22/06/2025 23h03
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Presidente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) e ex-ministro da Agricultura, Francisco Turra fala sobre os desafios da transição energética, defende segurança jurídica, o aumento da mistura de biodiesel no diesel fóssil e projeta o Brasil como uma potência global em energia limpa e renovável. Em entrevista ao Correio, ele detalha os avanços do setor, os gargalos que ainda precisam ser superados e o papel do Brasil no mercado internacional de energia sustentável.
O senhor acaba de ser reconduzido para mais um mandato na presidência do conselho da Aprobio. Quais são as principais prioridades da sua gestão nesse biênio?
O maior desafio, sem dúvida, é que se cumpra a Lei de Combustíveis do Futuro. Que possamos evoluir ano a ano e apresentar, cada vez mais, um produto de alta qualidade, que não seja mais contestado. E, efetivamente, que o Brasil passe a ter mais conhecimento e respeito ao biodiesel, que é realmente uma forma de descarbonizar na prática e, ao mesmo tempo, ajudar a melhorar a renda agrícola.
Quais os avanços do programa Combustível do Futuro? E quais são os principais entraves?
O nosso maior desejo é, sem dúvida, a segurança jurídica. Porque, sendo um setor jovem e promissor, o crescimento dele é algo que observamos de forma muito clara. Porém, nenhum investidor acredita onde há dúvida, onde há insegurança jurídica. E se há uma determinação legal para que o setor cresça, isso tem que acontecer. Recursos disponíveis existem. Há muitos investidores interessados, empresários querendo crescer. É algo impressionante.
Na reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), que vai ocorrer no dia 25 de junho, será definido o aumento da mistura do biodiesel para 15% (B15) ou já está definido?
Será definido na reunião. Por cautela, o CNPE havia pedido um adiamento para investigar se não haveria algum indício de impacto na inflação. Foi aquele momento em que havia uma preocupação grande com a inflação de alimentos, o que gerou certo receio. E se descobriu que nada disso acontecia. Ao contrário, quando você tem mais disponibilidade de farelo, quando há mais oferta, o preço sempre é menor. Reduzir a oferta, a ponto de, às vezes, ter que importar, seria um absurdo, quando temos aqui toda a capacidade necessária para sermos exportadores — como, aliás, já somos, inclusive, de biodiesel.
Quais têm sido as principais conquistas da Aprobio nos últimos anos? E o que ainda é considerado um desafio crítico na defesa dos biocombustíveis no Brasil?
O mais importante é que, hoje, somos uma organização que defende o setor como um todo. Não somos uma entidade defendendo uma empresa específica, mas o segmento. A Aprobio está totalmente voltada para garantir políticas públicas adequadas, que permitam ao setor crescer. Veja, por exemplo, a importância da cadeia produtiva da soja: o Brasil é produtor de 170 milhões de toneladas e o maior exportador de proteína animal. E, dentro desse contexto, surge a graxaria, que antes era poluidora, um problema ambiental sério. O esmagamento da soja oferece, além do óleo vegetal e do biodiesel, o farelo de soja, que é fundamental na alimentação animal. Isso tem enorme aplicabilidade e é essencial para reduzir custos, o que nos permite continuar sendo altamente competitivos também na produção de proteína animal.
O senhor tem defendido publicamente o aumento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel fóssil. Há resistência? E como superar esses obstáculos?
Sendo um combustível jovem, com apenas 20 anos, sofremos o mesmo que o etanol sofreu. Conseguimos, no entanto, uma evolução muito grande. Tivemos o RenovaBio, a Lei Nacional do Uso de Biodiesel e, agora, a Lei de Combustíveis do Futuro. Tudo isso foi um grande avanço. Além disso, temos um diferencial: envolvemos profundamente a agricultura familiar de diferentes estados. São mais de 300 mil produtores que contam com assistência técnica especial e apoio, tanto para a produção de soja quanto de óleo de palma, mamona e outras biomassas que geram biodiesel. O pequeno produtor tem voz, vez e, inclusive, uma atenção diferenciada. Claro que há contrapartidas, e as dificuldades são muitas. Por exemplo, por falta de conhecimento, muitos acabam difamando o biodiesel, imaginando que todos os problemas mecânicos advêm da mistura, o que absolutamente não é verdade. Também temos a nossa luta interna, que é permanente, para conscientizar todos sobre a necessidade de oferecer um produto de altíssima qualidade. Queremos, inclusive, que o governo fiscalize mais. Que não permita que aventureiros estejam no setor prejudicando quem faz um trabalho sério.
Como avalia hoje a posição do Brasil no cenário internacional?
Hoje, o Brasil é o terceiro maior produtor de biodiesel do mundo. Os Estados Unidos estão em primeiro lugar e a Indonésia, em segundo. Já estamos exportando biodiesel para os Estados Unidos e para a União Europeia. A diferença é que, em alguns estados norte-americanos, eles já estão no B30. Na Indonésia, estão no B30 e até no B40. Aqui no Brasil, seguimos numa luta intensa para, agora, alcançar o B15. E, veja, chegamos ao B13 e, depois, lamentavelmente, retrocedemos para o B10, com ameaças até de redução na época. Foi depois de muito trabalho, diálogo e, principalmente, da força da nossa entidade, que conseguimos aprovar a Lei de Combustíveis do Futuro. E ela não é apenas para o biodiesel, nem só para o etanol — é uma lei que contempla o SAF (Combustível Sustentável de Aviação), o hidrogênio verde, o querosene sustentável, o biometano e várias outras soluções energéticas limpas.
Com o avanço dos debates sobre eletrificação veicular no mundo, qual o papel dos biocombustíveis no futuro da mobilidade, especialmente no Brasil?
Desde que seja um combustível limpo, não há nada a opor, ao contrário, há tudo a favor. Os motores elétricos ainda enfrentam uma série de problemas. Muitos fabricantes estão em países cuja matriz energética é movida a carvão, que é altamente poluidor nas condições atuais. Ou seja, você troca a emissão do escapamento pela emissão da usina a carvão. Além disso, muitos desses países sequer têm energia limpa suficiente para abastecer seus veículos elétricos. O que estamos vendo agora é que a inovação vem aprimorando os sistemas. Assim também ocorre com o hidrogênio verde, que talvez seja, hoje, uma das saídas mais promissoras. Porém, ainda não se chegou efetivamente ao hidrogênio verde em escala.
Que papel os biocombustíveis devem ter nas discussões sobre descarbonização e transição energética durante a COP30?
Eu não tenho a menor dúvida de que os biocombustíveis serão a grande vitrine que o Brasil poderá apresentar para o mundo. E não é discurso, é algo concreto, real, que está acontecendo. Só o fato de sermos, hoje, o terceiro maior produtor de biodiesel do mundo já demonstra que o Brasil não está apenas preocupado com a transição energética, está, de fato, implementando soluções. Tanto o etanol quanto o biodiesel são soluções concretas que o Brasil oferece ao mundo. E, por isso, acredito que teremos uma grande vitrine para mostrar na COP, que vem aí, em Belém.
Há espaço para o Brasil exportar mais tecnologia ou, até mesmo, biocombustíveis para outros países, especialmente na América Latina, África e Ásia?
Sem dúvida, sim. Principalmente para a América Latina e a África, que são mercados muito próximos da nossa realidade produtiva. Mas também há espaço na Ásia. Já existem tratativas de governos de países asiáticos buscando empresários brasileiros, conhecendo nossas plantas, nosso modelo de produção. Muitos, inclusive, estão vindo com fundos de investimento, interessados em participar do crescimento da nossa produção, que, felizmente, é muito próspera na geração de biomassa e biocombustíveis.
Em que medida o setor de biocombustíveis brasileiro está alinhado com as metas de neutralidade de carbono até 2050?
Estamos absolutamente alinhados. O setor tem feito sua parte, e o que precisamos, basicamente, é de segurança jurídica. Com isso, conseguiremos avançar conforme determina a Lei de Combustíveis do Futuro.
Quais são, hoje, os principais gargalos tecnológicos, logísticos ou mesmo financeiros que impedem o avanço mais acelerado da indústria de biodiesel no Brasil?
O que não pode haver, de jeito nenhum, é ruptura de acordos que foram discutidos, negociados e firmados. É preciso acreditar no setor. E, também, o governo precisa ser mais exigente e mais fiscalizador. É um pedido que fazemos constantemente. Somos totalmente favoráveis à fiscalização rigorosa, porque ela melhora o processo, eleva a qualidade e fortalece o setor. Na ausência de recursos do governo, as próprias empresas estão disponibilizando laboratórios, instrumental e recursos para que esse controle de qualidade seja feito. Isso, para nós, significa avanço. Porque, na medida em que você vai retirando do caminho os maus operadores, você melhora, inclusive, a confiabilidade junto ao consumidor, ao mercado e ao usuário.
O senhor acredita que o modelo atual de tributação e incentivos para os biocombustíveis é adequado? Há alguma proposta que a Aprobio esteja defendendo junto ao governo?
Acho que esse modelo precisa ser melhorado. Hoje, o tratamento tributário varia muito de um estado para outro. Há estados que são mais complacentes, outros que ajudam mais, alguns que devolvem créditos com mais rapidez e eficiência, e outros, não. Enfim, esse tratamento diferenciado entre os estados é muito ruim. A nossa defesa é de que haja um tratamento uniforme em todo o país, que permita que o setor cresça de forma homogênea, sem distorções.
O senhor acha que precisa haver um alinhamento entre os estados para esses tratamentos tributários?
Com certeza. O Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) deveria ser o órgão responsável por fazer esse alinhamento, tanto no campo político quanto no fiscal e no tributário. Seria muito interessante se conseguíssemos isso. E é exatamente o que nós advogamos, lutamos e buscamos. Nem sempre conseguimos, porque muitos alegam que há dificuldades enormes para tratar de forma igual estados que são muito desiguais, seja por razões logísticas, seja por outros problemas. Mas a nossa luta é essa.
Como tem sido o diálogo da Aprobio com a indústria automotiva, especialmente diante das preocupações que algumas montadoras manifestam sobre a qualidade dos combustíveis e o desempenho dos motores?
Olha, já foi muito mais difícil. Hoje, as coisas estão melhores. À medida que perceberam que a Aprobio foi a primeira entidade a defender a melhoria da qualidade do biodiesel e o fim dos aventureiros e dos maus operadores, cresceu muito a confiança no setor. Claro que ainda existem resquícios. Por exemplo, a Confederação Nacional do Transporte (CNT), às vezes, levanta dúvidas, questiona. Nem sempre é fácil ultrapassar esses entraves. Mas posso dizer que o relacionamento tem melhorado significativamente. Inclusive, há fabricantes que hoje estão em linha direta com o setor, propondo, sugerindo melhorias, trabalhando conosco, buscando ajustes, muitas vezes até para gerar maior rentabilidade dos motores e aprimorar o desempenho dos combustíveis. Então, isso tem sido muito positivo.
Olhando para os próximos 10 anos, o senhor acredita que podemos, de fato, transformar o país em uma potência global de energia renovável?
Não tenho a menor dúvida. Assim como somos, hoje, uma potência em energia hídrica, em energia eólica e solar, também seremos uma potência no setor de biocombustíveis. E, à medida que avançarmos, vamos ser menos dependentes dos combustíveis fósseis. E, com isso, teremos menos emissões de gases de efeito estufa, menos problemas, inclusive, na saúde humana. Melhoraremos a qualidade do ambiente, contribuiremos com o equilíbrio do planeta e, principalmente, fortaleceremos uma economia que gera emprego, renda e desenvolvimento sustentável.
Publicado no Correio Braziliense