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Entrevista

‘Não tinha ninguém que falasse pela mineração, hoje nós falamos’

Antonio Carlos Tramm, presidente da CBPM, fala sobre as transformações no setor

05/05/2023 09h00

Foto: CBPM - Divulgação 

De uma empresa dedicada à pesquisa mineral, muito eficiente e reconhecida na área, a uma das principais vozes da mineração na Bahia. Este foi o caminho da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) nos últimos quatro anos. E o homem à frente da mudança de patamar da empresa pública estadual jamais teve qualquer tipo de experiência prévia relacionada à mineração. "Eu sou um agitador, quero ver a Bahia se desenvolver, quero saber que nossos netos irão crescer com mais oportunidades do que nós tivemos", diz Antonio Carlos Tramm, presidente da CBPM desde 2019. De lá para cá, a estatal, que estava a cinco anos sem nenhuma nova licitação de área, realizou 14 processos, todos com interesse de investidores privados. Apesar do boom da atividade nos últimos anos, Tramm aponta a necessidade de superar um importante gargalo logístico, para um processo de crescimento que se prolongue por décadas: "É preciso resolver o problema do trem", diz quase como um mantra. A criação de um plano de desenvolvimento ferroviário precisa ser a grande prioridade da Bahia nos próximos anos, acredita.  

Qual é o balanço que você faz dos últimos quatro anos na CBPM? 

Eu só posso fazer um balanço positivo, de um período muito bonito. A empresa teve um crescimento financeiro incrível. Para você ter uma ideia, o governo iria fechar isso aqui porque antes toda hora ele precisava colocar dinheiro aqui. Tem três anos que o estado não coloca mais nenhum tostão. Toda a pesquisa, todo o trabalho são feitos com recursos próprios da CBPM. Isso é uma coisa muito boa. Nunca se investiu tanto em mineração como nós temos feito aqui. Fizemos um trabalho de recomposição da estrutura da empresa. A gente comprou um equipamento de R$ 1 milhão, compramos marteletes e bússolas, compramos celulares para a equipe ter mais facilidade de transmitir as informações. Estamos colocando a CBPM no universo da inovação. A caderneta do geólogo antes era de papel. Ele fazia ali a sua anotação. Cada um tinha a sua verdade e a gente não tinha um controle do que estava acontecendo em campo. A partir de 1º de maio, estaremos trabalhando com uma caderneta digital, em que toda a anotação vai sair direto para o computador.  

É uma grande transformação, não é? 

Sim. Nós estamos deixando um legado de transformação. Não estou falando apenas de elevador, salas de reunião e laboratórios recuperados, estamos deixando legado de uma mudança de comportamento em relação à mineração. Não tinha ninguém que falasse pela mineração, hoje nós falamos.  

Você acha que a população já consegue enxergar a mineração como uma atividade relevante para a Bahia? 

Sem dúvidas, hoje o setor mineral é reconhecido como sério e relevante para a Bahia. Infelizmente, os governos ainda não entenderam isso direito, porque a mineração também pecou no passado, ao não demonstrar um grande interesse em mostrar mais o seu lado. Os governos sempre olham para quem recolhe o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços). Com a Lei Kandir, quem exporta deixou de recolher o tributo, então essa é uma receita que o Poder Público deixou de ter da atividade. Mas a mineração, por outro lado, é uma indutora de desenvolvimento, ao atrair toda uma cadeia de serviços, e também pela Cfem (royalties pagos pela produção para os municípios). Existe um ICMS indireto em tudo. Na hora em que uma empresa de ouro faz um investimento de quase R$ 700 milhões, este dinheiro vai para a compra de equipamentos, pessoal e isso circula na cidade e no estado. Quando uma empresa como a Magnesita está fazendo o maior forno da América Latina, consumindo combustível e energia aqui na Bahia, entre outras coisas, isso tudo gera ICMS. A massa salarial se transforma em consumo, movimenta o comércio local. Infelizmente, a mineração não se preparou para demonstrar tudo isso, o que eu acho que foi um erro.  

Uma novidade neste período foi o envolvimento da CBPM em grandes causas, como a necessidade de melhorias na infraestrutura logística da Bahia. Por que? 

Sem logística a mineração não tem futuro. Nós temos um potencial absurdo de crescimento. Eu arrisco dizer que o que ainda pode ser produzido é infinitamente superior ao que se tem hoje, só que sem capacidade de escoamento isso nunca vai deixar de ser apenas um grande potencial. A Bahia precisa ter pressa, porque nós somos um estado pobre, com uma grande extensão de área no semiárido, em que a grande vocação para o desenvolvimento pode estar no nosso subsolo.

Nos últimos anos, tivemos a reativação de minas que estavam paradas, outras anunciaram ampliações e também tivemos os lançamentos de novas operações. Mas também tivemos o movimento de retomada nas licitações de áreas. Qual é a importância disso? 

É muito simples, antes de 2018, ficamos sem a oferta de áreas de pesquisas durante cinco anos. A partir de 2019, nós fizemos 14 processos de licitação e em todos tivemos empresas interessadas que foram contratadas. O que é que isso significa? Mais royalties, mais dinheiro, mais empregos e tudo o mais que a atividade proporciona no futuro.  

São 14 novas minas em potencial no futuro? 

Quando nós fazemos uma licitação, já sabemos que aquele local tem potencial de produção, porque de outro modo não se encontram empresas interessadas em entrar. Mineração é negócio de cachorro grande, só entra quem tem expressão para entrar. Nós fizemos duas licitações na área de minério de ferro em que o vencedor está se preparando para implantar uma unidade de ferro-guza, que nós não temos na Bahia. Estamos deixando muita coisa realizada. Temos uma província, que deve ser ofertada no final do ano, em que estamos trabalhando em sondagens para conferir os quantitativos. É isso que vai tornar a licitação interessante, porque iremos oferecer a área com o máximo de detalhamento possível. Aí nós voltamos a falar sobre a logística. Como é que essa produção toda será escoada se não tivermos o trem para trazer isso tudo?  

Onde fica a província?  

Na região Norte da Bahia, Campo Alegre de Lurdes e mais quatro municípios baianos. É um estudo que inclusive envolve uma área no Piauí.  

A imensa maioria das minas que temos no estado são de pequeno ou médio porte. Ainda assim são relevantes economicamente? 

A influência da mineração nos municípios é uma realidade. Jacobina, por exemplo, recebe R$ 1,2 milhão por mês da mineração. Uma empresa como a Eron, que atua mais acima no mapa, recolhe por mês R$ 1,3 milhão, que é distribuído por três municípios. Infelizmente é uma atividade que se comunica mal. As controladoras das principais empresas em atuação no país estão no exterior. A Bahia tem sete grandes empresas, apenas uma tem a direção aqui, todas as outras estão fora daqui. Eu defendo que briguemos para que as sedes das empresas que atuam aqui venham para cá. A mineração tem um impacto muito positivo aqui, mas poderia ser maior. O problema é que para isso devemos ter uma luta de todos, de governo, empresas, entidades, todos precisamos estar nesta luta.  

Qual é o futuro que você vislumbra para a mineração? 

A mineração baiana está em caminho de crescimento. Estamos no estado mais bem mapeado da federação. A inovação vai nos levando a novos tipos de estudos. Fizemos um levantamento aerogeofísico que é inovador, usa um helicóptero com uma grande rede que é capaz de nos mostrar com mais profundidade o que está ali embaixo no chão. Esse trabalho que nós fizemos no norte resultou no requerimento de mais de 80 licenças. Isso é modernidade. A Ero, antiga Caraíba, deu uma declaração de que aumentou a vida útil dela em mais 40 anos. Como se alcançam estes resultados? Com muita pesquisa.  

Qual o principal legado da sua gestão à frente da CBPM? 

Um dos legados da nossa gestão é a descoberta da primeira província mineral da Bahia. A área que pode chegar a 100 quilômetros de extensão abrange a borda norte do Cráton de São Francisco, o que inclui os municípios de Pilão Arcado, Remanso e Campo Alegre de Lourdes, onde foram identificadas áreas com potencial para ferro-titânio-vanádio, níquel-cobre-cobalto, fosfato, ferro, ouro, metais base e terras raras. Atualmente, as pesquisas estão sendo realizadas no Prospecto Lagoa Grande, em Pilão Arcado. Nesta área foram realizadas sondagens que confirmaram a presença de grandes reservas de níquel, cobre e cobalto (Ni-Cu-Co). Essa Província é uma das grandes riquezas da Bahia e colocará a mineração baiana em outro patamar. Tenho muito orgulho de deixar esse legado para a CBPM e para  a mineração da Bahia. Sem dúvida ainda ouviremos falar muito das riquezas dessa província e dos benefícios que ela trará para a região.

Publicado no Correio