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Artigo

Mar da Cabotagem

Aluísio de Souza Moreira

15/09/2020 11h02

Foto: Divulgação

Anteriormente ao contêiner, até os anos 60, em todo o Brasil, a carga geral de cabotagem era representada por tambores, amarrados, atados, caixas e sacarias entre outras cargas soltas. Em 1956, destaca-se a movimentação de 1.371.090 t de carga geral de cabotagem que representou 12,7 % da movimentação geral do porto de Santos, de 10.789.363 t .

Posteriormente à movimentação citada, a carga geral de cabotagem, no Porto de Santos, despenca drasticamente. E, a partir dos anos 50, atribui-se a redução do transporte de carga geral pela navegação de cabotagem a chegada das grandes montadoras automotivas e o incremento de rodovias no Brasil, entre outras questões.

O volume movimentado em 1956 só veio a ser superado 48 anos depois, em 2004, com a movimentação de 1.402.675 t. Registra-se que a movimentação de 1956 se limitava a carga geral solta com destino e origem nacional, enquanto que em 2004, grande parte da carga geral da cabotagem, 92%, já se encontrava conteinerizada, 1.288.514 t. Observa-se, ainda, que, nesse ano de 2004, além do peso próprio da carga, compunham a mesma o serviço “feeder” (carga da cabotagem com destino ou origem internacional) e o peso do contêiner com ou sem carga .

Destaca-se, também, o forte crescimento de 2014 (6.709.383 t) que, praticamente, dobrou o realizado em 2013 (3.322.519 t), época de significativo aumento da capacidade do porto com implantação de dois terminais especializados que, conclui-se, apontou que a demanda, nesse segmento, estava reprimida, diferente do longo curso que, inclusive, caiu de 32.819.594 t (2013) para 32.711.060 t (2014).

Por fim, a movimentação de 2019 representou 6,8 % do movimento geral do porto, 134.000.000 t, muito aquém da participação de 12,7% de 1956.

Pela oportunidade de fomento demonstrada pelo Ministério de Infraestrutura, especialmente o PL BR DO MAR, recentemente divulgadas, o propósito deste é explorar as questões dos componentes que participam da movimentação do contêiner transportado pela navegação de cabotagem para contribuir, melhorar, aumentar e consolidar o crescimento dessa carga no Porto de Santos e nos portos brasileiros.

Ressalta-se que o sistema da cabotagem é composto por uma série de subsistemas que, combinados com os componentes representativos, devem estar integrados e interagindo entre si, destacando-se: Demanda, Acessibilidades, Frota, Aduaneiro, Operadores do transporte multimodal e logístico e Portuário . Associada a definição de sistema aplicado, tem-se que a eficiência desse é função da integração entre todos os seus subsistemas e componentes combinados com a capacidade dessas partes, cuja potencialidade deve ser recíproca as solicitações de cada um desses elementos.

Portanto tem-se que a capacidade do sistema, como todo, fica comprometido se um elemento responder de forma fragilizada diante dos outros componentes.

Assim, para indicar sugestões, inicialmente faz-se necessário analisar e, até avaliar, os componentes desse sistema para minimizar seus constrangimentos.

1. Demanda

Em Pespectivas do Crescimento do Transportes por Cabotagem no Brasil (Campos, C. A. e Santos, M. B, IPEA, 2004), considerando os deslocamentos rodoviários de carga superiores à 1.000 km entre regiões costeiras, apontam que a demanda de carga para o transporte de cabotagem pode ser superior a dez vezes o realizado.

Convertendo e correlacionando a importância encontrada com o valor médio da carga do contêiner equivalente de 20’ (1 TEU), do transporte da navegação de cabotagem associado aos dados da movimentação de 1956 do porto de Santos e ao movimento de contêiner vazio, conclui-se que a demanda atual dessa carga aponta volume de até 18,2 Milhões de TEU (²).

Essa estimativa (Codesp-IPEA,2014), associada à movimentação da cabotagem de 2.750.784 TEU (http://web.antaq.gov.br/Anuario/ ,2019, visitado em: 21/02/2019), é convergente com a da, ABAC, ILOS, 2018, cita-se: “Para cada 1 contêiner da cabotagem há 4,8 realmente captáveis”.

Portanto, a atual movimentação de contêiner da navegação de cabotagem nos portos brasileiros está muito aquém das previsões citadas.

2. Acessibilidades

Os componentes desses subsistemas são determinantes e interfaceiam com o subsistema portuário

Esses subsistemas contemplam para a carga geral solta e em contêiner as vias e respectivos modais aquaviário e terrestre.

Nesse último, como é comum para a carga conteinerizada, se destaca o modal rodoviário que, praticamente, tem participação única, superior a 99 % em relação ao movimento geral (510.715 t ferroviária/total do porto 133.159.762 t em 2018, dados da Codesp, 2019).

Com o suporte do Programa Nacional de Dragagem (PND) instituído a partir de 2008 para o sistema portuário, do total de 94 milhões de m³ previstos para serem dragados até 2014, foram executados em 16 sistemas portuários 87 milhões de m³ (resultados apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Hidroviária –INPH- no 13º Fórum Brasil, RJ, 2012).

Portanto, associadas as atuais tecnologias para precisar e aumentar a segurança da navegação, a componente da acessibilidade aquaviária aponta sinais positivos.

Conforme já registrado, a acessibilidade terrestre de contêiner apresenta alta concentração no subsistema rodoviário, a despeito dos estudos de melhorias que apontavam forte disponibilidade da malha ferroviária.

O aumento da capacidade ferroviária, como expansões, melhoria e modernizações da malha requisitada para São Paulo, como o Ferroanel, é indispensável para a transferência gradativa do transporte rodoviário para a navegação de cabotagem.

Não obstante, com exceção do porto de Santos que possui um estudo que aponta a relação demanda/capacidade até 2024 das vias de acessibilidade (Estudo de acessibilidade do Porto de Santos, Codesp-USP, 2009), poucos portos tem domínio e conhecimento desses componentes, especialmente fora do porto.

Porém, estudos macros são frequentemente divulgados por instituições, abordando a fragilidade, também, do componente rodoviário.

Assim, trata-se de um destacado componente que, para atender a expressiva demanda do contêiner para o transporte de cabotagem, solicita ações como estudos da relação demanda/capacidade, em médio e longo prazo, planos viários, obras, melhorias, modernizações, manutenção de vias e reordenações de instalações e outros componentes que poderão ser contemplados nos atuais Planos Mestres e respectivos Programas de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) dos Portos.

3. Frota

Nos gráficos constantes da, então, análise “Raio-x da frota brasileira na navegação de cabotagem, p. 4” (Antaq, 2011), destacavam, em TPB, o crescimento da frota de conteineros da navegação de cabotagem nos últimos anos. Esses dados apontavam crescimento da frota de navios conteineros, o que, efetivamente, ocorreu.

No entanto, a despeito do quase quadruplicado TPB, verifica-se que o porte médio dessas embarcações, entre 2010 e 2018, aumentou 70 %; simples correlação entre TPB e a quantidade de navios no mesmo período.

Esse aumento médio do porte pode limitar parte da frota a poucos portos brasileiros, o que, inclusive, já é mostrado pela alta concentração do contêiner da navegação de cabotagem, mais que 50 % do mercado, nos 3 primeiros portos, e 89 % em 10 terminais.

E, há, ainda, fortes pendências reunidas nas questões de treinamentos e permanências das tripulações, além de impostos sobre o óleo marítimo (“bunker”) que, diferentemente do incentivo à exportação que beneficia a navegação de longo curso, na composição de custos das Empresas Brasileiras de Navegação (EBN) representa 50%.

De acordo com o 1º Seminário da Cabotagem da Antaq (2009), essas questões envolviam, ainda, encargos, imposto de renda e outros tributos.

Esses problemas foram propostos para serem conduzidos ao comitê multimodal do Conit através do, então, Programa ProCabotagem que eram conduzidos pela SEP-MT em 2009.

Recentemente, em maio de 2018, a paralisação nacional dos caminhoneiros apontou oportunidade de migração de carga desse modal para a navegação de cabotagem que, enquanto em Santos, o aumento foi de 7%, no sistema nacional foi de 19 %, refletindo forte crescimento.

4. Aduaneiro

As mercadorias objeto de comércio nacional cuja movimentação ocorra em Recintos alfandegados, “feeder” ou doméstica, estão sujeitas à fiscalização aduaneira.

O sistema aduaneiro, no âmbito da carga do transporte de cabotagem, aborda, através do respectivo Decreto, o armazenamento dessa mercadoria em Recinto Alfandegado, a despeito das possíveis permissões da Autoridade local.

No sistema portuário o armazenamento de contêiner de cabotagem é associado ao de longo curso em função das limitações dos páteos portuários, dos serviços “feeder” e dos custos operacionais.

Em Santos, essa etapa já havia sido resolvida com a celebração da Portaria da Alf/STS N.º 226, de 21/06/2011, retificada em 05/07/2011, que disciplina o controle de contêineres acondicionando cargas nacionais ou nacionalizadas destinadas ao mercado interno, em transporte de cabotagem, nos recintos alfandegados jurisdicionados pela Alfândega da Receita Federal do Brasil do Porto de Santos.

Questões da carga fragmentada, transbordo do serviço “feeder”, entre outras, fazem parte de um rol de procedimentos que, gradativamente, mediante a segurança do controle fiscal, estão compreendidas por programas de celeridades como o Porto sem Papel envolvendo vários Órgãos Reguladores.

5. OTM e Operadores Logístico

A política para atividade desses operadores, especialmente concentrada nos operadores de transporte multimodal (OTM), geraram padrões de procedimentos e melhor garantia para a demanda por transportes, armazenamentos, controles, facilidades e outras operações da carga.

Não obstante, questões de seguro e tributárias, com recorrentes multiplicações, são, ainda, barreiras para a plena aplicação dos serviços desses operadores.

Essa questão estava conduzida pelo, então, Programa ProCabotagem junto ao CONIT em vigor.

6. Portuário

Pela destacada representação na corrente de comércio internacional brasileira -movimento físico de 95 %, e cambial de 80 % (mdic, 2017)-, esse subsistema logístico é o principal polo de transbordo multimodal de carga, notadamente pelo extenso potencial do sistema aquaviário brasileiro para o transporte de mercadorias.

Associado às grandes expansões dos terminais de contêiner no porto, a partir de 2013, o forte crescimento das operações de “transhipment” aponta Santos como o “HUB” da Costa Leste Sul Americana .

De fato, o aumento da oferta de novas “janelas”, favorece as operações dos contêineres de “transhipment” que, em 2013, se aproximam das de origem e destino nacional, e, a partir de 2016, superam, na relação dos movimentos 2017/2016, as demais movimentações de contêiner no Porto .

Com exceção do aumento da oferta de Santos, segmentos de usuários e clientes mantém críticas e citações de obstáculos para a melhoria do transporte da carga de cabotagem

No 1º Seminário da Cabotagem, realizado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviário (Antaq), em 15/08/2009, já apontavam os seguintes problemas portuários que contribuem com a estagnação do transporte de cabotagem:

carência de prioridade e preferência de atracação; ênfase da carga de importação; recorrente cancelamento de escalas; paralisações operacionais; limitações espaciais nos terminais; burocracia; sobretaxa; perda e indisponibilidade de novas janelas operacionais; acessibilidades; custos portuários.

Historicamente, após a aplicação dos objetos constantes na Lei 12.815/2013 –Lei dos portos-, as definições das atracações, coordenações das operações, armazenamento, capatazia, transportes interno, equipamentos, os respectivos custos e processos dessas atividades, até então sob a gestão  das Administrações dos Portos, hoje se concentram nas regras de mercado dos operadores portuários.

Porém, já antes da prática da lei dos portos, registra-se que os incentivos e favorecimentos portuários para a mercadoria do transporte de cabotagem não se adequavam a demanda da carga geral solta em contêiner dessa navegação.

Essas evidências são retratadas nas operações do porto de Santos(²) que, após alcançar o auge da movimentação da carga geral do transporte de cabotagem em 1956, despenca para menos de 100.000t.

Reitera-se que em 1656, o volume físico de 1.371.000 t desse transporte representa 13% do movimento geral, 10.789.363 t de toda carga da navegação de cabotagem e longo curso do mesmo período.

Uma forte questão da cabotagem diz respeito aos seus componentes logísticos que vão além da alta competitividade, especialmente da cadeia de suprimento entre os transportes rodoviário e hidroviário.

Um bom sinal da questão anterior pode ser visualizado na concentração da movimentação da carga conteinerizada dessa navegação em poucos portos .

Mas uma questão bastante frágil é a carência de terminais remotos que, junto com o porto aquaviário, têm o papel de plataforma logística com o objetivo de agregar valor a mercadoria, diferente de estacionamentos, bacias de espera, perda de “janelas”, longos “dwell time”, etc.

Assim, pode-se concluir que:

  • A ampla demanda para a navegação de cabotagem de até 18 milhões de TEU (Codesp IPEA, 2004-2018; e ABAC, ILOS, 2018), é significativamente reprimida pelas questões da capacidade do sistema representado no conjunto dos elementos que compõem essa atividade de transporte;
  • Há fortes oportunidades para o crescimento da movimentação do contêiner da navegação de cabotagem;
  • A definição de carga da navegação de cabotagem independe da nacionalidade, origem, destino etc, se limitando ao transporte dessa carga entre portos brasileiros.
  • Considerando, especialmente os custos, especialmente, das componentes de transportes, programações e armazenagens, o volume dessa carga é tão maior tanto for a disponibilidades e facilidades logísticas para as demandas do mercado.

Por isso são apontadas como propostas:

  • Por sua relevante abrangência, disponibilizar os dados constantes neste para acompanhar, empenhar e contribuir com o Programa BR DO MAR da Secretaria Nacional de Portos e de Transportes Aquaviários do Ministério de Infraestrutura;
  • Face às significativas e complexas variáveis que compõem esse transporte, fomentar pesquisas e desenvolvimento P, D & I;
  • Por ser o porto mais importante do sistema, o maior e o que melhor dispõe de oferta para contribuir com o aumento do volume movimentado por todo sistema nacional, fomentar sinergia local (reuniões, seminários periódicos com segmentos etc);
  • Envolver-se com uma Instituição de Desenvolvimento & Pesquisa da USP, UFSC, COPPE ou similar com o propósito de investigar e aplicar ferramentas de simulações de cenários que apontem ações, providências, prazos e resultados esperados para aumentar a oferta dos sistemas de transportes, especialmente dos portos brasileiros para o contêiner da navegação de cabotagem;
  • Contemplar a análise do modelo europeu Motorways of the Seas, com o uso de navios RO-PAX, conceito dos ferries empregados como transporte rápido e flexíveis nas costas da União Europeia, Ásia, entre outros portos;
  • Validar a aplicação efetiva dos Marcos Regulatórios com as ferramentas disponibilizadas das denominadas Inteligência Artificial (IA) com consistente base científica calçada em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P, D & I).

Aluísio de Souza Moreira - Engenheiro com doutorado pela USP, especialista portuário com larga experiência na Companhia Docas do Estado de São Paulo - Codesp