01/09/2020 08h37
Foto: Infraero - Divulgação
Em meio a um cenário de retração da aviação civil em todo o mundo devido à pandemia do novo coronavírus, o governo brasileiro trabalha para lançar o edital da 6ª rodada de concessão de aeroportos ainda neste ano, com previsão de leilão até março de 2021.
O governo revisou para baixo exigências de outorga mínima, requisitos para a participação no edital e projeções de demanda para tentar atrair interessados. No mercado, as modificações são tidas como positivas, mas o momento ainda é visto como incerto por grandes operadores.
Ao todo serão 22 aeroportos divididos em três grandes blocos regionais (Sul, Norte e Central) que serão transferidos à iniciativa privada por 30 anos.
As minutas dos editais já haviam sido submetidas a consulta pública e estavam no Tribunal de Contas da União (TCU) quando o governo revisou os projetos, que passaram por uma nova fase de consulta pública e devem voltar ao TCU.
O segmento aeroportuário foi globalmente afetado pela forte retração da demanda por voos, que chegou a cair 90% nos meses mais agudos da pandemia. O nível da gradual retomada do setor ainda é uma incerteza, mas as estimativas são de que voos internacionais só devem chegar ao nível pré-pandemia em quatro anos.
Grandes de fora
A realização do leilão de privatização de ativos neste cenário deve reduzir o número de interessados nos projetos e, consequentemente, as outorgas a serem pagas.
O advogado Luís Antônio de Sousa, especializado no setor de concessões, diz que dificilmente grandes fundos internacionais entrariam na disputa pelos ativos agora porque, em geral, sua lógica de investimento visa a retorno financeiro antes do fim da concessão, em até oito anos.
— A pandemia comprometeu muito o apetite em se desenvolver novos aeroportos, no nível de se repensar a indústria como um todo. Não se sabe ao certo quantos anos vai demorar a retomada da demanda — diz ele.
Para Souza, o leilão dificilmente atrairá um novo operador internacional para o país. A disputa, hoje, ficaria entre quem já atua no Brasil e ainda tem fôlego financeiro.
— Os grandes operadores europeus que já atuam no país têm recursos para investimento em longo prazo, mas é preciso que o contrato pare em pé — afirma.
Um consultor que assessora o setor afirma que grandes fundos e operadores têm visto com receio a pressa do governo em publicar o edital ainda neste ano. Por outro lado, operadores menores, como a Socicam, já manifestaram interesse pelo projeto.
—Investimentos em infraestrutura dão retornos no longo prazo, e isso é sabido. Ainda assim, há algum risco de se lançar uma nova rodada de aeroportos em meio às incertezas do setor porque a demanda de investimentos no início é significativa— diz João Paulo Pessoa, do Toledo Marchetti.
Os investimentos exigidos nos aeroportos, que antes eram de R$ 6,9 bilhões, passaram a R$ 6,1 bilhões.
Dos três blocos, o mais atraente é o da região Sul, que inclui aeroportos considerados mais rentáveis, como os de Curitiba, Foz do Iguaçu e Navegantes. O valor da outorga fixa (que deve ser paga pelo concessionário no início do contrato) desse bloco baixou de R$ 516,3 milhões para R$ 133,5 milhões.
O bloco Norte tem Manaus, aeroporto que tem alta demanda por transporte de cargas devido à Zona Franca, e é atrativo hoje. Mudanças tributárias em discussão, no entanto, podem acabar reduzindo a demanda do aeroporto.
— Foi incluído um dispositivo que divide o risco de demanda. Se depois do 5º ano houver demanda menor que a prevista, haverá compensação na outorga variável — diz Rodrigo Campos, sócio do escritório Porto Lauand.
Fundos e ‘family offices’
Para ele, a retirada da exigência de que ao menos um operador aeroportuário com experiência comprovada participe do consórcio como sócio também pode atrair grupos médios.
O secretário nacional de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, avalia que, embora o setor aéreo tenha sido afetado pela pandemia, esse impacto não terá efeitos no longo prazo, e está contemplado na revisão que o governo fez dos estudos de viabilidade e nas projeções de demanda. A expectativa do governo é que operadores internacionais participem da concorrência.
—Temos conversado com grupos internacionais, e há interesse tanto de grupos que já atuam no Brasil como de empresas que já operam no exterior, mas não no país.
Glanzmann diz que fundos e mesmo family offices (que administram fortunas familiares) também devem ter interesse pelos editais.
—Esta rodada é a última oportunidade para entrantes que desejam se cacifar para disputar as concessões de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), que serão em 2022.
Fonte: O Globo