnologia, há um temor de que a abertura de fronteiras gere exposição de dados e informações estratégicas, como é o caso das restrições impostas pelos Estados Unidos a chinesa Huawei ou a incorporação de tecnologia 5G.

“As questões envolvendo segurança dos países já não se limitam a questões de conflitos militares, mas ganharam um espectro mais ampla de segurança econômica”, disse a OMC, no relatório. “Por isso, a segurança hoje envolve também a política comercial de forma muito extensiva.”

Nesse contexto, a OMC correlaciona a paz e o aumento do comércio global. Pelas projeções do relatório, se Estados Unidos e China dobrassem o comércio entre eles, as possibilidades de conflito cairiam mais de 20%. “As tensões comerciais afetam a composição dos fluxos comerciais bilaterais, principalmente no caso de categorias de produtos sensíveis, como semicondutores.”

Perspectiva

A processo de fragmentação e isolamento do comércio global deve perdurar, segundo Eduardo Felipe Matias, autor do livro A Humanidade e suas Fronteiras e doutor em direito internacional pela USP.

Ele diz que a crise sanitária e conflitos armados fortaleceu discursos de políticos populistas, com forte teor nacionalista, invertendo a percepção mundial pré-pandemia de que o comércio global era a saída para o crescimento econômico.

“Há algum tempo o desemprego gerado em alguns setores pela redistribuição da produção mundial vem gerando uma perigosa ascensão de políticos xenófobos e protecionistas ao redor do mundo”, disse Matias. “Tudo isso deve seguir trazendo turbulências ao comércio internacional por um período.”

A invasão russa à Ucrânia, que caminha para completar dois anos em fevereiro, um tempo longo o bastante para fortalecer a ideia de que os países não podem depender de nações que não controla.

Com os embargos do Ocidente — em especial os membros da Otan — ao governo de Vladimir Putin a nacionalização de produtos essenciais já acontece na Alemanha e no Reino Unido para produção de gás natural.

E no cone sul o Brasil também começou a produzir fertilizante para suprir a baixa oferta e aumento dos preços.

Para Denis Medina, professor da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP), diante de um mundo mais fragmentado, desbravar novas fronteiras no comércio internacional será uma tarefa cada vez mais trabalhosa e exigirá mais mesa de negociação de acordo e menos nacionalismo irracional.

Fonte: Isto É Dinheiro