30/12/2023 09h50
Foto: Agência Brasil
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou novas medidas econômicas para tentar aumentar a arrecadação do governo no ano que vem. O objetivo é viabilizar o compromisso de atingir a meta fiscal de déficit zero em 2024.
São três propostas incluídas em uma Medida Provisória, publicada na sexta-feira (29), com validade imediata.
Entenda as medidas anunciadas:
1. Limite para compensação de impostos
O governo pretende limitar a 30% (em média) o valor anual que as empresas podem abater de impostos após obterem decisões judiciais que garantem uma compensação por valores pagos a mais em anos anteriores. A medida valerá apenas para companhias que possuem créditos acima de R$ 10 milhões. Afetaria, portanto, grandes empresas.
“A empresa vai poder continuar a compensar, mas será limitada a um determinado percentual, para que a Receita possa planejar o resultado primário do ano com alguma garantia de que as suas projeções vão se confirmar”, disse Haddad.
Segundo o ministro, só em 2023, as compensações tiveram impacto acima de R$ 60 bilhões na arrecadação. Haddad destacou que é preciso ter previsibilidade na execução orçamentária e, por isso, é importante aprovar as medidas anunciadas.
O secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, estima um impacto positivo na receita do governo próximo de R$ 20 bilhões (de fluxo a mais) para o ano que vem. A ideia é limitar a compensação sobre crédito proveniente de qualquer decisão judicial, mas a Receita estima que 90% das compensações são referentes a créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, a chamada tese do século.
Atualmente, esse tipo de compensação não tem limites e empresas com créditos podem abater impostos sem o controle da Receita. Na prática, com a medida, o governo federal quer limitar os efeitos das decisões judiciais no ano e ter uma espécie de calendário para que as compensações sejam feitas.
“O que estamos pretendendo fazer é que uma empresa que tem R$ 1 bilhão de crédito, por exemplo, vai poder compensar esse valor ao longo de, no máximo, 5 anos. A empresa que tem R$ 10 milhões nós vamos encurtar o tempo, ou compensa de uma vez no primeiro ano ou de duas vezes. Então vai haver uma escadinha”, disse o secretário da Receita.
2. Alívio para o setor de eventos
O governo também quer mudar o Perse, programa de incentivos ao setor de eventos criado na pandemia e que no ano passado foi renovado por cinco anos, até 2026. O impacto negativo para as contas públicas, segundo o Ministério da Fazenda, ficou em mais de R$ 16 bilhões em 2023, valor bem acima do que foi previsto quando o programa foi originalmente aprovado.
Diferentemente das outras medidas anunciadas hoje por Haddad, a mudança na tributação do setor de eventos só deve passar a valer a partir de março, pelo princípio da noventena — que prevê a cobrança de imposto apenas após 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.
“A projeção era de uma renúncia de R$ 4 bilhões ao ano. Acontece que estamos fechando o ano com mais de R$ 16 bilhões (em 2023). Isso sem contar o que não foi informado”, disse Haddad.
Com a mudança, alguns tributos já voltariam a ser exigidos do setor em maio de 2024, com a retomada plena da cobrança em 2025. A estimativa da Fazenda é que a revisão do programa deve garantir um ganho de receita na casa de R$ 6 bilhões no ano que vem.
3. Tributação na folha de pagamentos
Após a desoneração na folha de pagamentos sobre os 17 setores que mais empregam ter sido prorrogada pelo Congresso Nacional até 2027, Haddad afirmou que a MP vai prever uma reoneração gradual da folha. A ideia é que seja feita aos poucos, com alíquotas diferenciadas por setor a partir do ano que vem:
“Estamos encaminhando ao Congresso uma reoneração gradual, está sendo analisado setor a setor, e vão ter oportunidade depois de conhecer o texto. Reoneração gradual, não necessariamente volta 20% da cota patronal, pode ficar abaixo disso e ficará abaixo em alguns casos”, disse Haddad.
Atualmente, a desoneração da folha de pagamento permite que 17 setores intensivos em mão de obra no país paguem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% de imposto sobre a folha de salários. Entre eles: têxtil, calçados, construção civil, call center, comunicação, empresas de construção civil, fabricação de veículos, tecnologia e transportes.
Apesar de Haddad ter mencionado “isenção” para o salário mínimo, ela será parcial. A Fazenda fez uma classificação de dois grupos, que ainda será detalhada. O primeiro grupo terá a alíquota de 10% sobre os salários mínimos e 20% sobre o valor superior a isso. O segundo será de 15% sobre os salários mínimos e 20% sobre o que passar disso.
“É isenção parcial ou redução de alíquota. Quem ganha R$ 2 mil por exemplo: R$ 1.320 será 10% e R$ 680 terá 20% se tributação na folha”, explicou Barreirinhas.
A separação feita em dois grupos seguiu a chamada Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), e ainda será divulgada quais segmentos estão em cada grupo. A ideia geral foi colocar no primeiro grupo as empresas mais beneficiadas pela desoneração da folha e no segundo as que atualmente pouco beneficiadas nesse sistema.
“São 17 classes de CNAEs (primeiro grupo) que tem um benefício maior, uma alíquota de 10% na primeira faixa. E 25 classes (segundo grupo) que tem uma alíquota de 15% na faixa de um salário mínimo. Quem está sendo beneficiado é a faixa de um salário mínimo”, afirmou o secretário.
Para entrar na nova regra, contudo, empresas terão que cumprir uma contrapartida estabelecida pelo governo e manter a quantidade de empregados em número igual ou superior ao verificado em 1º de janeiro de cada ano.
Segundo Haddad, essa proposta para os 17 setores deve ser uma espécie de teste nas mudanças que o governo planeja apresentar para a tributação da renda e do capital. Após a aprovação da primeira etapa da Reforma Tributária pelo Congresso - que tratou dos tributos sobre consumo - há a previsão, que consta nesta emenda constitucional, de mudar também as regras dos impostos sobre rendimentos.
Haddad disse que ainda vai analisar separadamente uma proposta para revisar a desoneração da folha de municípios. Durante a tramitação da proposta no Congresso, foi inserida a redução de alíquotas (de 20% para 8%) na contribuição previdenciária para cidades com menos de 156 mil habitantes.
“A parte dos municípios vamos analisar separado. Ali não tinha nem análise de impacto. Vamos fazer conta”, afirmou ele.
O ministro, mais uma vez, sinalizou que o governo não vai buscar o equilíbrio das contas pública via corte de despesas, mas continuará revendo isenção fiscal para aumentar a arrecadação federal:
“Nosso esforço continua no sentido de equilibrar as contas públicas por meio da redução do gasto tributário, (que subiu) de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para 6%”, disse Haddad. “Tudo vai depender das conversas, as pessoas vão lá fazer pressão setorial, nós vamos explicar, quem vai ganhar esse debate, eu não sei. O que eu observado da parte do Congresso é muita sensibilidade para os argumentos que estão sendo apresentados pela Fazenda (ao longo do ano)”, complementa o ministro.
As medidas anunciadas, segundo os integrantes da Fazenda, não garantem uma receita extra, mas evitam o desequilíbrio das contas públicas em 2024.
A pasta vê rombo de até R$ 12 bilhões no orçamento do ano que vem a partir da decisão do Congresso sobre a desoneração dos 17 setores, sem contar a redução de alíquota para os municípios.
Esse montante (R$ 12 bi de impacto negativo) é reduzido para R$ 6 bilhões com a medida alternativa à desoneração da folha, apresentada nesta quinta-feira pela Fazenda. Em paralelo, é previsto ganho de R$ 6 bilhões com as mudanças no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
“A gente substituiu isso (R$ 12 bilhões) por algo de R$ 6 bilhões, que é compensado pelo Perse em R$ 6 bilhões. Fica zero a zero”, declarou Barreirinhas.
Assim, com a MP, a partir de 1° de janeiro os 17 setores voltam a ser reonerados de forma gradual, na contramão da decisão do Legislativo. Haddad disse, porém, que a medida não representa uma "afronta" ao Congresso Nacional, apesar de os parlamentares terem derrubado um veto justamente na direção contrária.
O Congresso precisa aprovar o texto no prazo de até quatro meses, caso contrário, após esse período, a MP expira e volta a valer a desoneração prorrogada pelo Congresso até 2027.
Fonte: O Globo