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Entrevista

Maersk amplia plano de diversificação de negócios

“Não somos mais só uma empresa marítima”, diz Karin Schöner, presidente da companhia na Costa Leste da América do Sul

21/04/2023 21h05

Foto: Divulgação 

Dobrar de tamanho num intervalo de dois anos é feito excepcional no mundo corporativo. Imagine, então, em uma empresa gigante, bilionária e centenária? Foi o que aconteceu com a Maersk, companhia dinamarquesa de logística, que completou 119 anos dia 16 de abril. Em 2020, o faturamento atingiu US$ 39,7 bilhões. Em 2021, US$ 61,7 bilhões. No ano passado, foram US$ 81,5 bilhões, aumento de 105% em 24 meses. Aqui é preciso fazer uma ponderação. Com a pandemia, houve fechamento de fronteiras, o acesso a alguns países ficou prejudicado durante meses, houve cancelamento de rotas, gargalos nos portos e escassez de produtos. Mas não foi apenas a majoração da cobrança por entregas que fez a Maersk navegar em uma corrente a favor. Há cinco anos a companhia iniciou um plano de diversificação de negócios. “Não somos mais só uma empresa marítima. A Maersk expandiu”, afirmou à DINHEIRO Karin Schöner, presidente da companhia na Costa Leste da América do Sul.

O plano desenhado em 2018 tem sido colocado à prova. Principalmente agora, quando há previsão de mar revolto pela frente, com os custos dos fretes em queda — ainda superiores ao período pré-pandêmico — e concorrência acirrada nas remessas de contêineres marítimos. A suíça Mediterranean Shipping Company divide o topo desse mercado com a Maersk. Segundo dados da Statista, ambas têm cerca de 17% de share, com ligeira vantagem para a rival.

Mas é justamente na diversificação de portfólio de serviços da Maersk que as estratégias ficam distintas. Enquanto a MSC adquire mais navios de carga, a dinamarquesa observa linhas de negócios complementares, investindo na aquisição de caminhões, aviões e terrenos para disponibilizar armazéns e centros de distribuição aos seus 100 mil clientes globais — 6 mil deles brasileiros — e atendê-los de ponta a ponta. “A Maersk está em uma grande jornada de transformação e vai transformar o mercado junto”, disse Karin, ao destacar que o Brasil está no centro dessa expansão, com R$ 4 bilhões de investimentos até 2025.

A executiva foi escolhida há um ano pela Maersk para cuidar dos negócios da empresa no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Seu perfil versátil agradou a sede dinamarquesa. Nascida no bairro paulistano Alto da Boa Vista, é filha de mãe suíça e pai alemão, que se conheceram na década de 1950, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Lilly Schöner era uma top model e veio ao Brasil posar de maiô para um ensaio fotográfico na praia de Ipanema. Devido aos pudores da época, a sessão precisou ser transferida para o hotel. Lá estava hospedado Egon Otto Daniel Schöner, um industrial que viera fazer a vida em solo brasileiro após fugir da Alemanha na Segunda Guerra. Casaram-se e da relação nasceu Karin, que estudou em uma escola suíça em São Paulo, onde também aprendeu a falar francês. Fez curso de administração na Universidade de Colônia, na Alemanha. Aprendeu outras quatro línguas e, já poliglota, viveu e trabalhou em diferentes países, atuando em empresas de aviação e logística como Lufthansa Cargo, KLM Cargo, Kuehne+Nagel, Panalpina e Geodis Wilson. Até chegar à Maersk em abril de 2022 com a missão de desenvolver os negócios da companhia em uma região promissora. “Estamos montando juntos, a empresa e eu, essa jornada”, disse.

Nesses 12 meses, muito trabalho, o que fez a presidente deixar de lado uma de suas paixões: competição de adestramento de cavalos. Voltou a montar no sábado (15), em campeonato da Federação Paulista de Hipismo, na categoria de saltos de 90cm. Esses saltos são para Karin descomprimir das complexas questões relacionadas à Maersk. Na companhia, ela está interessada em superar outros obstáculos. As prioridades são a qualidade e eficiência no atendimento aos clientes, que levam a vendas contínuas. Dos US$ 81,5 bilhões de receita global no ano passado, US$ 64,3 bilhões foram na linha de negócio marítimo da empresa. E 30% dessa fatia (US$ 19 bilhões) foram gerados na operação da Costa Leste da América do Sul, com destaque para o Brasil, protagonista na região.

Por aqui, os 6 mil clientes são atendidos por 46 navios que fazem fretes internacionais para exportação e importação. Outros nove são responsáveis pela cabotagem (entre portos brasileiros), de sul a norte. Mas nem só de remessa marítima é feita a Maersk. Seus 165 caminhões próprios escoam as entregas para o interior do País. Além dos slots que a empresa opera nos aeroportos brasileiros em oito aviões Boeing 777 cargueiros de uso global e que são utilizados por aqui desde o ano passado, quando esse serviço foi iniciado pela recém-criada Maersk Air Cargo. “Temos uma importante indústria automobilística no Brasil que usa nossos serviços aéreos”, afirmou Karin. Para gerir tudo isso, a empresa possui 20 escritórios espalhados pelo território nacional, com 2 mil colaboradores em todas as frentes, além de duas subsidiárias no bojo Maersk (Aliança Navegação e Logística e Maersk Supply Chain Apoio Marítimo), uma associada (Itapoá Terminais Portuários, com 30% sendo dos dinamarqueses) e uma joint venture (Brasil Terminal Portuário). “E estamos aumentando nosso time”, disse a executiva, ao apontar os investimentos que estão sendo feitos principalmente em terra firme.

Desde o ano passado, dois armazéns foram colocados em funcionamento no Brasil: um em Cabo de Santo Agostinho, (PE), próximo ao Porto de Suape, e um em Cajamar, cidade na região metropolitana de São Paulo. Está nos planos da empresa mais uma área para esse serviço, que deve entrar em operação ainda neste ano. No mundo, com as aquisições anunciadas da Pilot Freight Services e da LF Logistics, foram adicionados 198 armazéns (3,1 milhões de metros quadrados) administrados pela Maersk. No total, são 452 plantas do tipo, com 7,1 milhões de metros quadrados.

A partir desses locais, a Maersk oferece espaço para clientes que desejam estocar seus produtos por um período para posterior despacho a varejistas, serviço que também é feito pela companhia. “Podemos trabalhar com contêiner inteiro ou carga fracionada. É mais cômodo para o cliente, pois a carga fica sob nosso cuidado o tempo todo”, disse Karin. “Temos todo o controle.” Esses serviços logísticos de desembaraço são responsáveis por 17,6% (US$ 14,4 bilhões) da receita global da Maersk.

É nesse nicho que a empresa vê seu futuro para aumentar o faturamento, diante da previsão de queda no valor e na quantidade de fretes marítimos daqui para frente, com a estabilização da cadeia global. “Estamos balanceando as receitas. Vamos continuar crescendo na logística e nos serviços”, afirmou a presidente.

A estratégia da Maersk, como é natural, divide especialistas. Eneas Zamboni, CEO da UX Group, hub de soluções de tecnologia, operação e serviços logísticos, diz que existe uma tendência do B2B virar B2C. “Percebemos que essas empresas estão aproximando o fabricante e o lojista do exterior ao consumidor final do Brasil”, disse. “A estrutura montada pela Maersk é importante para absorver essa demanda.” Helmuth Hofstatter, CEO da Logcomex, plataforma de soluções supply chain, corrobora. “Apostar na diversificação do negócio, por meio da integração da cadeia e em momentos de baixa no frete, como agora, para ter outras receitas parece ser uma estratégia acertada.” No lado oposto está Arnaldo Spinelli, diretor da BRX Cargo, especializada no transporte internacional de cargas. Ele enxerga um problema. “Entendemos que a estratégia da Maersk vai na contramão dos moldes tradicionais do mercado, na tentativa de dissolver algumas classes importantes, como agentes e brokers.” É o tal do mercado.

Independentemente das opiniões, o plano parece ter sido a escolha certa. A consultoria Gartner colocou a Maersk como líder no quadrante mágico em 2022 para serviços de logística terceirizada. A companhia dinamarquesa, é claro, ressaltou o apontamento. “Esse reconhecimento é uma evidência à jornada rumo à criação logística integrada de ponta a ponta por meio de soluções que são construídas para adicionar resiliência, agilidade e flexibilidade às redes logísticas dos clientes”, publicou em relatório.

Outros aportes que fazem parte do R$ 4 bilhões que estão sendo aplicados no Brasil referem-se a novos guindastes eletrificados que irão diminuir a emissão de CO2, construção de duas barcaças oceânicas e seis rebocadores com combustível verde, implementação de energia elétrica nos motores dos navios de cabotagem — desliga o motor a diesel e aciona o elétrico perto dos portos —, além de 113 novos caminhões e 222 carretas que entrarão na frota. São avanços em operação e na agenda ESG (ambiental, social e de governança), que estão sendo intensificadas a partir da chegada de Vincent Clerc como presidente-executivo global da companhia. Ele assumiu o cargo de CEO em 1º de janeiro.

Fabrício Gonçalves, sócio, fundador e CEO da gestora Box Asset Management, avaliou como correta a estratégia adotada pela Maersk de apresentar soluções aliadas à pauta verde, o que é muito bem visto tanto pelo mercado quanto pelos clientes. “É uma expansão 360º acertada, com foco na sustentabilidade para atingir a meta interna de carbono neutro em 2040”, disse Gonçalves.

Os investimentos não devem parar por aí. “Queremos mais. Temos forte interesse”, disse Karin. Um deles é no Porto de Santos, hoje administrado pela Santos Port Authority, empresa pública vinculada ao governo federal. A proposta de privatização do terminal avançou no governo anterior, de Jair Bolsonaro, e está parada em análise no Tribunal de Contas da União (TCU). O governo Lula, que criou o ministério de Portos e Aeroportos, tem se mostrado contrário à desestatização. Mas Karin é persistente. “Queremos trazer navios maiores para o Brasil. Para isso é preciso ter calado operacional maior [distância entre a linha d’água e o fundo do casco da embarcação, que hoje é de 14 metros e teria de ser de 17 metros], infraestrutura e capacidade”, disse a executiva, ao enfatizar que está em conversas com autoridades que cuidam do assunto. Tudo para a Maersk aportar em terra firme em seus negócios.

Qual vantagem de ser integrador logístico completo?

O cliente hoje trabalha com a gente toda a parte de distribuição e armazenagem. Nossa ideia não é mais vender uma única solução, mas sim amarrar e desenhar várias. Para o cliente é econômico e ele tem uma visibilidade do que está acontecendo com o produto.

O que precisaram desenvolver para isso?

Nós temos de conhecer bem a indústria do cliente e um dos nossos pontos fortes é o approach consultivo. Temos um departamento de suport solutions, com pessoas que vieram do mercado, das indústrias. Eles puxam todas as necessidades dos clientes, suas dores. Assim, começamos a construir novos cenários para os clientes e isso está atraindo novos negócios.

O Brasil é um mar de oportunidades, mas também apresenta desafios. Quais são eles no negócio da Maersk?

O Brasil é um País que tem distâncias muito grandes e a infraestrutura, às vezes, ainda é problemática. Faltam estradas melhores, vemos muitos acidentes, bastante roubo de carga. Insegurança em cima de toda a parte do transporte. Teria de haver uma grande malha ferroviária. Outro ponto são os impostos. Todos nós sabemos que é um caos fazer distribuição aqui. Temos que saber onde faz sentido ter centro de distribuição, onde tem incentivos fiscais… Tem que ter expertise. É muito importante que a gente consiga, literalmente, proporcionar essa segurança.

Os portos são gargalo para o setor?

É um ponto muito importante. Há bastante discussão sobre privatização ou não, mas o fato é que precisamos investir nos portos. A Maersk tem bastante carinho e um interesse muito forte no investimento.

Como seria?

A Maersk quer trazer navios maiores para o Brasil, é mais econômico, é mais green. Mas para isso a gente precisa de um calado operacional maior, infraestrutura, capacidade. Hoje, o Porto de Santos não tem mais capacidade para um navio maior. Precisa de investimento. A gente está de olho, por exemplo, na licitação que está por vir, do STS 10 [área do Cais do Saboó, que promete ampliar, reconfigurar e fomentar a concorrência das operações do porto].

Publicado em Isto É Dinheiro