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Entrevista

“Nós já estamos prontos para o mercado de carbono”

A afirmação é do presidente da Aiba, Odacil Ranzi, que fala sobre o segmento na Bahia

13/05/2023 11h00

Foto: CORREIO

O cardápio de produtos que são cultivados nos campos da região Oeste da Bahia só faz crescer. Do principal polo agrícola do estado, e um dos mais importantes do país, saem soja, milho, algodão, feijão, frutas, legumes e vegetação para a alimentação animal, mas não apenas isso. Os agricultores baianos são também produtores de água, com técnicas de manejo do recurso natural, e de créditos de carbono. Segundo o produtor rural Odacil Ranzi, presidente da Associação Baiana dos Produtores e Irrigantes da Bahia (Aiba), ele e outros cerca de 50 agricultores já conseguiram comprovar que as propriedades rurais geram créditos de carbono. Ele acredita que, com a estruturação do mercado global de carbono, as propriedades serão remuneradas pelos benefícios gerados ao planeta. Ele acredita que isso só não estaria acontecendo ainda por conta da desestruturação do mercado global.  

Natural de Espumoso (RS), Odacil Ranzi formou-se técnico em Contabilidade em 1972 e graduou-se em Economia pela Universidade de Passo Fundo (RS) em 1977. Chegou ao Oeste Baiano em 1980. É diretor do Departamento do Agro da Câmara do Comércio Brasil/Portugal. Na Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), foi segundo vice-presidente de 2009 a 2010, segundo vice-diretor administrativo de 2011 a 2012. Em janeiro de 2021, foi eleito para a presidência da diretoria-executiva para o biênio 2021/2022, e reeleito para o biênio 2023/2024.   

O senhor chegou à Bahia em 1980. Quais foram as principais transformações que viu no Oeste de lá para cá? 

Houve uma mudança muito grande. Naquela época, Luís Eduardo Magalhães ainda não existia. Na realidade, tinha apenas um morador, o seu Enedino Alves da Paixão. A transformação que houve começou com a chegada do pessoal do Paraná, do Rio Grande do Sul e hoje já tem gente do mundo inteiro praticamente aqui na região Oeste. Eu acompanhei todo este progresso, nossa família tem uma gratidão muito grande a Deus e à  Bahia que nos recebeu de braços abertos. Morei 28 anos em Barreiras, fiz grandes amizades, que permanecem até hoje. Essa expansão foi motivada pelo agro, começou com o arroz, depois a soja e o grande salto aconteceu com a entrada do algodão. Atualmente a região está consolidada como um polo agrícola e estamos esperando apenas a energia elétrica para dar um terceiro salto, de industrialização da nossa produção.  

Desde Pero Vaz de Caminha, o Brasil convive com a ideia de desenvolvimento em terras naturalmente férteis, onde bastaria plantar. É essa a realidade do cerrado? 

No final dos anos 70, quando os primeiros agricultores começaram a chegar, isso daqui era uma imensidão de terras planas, com grande parte muito parecida a uma savana africana. A característica climática era muito simples, tínhamos seis meses de chuvas e seis meses de seca, onde se tinha muito fogo. O fogo empobrece a terra. Nós entramos, com muita tecnologia, trabalhamos a terra, usamos muito calcário, adubação e investimentos em pesquisas. Com o tempo, nós percebemos que o solo era muito pobre em matéria orgânica e demandava uma mudança no método de plantio. Hoje, 90% do plantio de soja já é plantio direto e isso nos dá uma segurança maior para segurar a água da chuva. A gente investe numa cobertura vegetal para enriquecer o solo. A cada ano que passa estamos melhorando o nosso solo e isso é o que nos permite dar outro salto de qualidade na produção. Se hoje temos terras extremamente produtivas, isso é fruto de muito trabalho. Estamos, pelo segundo ano consecutivo, alcançando a melhor produtividade de soja no Brasil.  

O senhor mencionou o fogo como empobrecedor da terra. Por que então temos notícias de queimadas em áreas agrícolas? 

O fogo é o maior inimigo do produtor rural. Na hora que o fogo invade uma área, todos os microrganismos que enriquecem a terra são perdidos e a gente leva muitos anos para recuperar áreas queimadas. Nós temos um cuidado muito grande para evitar o fogo. Todos os vizinhos, ao verem o primeiro sinal de fumaça, já alertam os outros para combatermos.  

Mas qual é o motivo de se associar a atividade agrícola e as queimadas, então? 

Talvez isso seja um resquício dos tempos dos nossos avós, quando se tinham as chamadas lavouras de fogo, em que eles derrubavam a vegetação e queimavam a terra. Mas aqui para nós o cenário é muito diferente, nós usamos tecnologia avançada. O fogo é nosso inimigo, vem destruindo tudo. Infelizmente, muitas vezes surge de maneira espontânea e se alastra numa rapidez incrível na época seca, principalmente em setembro e outubro.  

A sociedade se preocupa cada vez mais com sustentabilidade e vocês lidam com mercados internacionais, onde este assunto é muito caro. De que maneira o agro tem contribuído para o avanço desta agenda? 

A sustentabilidade é um tema muito importante, está sempre em discussão. Nós temos consciência de que temos várias frentes de trabalho neste sentido. Ninguém consegue viver sem a água, que é um bem precioso para nós da agricultura. Temos um programa muito bonito, de recuperação de nascentes, principalmente na região de vale. Nós cuidados das nossas APPs (áreas de proteção permanente) e das nossas reservas legais. Toda a nossa produção de algodão é certificada e quem produz grão, como soja, milho, sorgo, feijão ou braquiárea (cobertura verde), temos muitas fazendas certificadas. Só vai ficar no mercado quem cumprir todas as regras de respeito ao ambiente, mas não só isso, é preciso comprovar cada vez mais através de certificações. Sustentabilidade é uma questão fundamental, nós trabalhamos muito isso enquanto associação e o produtor também cuida muito disso. Hoje, com toda certeza, existem mais animais em nossas reservas legais do que havia há 40 ou 50 anos, porque a caça está totalmente proibida, há uma vigilância muito grande em relação a invasões em beira de prédios ou rios.  

O senhor acha que o agro tem sido eficiente em passar essa imagem de produção sustentável para a sociedade? 

Com certeza, mas o problema é que uma notícia ruim pesa muito mais que mil boas. Uma notícia ruim viaja a mil quilômetros por hora (km/h), a boa é lenta, vai a 10 km/h. Nós estamos fazendo nossa parte, a gente divulga isso tudo, temos coisas maravilhosas acontecendo que muitas vezes não chegam no grande público. O que eu posso garantir é que somos muito conscientes e fazemos tudo dentro da lei. A gente cumpre a lei à risca, mas o trabalho não se restringe a isso, temos iniciativas na área ambiental, mas investimos em ações com impacto social grande, como ações voltadas para mulheres, uma escola que forma 120 alunos por ano, ações para valorização do sertanejo, ajudamos pequenos produtores a ser mais eficientes, ajudamos a melhorar a terra. Tem pequenos produtores que faziam 15 sacos de milho por hectare que estão pulando para até 100 sacos. São coisas boas que fazemos que infelizmente não chegam no grande público.  

Como o agro baiano está se posicionando em relação ao mercado de carbono? 

Nós temos, dentro do núcleo de sustentabilidade, um trabalho avançado sobre o carbono, inclusive com trabalho de campo, com toda a aparelhagem necessária. Já tivemos encontros com universidades, debatendo este tema. Temos comprovação científica de que aqui no Oeste nós produzimos créditos de carbono, que é um campo de debate importante. O produtor está no caminho correto.  

O senhor imagina que exista espaço para, em algum momento, buscar uma certificação em relação aos créditos? 

A gente fez um trabalho muito positivo no ano passado, inclusive a minha propriedade é certificada, assim como mais outras 50 fazendas. Nós temos créditos de carbono. O problema é que existe muita conversa sobre valores que vão ser pagos, mas, falando francamente, eu, como presidente da Aiba, desconheço algum produtor que recebeu este crédito financeiro. Nós estamos preparados para quando houver uma estruturação deste mercado irmos em busca destes valores, que pode ser muito interessante. Foram feitos acordos internacionais sobre o assunto, falta cumprir o que foi decidido.

O mercado ainda não está estruturado? 

Falta uma estruturação do mercado global de carbono, para nos mostrar que caminho seguir. Nós temos crédito, mas ainda não existe um caminho indicando como é que vamos oferecer isso para uma indústria que precisa compensar as suas emissões.  

Há alguns anos, os produtores trabalham para o mapeamento dos mananciais da região. Qual é o balanço deste trabalho? 

A Aiba, junto com as universidades Federal de Viçosa e do Rio de Janeiro, mapeou o aquífero Urucuia. Hoje nós sabemos exatamente o quando se pode tirar do subsolo e como é que estes recursos naturais são repostos. Todo este trabalho foi entregue ao governo do estado e está disponível no Inema.  Nós estamos aguardando uma parceria com o governo, que esperamos assinar em breve, para o monitoramento das águas profundas e superficiais. Foi um trabalho gigantesco, que demorou cinco anos para chegar às suas conclusões.  

Existe água suficiente para uma ampliação do uso? 

Sim, porque o nosso aquífero é o terceiro maior do Brasil e um dos maiores do mundo. Como a gente já sabe o quanto se repõe, dá para saber o quanto é possível tirar. Além disso, com o plantio direto, parte da água é retida na própria propriedade. Nossos produtores, muitas vezes são também produtores de água, com suas pequenas barragens e com o plantio direto.  

Como estão os mercados de vocês? 

O mercado internacional da soja está hoje negativo como há mais de 25 anos não se via. O preço de mercado está razoavelmente bom, mas a safra está sendo a mais cara da história, então a rentabilidade está complicada. A margem será menor, mas deve ser positiva. Para os próximos anos, estamos vendo uma queda nos preços dos adubos e fertilizantes, vamos torcer para isso se manter.  

O que impede um melhor aproveitamento do potencial do Oeste? 

Hoje a energia elétrica é o que nos impede de ter uma grande expansão. Os linhões de transmissão estão chegando, mas a distribuição está muito precária. Este é o entrave que enfrentamos. Pontes e estradas, nós estamos construindo. Os acessos, a gente enfrenta e tenta melhorar, mas energia tem nos impedido de ampliar os negócios. Existem projetos para a instalação de usinas de etanol, de uma tecelagem de algodão, mas isso tudo depende de energia. Temos muitos pivôs centrais de irrigação em compasso de espera.  

Esse é um gargalo antigo... 

Desde que vim para a Bahia era muito fraca. Houve melhorias, mas nós nunca tivemos uma energia satisfatória, mesmo tendo grandes projetos de energia eólica na Chapada Diamantina e solares, até mesmo aqui no Oeste, ainda sofremos com este problema. Infelizmente, isso não chega no produtor.  

O que vocês esperam da Bahia Farm Show deste ano? 

Nesta 17ª edição, que será entre 6 e 10 de junho, esperamos igualar os números do ano passado. Tivemos uma edição de recordes em 2022, mas o número de expositores aumentou consideravelmente este ano, o espaço está 100% tomado e temos 68 expositores em fila de espera porque não temos espaço. Do lado do produtor, com a expansão que está acontecendo na área irrigada, temos certeza de que iremos fazer uma grande feira. Todo recorde foi feito para ser batido, queira Deus que a gente supere já este ano.

Publicado no CORREIO