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Sustentabilidade

Mineração na Amazônia bate recordes de desmate nos últimos 2 anos

A atividade em Unidades de Conservação cresceu 80,62% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período de 2019

07/12/2020 16h50

Garimpo na terra indígena Munduruku, no Pará, em maio de 2020. É possível ver a devastação da vegetação e a formação de crateras no local. — Foto: Chico Batata/Greenpeace

A mineração desmatou 405,36 km² da Amazônia Legal nos últimos cinco anos, segundo dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área derrubada equivale a cerca de 40,5 mil campos de futebol. Ao longo de 2019 e 2020, esse desmatamento causado pela atividade mineradora registrou recordes e avançou sobre áreas de conservação.

A série histórica do Deter/Inpe, que compila dados desde 2015, aponta que o mês com a maior devastação foi maio de 2019, com 34,47 km² desmatados. Em seguida, ficou julho de 2019 com 23,98 km². Além disso, 2020 teve os piores junho (21,85 km²), agosto (15,93 km²) e setembro (7,2 km²) da série.

Com relação especificamente às chamadas Unidades de Conservação, o desmate por mineração cresceu 80,62% no primeiro trimestre de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado, aponta o Greenpeace. Essas áreas recebem esse nome porque têm características naturais relevantes que precisam ser preservadas – o objetivo é proteger espécies ameaçadas e resguardar ecossistemas, por exemplo.

No entanto, as cicatrizes no solo são apenas um dos marcos da devastação por mineração.

Segundo Beto Veríssimo, engenheiro agrônomo e cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a atividade mineradora – principalmente quando ilegal e associada ao garimpo – contamina rios e pessoas, gera violência contra comunidades tradicionais e desencadeia outras ações predatórias.

"O garimpo na Amazônia nunca está sozinho: ele abre caminho a outras atividades ilegais na floresta. Onde aparece garimpo, também ocorre exploração da madeira, invasão, pecuária nas bordas e assim por diante", diz.

"O garimpo na Amazônia está mais empresarial. Não são mais aventureiros que migram em busca de ouro, como foi em Serra Pelada. Agora, as empresas estão por trás, financiando a compra de maquinário, cooptando trabalhadores, pessoas vulneráveis e lideranças para atuarem por eles nas florestas", destaca Beto Veríssimo.

Para Antônio Oviedo, cientista ambiental e pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), há um problema adicional: os locais em que a mineração tem avançado na Amazônia.

"O epicentro do garimpo está entre as bacias dos rios Tapajós e do Xingu, sendo a terra indígena dos Mundurukus, os povos mais impactados pela atividade ilegal", aponta Oviedo, lembrando que a atividade de mineração é proibida em áreas protegidas, como os territórios indígenas.

“Quando se olham as imagens de satélite da região dos Mundurukus, grande parte dos rios e terras alagadas estão completamente degradados. Se parássemos hoje a mineração ali, essas áreas precisariam de 30, 40 anos para se recuperar", comenta Oviedo.

Para ele, a ausência de fiscalização do governo na região "possivelmente está favorecendo o aumento da mineração ilegal na Amazônia".

Os dados do Deter/Inpe sobre desmatamento causado por mineração não fazem menção ao "garimpo" - extração de minérios predatória e ilegal, geralmente relacionada ao ouro e não à indústria - nem diferenciam a mineração legal (que tem autorização da Agencia Nacional de Mineração) da ilegal.

Em nota, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), uma entidade privada que representa a indústria de mineração, demostrou preocupação com o Deter/Inpe tratar o tema apenas como "mineração".

"Como mineração é um termo geral, pode dar a ideia equivocada de que empresas da mineração industrial (que trabalha de forma legal) possam também estar devastando a floresta, o que não é o caso", diz a nota.

"O Ibram e suas 130 associadas são defensoras intrínsecas da mineração legal, de acordo com padrões internacionais de sustentabilidade", conclui.

70% da mineração se deu em áreas protegidas

Entre janeiro e abril de 2020, mais de 70% da mineração na Amazônia ocorreu dentro de áreas protegidas, de acordo com o Greenpeace. Nas terras indígenas, esse aumento do desmatamento por mineração foi de 64%, na comparação com o mesmo período de 2019.

Já nas Unidades de Conservação, o primeiro trimestre teve um aumento de 80,62% (8,79 km² de floresta protegida destruídos) com relação ao mesmo período do ano passado, também segundo o Greenpeace.

Pelos dados do Deter/Inpe, é possível ver que o desmatamento pela atividade mineradora em unidades de conservação se concentra em cinco pontos do Pará, formando um arco de destruição.

Na Área de Proteção Ambiental do Tapajós, o terreno destruído neste ano já é de quase 30 km² – ou 30 campos de futebol.

"O Pará tem um histórico de mineração e ilegalidades, a exemplo do que ocorreu com a região de Serra Pelada. Do mesmo modo, a mineração nas terras indígenas Kaiapó, Munduruku e Yanomami acontecem há décadas, não é de hoje, mas vemos a situação piorar no último ano", diz Oviedo.

De fato, 40 após milhares de brasileiros correrem para Serra Pelada, no Pará, em busca de ouro, o estado ainda concentra quase que toda a mineração na Amazônia.

Segundo o Inpe, 85% de todo o desmatamento causado pela atividade na região amazônica desde 2015 ocorreu no Pará. Considerando o período de janeiro a novembro deste ano, o estado concentra 81% do desmate ocorrido por mineração.

Pior que Serra Pelada

Beto Verissimo explica que, diferentemente do que ocorreu em Serra Pelada na década de 1970, não é mais o garimpeiro quem financia a atividade ilegal.

"Vemos que a Amazônia volta a viver uma corrida pelo ouro. Assim como no passado, o garimpo atualmente é ilegal, desmata, contamina, mas degrada muito mais. Mas não estamos mais falando de picareta, estamos falando de escavadeiras, tratores, maquinário pesado".

Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que as indústrias mineradoras estão envolvidas na atividade ilegal.

Um levantamento do projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, encontrou pelo menos 58 requerimentos de pesquisa ou lavra de minério sobrepostos a terras indígenas feitos por empresas nacionais e internacionais aprovados pela ANM e válidos em novembro de 2020.

'Tragédia ambiental e social'

Entre 1º de janeiro e 20 de novembro de 2020, a área desmatada por mineração correspondeu a 0,34% do desmatamento total na Amazônia. A comparação pode sugerir poucos danos ambientais, mas, segundo os especialistas, a atividade mineradora é a mais agressiva no bioma.

"O garimpo na Amazônia é uma tragédia ambiental e social, não deve ser legalizado nunca", afirma Veríssimo. "Não deixa riqueza nos lugares. Não tem um lugar na Amazônia, uma cidade, que tenha ficado rico com a atividade. Quem lucra é quem negocia o mineral. A Amazônia não ganha nada, apenas perde."

À primeira vista, quando se olha para uma área de mineração na Amazônia, o que mais choca é a paisagem "lunar" ou "de guerra", como chamam os ambientalistas.

"A mineração descaracteriza a paisagem, que se transforma em um lugar cheio de buracos, como vemos em lugares de guerra onde caíram bombas e causaram crateras. É uma degradação ambiental muito severa", diz Oviedo.

Para Veríssimo, é preciso também considerar o desmatamento indireto causado pela mineração:

"A mineração primeiro derruba a floresta para abrir estradas para transportar o maquinário até o garimpo. Depois, derrubam a área onde será feita a garimpagem, para então escavar o solo".

Por isso, quando o Deter detecta uma área de desmatamento por mineração, alguns meses depois esse mesmo espaço passa a ser classificado pelo sistema como "desmatamento por corte raso". Trata-se de uma modalidade agressiva de desmate: a floresta e toda a vegetação nativa literalmente desaparecem, deixando o solo exposto.

O impacto ambiental e social do garimpo é maior quando ele ocorre perto de cursos d´água.

"O garimpo no leito do rio desmata a mata auxiliar, vegetação que protege a beira dos rios, desencadeando um processo de erosão. É uma descaracterização do rio; depois de um tempo, você não consegue mais nem perceber onde está o curso do rio", explica Oviedo.

"Já o uso de metais pesados na mineração, como o mercúrio, no caso do ouro, polui os recursos hídricos e contamina toda a fauna aquática, como os peixes, assim como os próprios moradores da região", diz o pesquisador do ISA.

Falta fiscalização, diz ambientalista

"A ausência da fiscalização do governo na região possivelmente está favorecendo o aumento da mineração ilegal na Amazônia. Há uma conivência das leis e uma fragilidade de comando e controle da região pelo governo", diz Oviedo.

Em agosto, o Ministério da Defesa suspendeu uma operação de combate a garimpos ilegais na terra indígena Munduruku, no Pará, um dia após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se encontrar com garimpeiros na região.

“Quando o ministro Salles paralisou a fiscalização contra garimpo nas terras dos Mundurukus, o local registrou 227 hectares de desmatamento recorrentes do garimpo nos 20 dias seguintes. O exemplo mostra a velocidade e a agressividade da degradação em áreas com garimpo”, afirma o ambientalista do ISA.

Dados apurados em outubro mostraram que as autuações de crimes ambientais feitas pelo Ibama, consequência das fiscalizações em campo, despencaram 62% em comparação com 2019. Esses dados abarcam o período entre janeiro e o início de início de outubro e são referentes à flora dos nove estados da Amazônia.

Além disso, a rede Observatório do Clima disse em outubro que o Fundo Amazônia, órgão do governo federal que capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma, tem cerca de R$ 2,9 bilhões parados e está sem atividade desde 2019. O principal órgão afetado por essa paralisação é justamente o Ibama.

"Quem financia o garimpo ilegal não está no meio da floresta. É gente poderosa, com dinheiro para comprar trator e retroescavadeiras, levar esse maquinário pesado para dentro da floresta. Não é difícil fazer o mapeamento dessa cadeia de investimentos. O que precisa é vontade política", afirma Oviedo.

Fonte: G1

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