26/06/2024 06h07
Foto: Ricardo Stuckert - PR
Difícil escolher uma métrica adequada ou encontrar uma única palavra para descrever a tragédia gaúcha dos últimos mêses. Das dores, dos dramas humanos (mais de 150 mortes e cerca de 600 mil desalojados) temos conhecimento pelas centenas; milhares de reportagens, muitas ao vivo e de campo, veiculadas desde o final de abril passado por rádio, TV, mídia impressa e internet. Já com o paulatino baixar das águas vamos, aos poucos, tendo uma visão mais clara dos prejuízos materiais, empresariais, ambientais e urbanos que, com tristeza, mas muito provavelmente, superarão as mais pessimistas estimativas.
Para além das especulações e mútuas acusações, típicas desses tempos de Fla X Flu político (anabolizado pelas eleições municipais que se aproximam), o IDELT promoveu um “6 ½ em debate” dia 15/MAI passado, como o faz sobre temas relevantes há 17 anos: excelente e esclarecedora roda de conversa, horizontal, com participantes bem-informados, de gerações, formações e experiências diversas. Em comum, porém, a busca de entendimento do complexo quadro e, principalmente, o interesse em encontrar caminhos para lidar com tais situações; mesmo porque, infelizmente, essa não é nem exceção nem exclusividade do Rio Grande do Sul.
Uma curiosidade: quando o evento se iniciava, as águas do Guaíba estavam 2,13 m (algo como a altura de uma porta) acima do nível de inundação de Porto Alegre (3,00 m); e 22 cm (um palmo) abaixo do (novo) recorde de 5,35 m (5/MAI/2024, às 5h30)!
Praticamente não foi objeto de discussão no evento o fenômeno de elevação média das temperaturas no Planeta nas últimas décadas; uma evidência. Da mesma forma a existência e aumento de frequência e intensidade dos chamados “eventos extremos” (secas e inundações, em particular; mas também terremotos, furações e vulcões).
Aliás, o quadro gaúcho o exemplifica: ora falta de água (o Estado vinha de 3 anos de secas), ora excesso, como agora:
Assim, a discussão no “6 ½ em debate” acabou centrada:
Causas; e causas de causas:
Na busca de entender as relações causais, e no espaço de um artigo, os dados, informações, ponderações e posicionamentos dos participantes poderiam ser sistematizados em 4 principais grupos afins (não mutuamente excludentes):
Muito possivelmente essa síntese também reflita discussões de outros fóruns que se debruçam sobre os chamados “eventos extremos”, em geral.
Rio Grande do Sul - 2024:
Já no caso concreto, pelos dados, informações e análises preliminares, tudo indica que a tragédia gaúcha poderia ter sido de menores proporções se, por um lado, manutenções e operações de sistemas de prevenção/defesa estivessem com planos de manutenção em ordem, se tivessem sido operados adequadamente; e, por outro, se planos/projetos, alguns muito detalhados, outros até com licença ambiental expedida, tivessem sido executados: muito triste; inaceitável!
No tocante a planejamento, p.ex:
Esse são só exemplos: certamente muitos outros planos e projetos, nos diferentes níveis de governo, foram elaborados nas últimas décadas. A pergunta, pois, se torna inevitável: quanto deles foi efetivamente implementado? E o foram como projetados? Se tivessem sido, o que e quanto poderia ter sido evitado. Particularmente em relação a Porto Alegre, a inundação teria alcançados as proporções que alcançou?
Sobre este ponto, e já no tocante às infraestruturas e sistemas existentes, algo parece estar ficando claro: se o sistema de 68 km de defesa/proteção de Porto Alegre (apesar de não ser uma unanimidade), tivesse funcionado como previsto, a cidade poderia ter tido um alagamento aqui outro ali (fruto das chuvas locais), mas dificilmente teria sido inundada como foi: a Holanda é benchmarking a respeito!
Mais especificamente, o dramático quadro só ocorreu, conforme do noticiário já é possivel depreender: i) porque sua manutenção não vem sendo feita adequadamente: contato ferro-com-ferro, sem vedação, claro, não é próprio para conter a água; ii) A capacidade de drenagem foi comprometida porque muitas bombas não entraram em operação e, muitas que entraram, foram paralisadas por falta de geração própria; iii) Apesar de serem projetadas para níveis de água de 6 metros, uma das 14 comportas foi rompida com 4,5 m.
Em síntese: há visões plurais em relação às relações causais. Mas, no tocante às ações preventivas (como desassoreamento), contingentes e mitigadoras, as evidências apontam no sentido de haver, há algum tempo, um déficit de planejamento, execução e governança. De “law enforcement” (cumprimento de leis, normas e planos) também.
Ou seja, contrariando as lições de Gilmar dos Santos Neves, nosso goleiro nas Copas do Mundo de 1958 e 1962, bolas não tão difíceis, algumas até fáceis parece estarem entrando no gol; lição inspiradora e essencial para o esforço de reconstrução do Rio Grande do Sul que se inicia.
Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
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