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Entrevista

‘Mercado erra sistematicamente previsão do PIB’

Gestor da Oriz Partners, Carlos Kawall acredita que Brasil está bem posicionado para crescimento consistente do PIB

20/08/2023 11h00

Foto: Divulgação

Com o início da queda de juros, safra recorde de soja, aprovação em primeiro turno da reforma tributária e o próprio arcabouço fiscal, que parecia resolvido sem os percalços das últimas semanas, o mercado começou a ajustar expectativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Analistas, que em janeiro previam crescimento de 0,8% da economia em 2023, agora já falam em 2,3%.

Os dados, de fato, corroboram o otimismo. Os últimos indicadores para a indústria, comércio e serviços confirmaram a melhora da produção e do emprego no trimestre. A indústria cresceu 0,4% na margem, com ajuste sazonal, com forte contribuição do extrativismo mineral (2,7%). No comércio ampliado e nos serviços, observou-se crescimento do volume para o último trimestre. Outro indicador importante para mensurar os serviços de transporte é visto pelo fluxo nas estradas, que cresceu 0,7%. De forma agregada, o indicador de atividade do Banco Central (IBC-br), a prévia do PIB, sinalizou que a atividade geral cresceu 0,63% em junho. Além disso, o mercado de trabalho segue robusto. A população ocupada, com ajuste sazonal, apresentou crescimento nos principais setores, como indústria (1,8%), comércio (2,0%) e serviços (2,4%).

O desafio é não perder a oportunidade e cair em novo voo de galinha. A demora na aprovação definitiva do arcabouço fiscal, por si só, gera um efeito dominó desagradável na economia. Sem o novo marco fiscal, o Orçamento de 2024 fica comprometido. O governo precisa ver o arcabouço aprovado na Câmara até o fim deste mês para que o projeto seja usado como base da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que serve como texto para nortear a Lei Orçamentária da União (LOA). “Para quem está em Brasília, elaborando o orçamento, fazê-lo sem a regra clara do jogo não é bom”, diz Carlos Kawall, fundador da gestora Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. 

Em entrevista a VEJA, Kawall lamenta tentativas de retroceder em reformas consolidadas e acredita que o “grande nó” do governo é o arcabouço fiscal e a ampliação de gastos públicos.

No início do ano, o mercado falava em crescimento de apenas 0,8% do PIB neste ano.  Com queda de juros, reforma tributária e arcabouço fiscal, a expectativa já é de crescimento de 2,3%. É possível vermos crescimento acima disso com todo o segundo semestre pela frente?

Nos últimos sete anos, a partir do governo Michel Temer, tivemos um bom desempenho na celeridade e aprovação das reformas econômicas. Nesse ano, o grande foco é certamente a reforma tributária, que vai ao Senado.  Uma reforma estrutural, a mais difícil de todas do ponto de vista político. É complexo. Mas nós economistas temos que reconhecer que o erro de previsão do PIB não foi apenas com relação a 2023, com crescimento bem maior do que era esperado. Isso também aconteceu em 2022 e 2021.  Tem havido um erro sistemático de subestimar o crescimento. Que bom que esse erro é para melhor. Na década passada, com exceção de 2010, todos os anos houve previsões grosseiras em relação ao crescimento do PIB, sistematicamente menor que o esperado. Agora estamos vendo o efeito contrário. Esse ano tem um efeito do agro, mais positivo do que se esperava.  Outro ponto é que o mercado de trabalho está mais resiliente do que se imaginava. A taxa de desemprego vem caindo.  A parte do consumo está, sim sofrendo, por conta do crédito mais caro. Por trás disso, muitos entendem, como eu, que há um efeito ao longo do tempo das reformas econômicas ao longo dos últimos anos. Nesse sentido, estamos vendo algum benefício disso. Nos próximos anos, a gente ainda pode se beneficiar da novidade ligada a transição energética e descarbonização.  Brasil está muito bem colocado. Nos tornamos grande produtor de commodities. O cenário de crescimento é bom. Pode ser que a gente se surpreenda com crescimento.

Os ruídos políticos podem atrapalhar a pauta econômica?

Existe sempre a ansiedade com relação ao lado político. Se a gente olhar em retrospecto, tivemos grandes avanços na agenda de reformas, desde a previdência, trabalhista, marcos regulatórios, autonomia do Banco Central… Agora, a maior de todas, que é a tributária. O pior é que a gente viu a partir desse ano a tentativa de retroceder em reformas que já tínhamos consolidado, como marco do saneamento, autonomia do Banco Central, privatização da Eletrobras.  Houve um contrapeso do Congresso em não retroceder nesses avanços. A resistência em retroagir em temas que avançamos foi positiva.

Com a parte política superada, qual a maior dificuldade da pauta econômica para o segundo semestre?

O grande nó é o arcabouço fiscal. Nós tínhamos uma base mais sólida, com teto de gastos, e acabamos abandonando essa disciplina, em troca de um arcabouço que é muito frouxo. Eu vejo com preocupação a trajetória de ascensão de gasto que deve levar a um aumento da carga tributária. Estamos entrando em fase de expansão de gastos.

O arcabouço fiscal ainda está pendente de votação, justamente por questões políticas. Isso prejudica na elaboração do orçamento? 

Para quem está em Brasília, elaborando o orçamento, faze-lo sem a regra clara do jogo não é bom.  O que a Câmara tem a decidir são pontos que foram modificados no Senado. Ela vai confirmar ou não. É uma parte pequena da regra fiscal. Provavelmente, o governo vai mandar o orçamento condicionado a regra que será aprovada. Não é o ideal, mas não é nenhum grande problema porque a lei orçamentária ainda vai ser debatida no Congresso, sendo aprovada no fim do ano.

Publicado na VEJA