26/03/2020 11h30
Foto: Divulgação
“É a partilha da alegria, não do sofrimento, o que faz o amigo”. Nietzsche
Ao contrário do ódio que os ataques às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, disseminaram pelo mundo nas duas últimas décadas, que as lições que advirão da pandemia de coronavirus nos ensine que é possível resgatar em nós a humanidade que ainda nos resta e torná-la um bem-comum, universal como sempre deveria ter sido. Aliás, o melhor remédio para enfrentar a crise de saúde pública mundial é, exatamente, a nossa capacidade de sermos humanos. É a nossa humanidade, num misto de fraternidade e amor, que abrirá, como Moisés, as águas da intolerância, do arrivismo, dos privilégios e de todos os substantivos que nos classificam, num gradiente injusto e macabro, de superiores a inferiores. Porém, ainda é cedo para crer em milagres.
As cenas da ganância traduzida nas prateleiras vazias dos supermercados, a criminosa disparada nos preços de produtos que deveriam ser gratuitos, como álcool-gel, máscaras e luvas, a inaptidão das autoridades para a tomada de decisões na crise, as aglomerações suicidas nas praias, shoppings e manifestações e a crença de que operários, escriturários e atletas são imunes e devem animar o circo, insinuam que o aprendizado, se não houver mudança no comportamento da sociedade, trará lamentações no futuro. Os jornais lembram que Rússia e Coreia estão com baixa contaminação do vírus porque não titubearam em proibir a circulação de pessoas. O que nos impede de fazer o mesmo? As autoridades públicas, os líderes empresariais ou a mão invisível do livre-mercado que, segundo o humor popular, não usa álcool-gel e, por isso, seria o mal de tudo?
Conheço idosos que não saem mais da frente da tevê na esperança de ver o Corona domado. Choramingam quando nos vê e se comportam como se estivessem despedindo-se. Leio colegas nas redes sociais, a maioria de vozes potentes e ativos em todos os desafios políticos, mostrando alguma fragilidade. Eles que serão tão necessários na garantia da democracia. Eu mesmo, que, de uma hora para outra, tornei-me alvo por ser diabético e hipertenso, tenho tido pesadelos. Mulher e filho não me querem mais na rua. Estou de quarentena! Ouço médicos desejando ser leigos. É uma sombra sobre o futuro. Tudo parece inútil. E quando inúteis com o poder da caneta nas mãos minimizam a virulência que isso causa no emocional das pessoas, a sensação é de que o mundo vai acabar. De que o planeta virou um Titanic.
Mas não é esse o caminho da nossa história, que está apenas começando. Para o brasileiro, filho de um país que Deus livrou de terremotos, vulcões e tempestades, será talvez sua maior prova de sobrevivência. Prova a nos obrigar a caminhar juntos. Como outros povos já fizeram em guerras e tragédias naturais. E sobreviveram. Não é mais hora de praia. E nem de prestar continência a quem nos quer como bucha de canhão. É hora de nos reinventarmos à moda de Nietzsche: humano, demasiado humano. No ataque de 11 de setembro, mais de 12 mil pessoas tinham apenas 102 minutos para sobreviver. Infelizmente 2.749 não conseguiram. Mas pela brutalidade do atentado, o resultado pode ser considerado um milagre.
A onda de coisas ruins, que lembra pragas a nos castigar, vai passar. É a única certeza que devemos ter. E essa será a última. A penúltima já está caindo. Vamos nos condoer pelos irmãos chineses, italianos, iranianos e todos os irmãos que estão nessa viagem. E, quando chegar a nossa vez, vamos fazer o melhor. Melhor que eles, que já nos mostraram o que foi feito de certo ou errado. É para acreditar. Para afastar o baixo astral. Nada de tristeza. O primeiro passo é ficar em casa, isolado, em atividade. Cante, leia, pinte, veja filmes, descanse, cuide do jardim, invente. O segundo é ajudar quem precisa, sempre, sobretudo idosos e necessitados. Terceiro: altivez, concentração e força mental. E quarto, respirar fundo, quantas vezes quiser, quando pensamentos ruins ameaçarem desviá-lo do objetivo: sobreviver. Um conjunto que garante a imunidade alta, muro de aço contra o vírus. O bom humor salva!
Cláudio Pimentel é jornalista
Artigo publicado no jornal Tribuna da Bahia