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Entrevista

‘O mundo demanda uma nova indústria de celulose por ano’

Wilson Andrade, diretor executivo da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (Abaf), fala sobre o setor florestal da Bahia

02/08/2022 21h00

Foto: Divulgação 

O Brasil assumiu o compromisso de recuperar 16 milhões de hectares de áreas florestais desmatadas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 – COP26, em Glasgow, na Escócia. A área corresponde a 230 vezes o território de Salvador, ou a 16 milhões de campos de futebol. Foi um passo importante para a nação com o maior potencial para a economia de baixo carbono no planeta, reconhece Wilson Andrade, diretor executivo da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (Abaf). Porém, acrescenta, o compromisso só será atingido com a participação de todo o setor produtivo nacional. A Agricultura deve se estruturar para a prestação de serviços florestais. Já a indústria nacional precisa migrar para meios de produção de baixo carbono. E o setor florestal pode auxiliar bastante este processo, acredita Andrade. 

Este é um dos assuntos que serão tratados no VI Congresso Brasileiro de Reflorestamento Ambiental (VI CBRA), que a Abaf, o Centro de Desenvolvimento do Agronegócio (Cedagro/ES) e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) realizam de 3 a 5 de agosto de 2022, on line e presencial, em Salvador, no auditório da Fieb, no Stiep. Serão apresentadas estratégias para recuperar áreas degradadas, opções de financiamentos, além da apresentação dos benefícios econômicos da atividade e novas tecnologias para o plantio.  

Wilson Andrade é  economista, empresário, diretor e conselheiro da FIEB, presidente do Conselho Superior da ACB e diretor executivo da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (Abaf).

Qual é a importância do setor florestal para a Bahia? 

Nós representamos 4,5% das receitas de impostos arrecadados na Bahia, 5% do PIB (Produto Interno Bruto) do estado e isso só já é expressivo, porém, mais importante do que isso é o que nós levamos de desenvolvimento, de emprego de qualidade, formação de equipes, além de renda para as pessoas e os municípios. Eu ouso dizer que o emprego no interior tem impacto em dobro. Nós temos uma economia muito concentrada na Região Metropolitana de Salvador, chegando até Feira de Santana e é preciso ter mais atenção com o restante do estado. 

Falta diversificação da atividade econômica? 

O interior da Bahia tem um potencial espetacular, que precisa ser melhor utilizado. Eu cito como exemplo o projeto das unidades sucroalcooleiras, que estão sendo implantadas no município de Barra, que estava sendo liderado pelo vice-governador João Leão, quando foi secretário de Desenvolvimento Econômico e do Planejamento. Eu acho que este é um modelo interessante. Nós temos uma Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), que vai cortar a Bahia de um lado ao outro. Temos uma Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que, se recuperada, corta o estado de Norte a Sul, de Juazeiro até Minas Gerais. Ao longo desta estrutura logística, podemos desenvolver polos integrados agroindustriais. Mas é preciso planejar e oferecer isto ao mercado. Eu acho que é o que falta fazer no interior do estado. 

As indústrias de base florestal são muito associadas à produção de celulose, mas não se resumem a isto. Onde mais vocês atuam? 

Nós estamos muito bem na área de celulose, temos entre 14% e 16% da produção nacional, temos uma fábrica que produz aqui na Bahia a celulose solúvel, que é usada para fabricar tecidos e tem muitos outros usos. Hoje temos 3% da produção de papel nacional, o que eu acho muito pouco. Mas, veja, somos importadores de madeira para portas, tábuas, que é esta madeira que eu chamo de uso múltiplo. Nós não temos uma fábrica de MDF, essa madeira aglomerada que é usada para os armários embutidos. Enfim, nós temos uma preocupação com isso e um plano para, através da integração do pequeno e médio produtor de madeira ligado ao pequeno e médio agregador – serrarias, fabricantes de peças e móveis – ampliem o uso do produto local. Não tem sentido a Bahia ter produtividade recorde, a nível nacional e mundial, e importar madeira para a construção civil.  

O que falta para aproveitar este potencial? 

O setor florestal tem feito o seu esforço, mas é preciso estar muito próximo ao governo do estado e aos demais segmentos que nós atendemos. Eu quero citar um exemplo aqui, o setor de mineração faz o seu esforço na redução de emissões de carbono e compensações ambientais, mas ainda pode fazer muito mais. Veja o exemplo da Ferbasa, que tem a sua mineração, produz energia através das suas florestas plantadas e tem a siderúrgica, que faz o beneficiamento final, é um projeto integrado. Outras empresas do setor, que está em franco crescimento, podem utilizar este exemplo. As empresas do Polo de Camaçari estão buscando compensar as suas emissões de carbono, então podem buscar atividades e ações para capturar carbono, ou mesmo comprar de terceiros para equilibrar e chegar a ser Net Zero (neutralizar as próprias emissões). Nós temos a ideia de fazer aqui o que o Mato Grosso do Sul fez, um plano estadual para a área florestal nos próximos dez anos. Lá existiam 300 mil hectares há dez anos, hoje possuem 1,3 milhão de hectares. Nós tínhamos 500 mil hectares e hoje temos 700 mil hectares, ou seja temos uma taxa de crescimento que pode melhorar em todos os segmentos que utilizam madeira na Bahia. Por que não investimos mais no uso da biomassa para a produção de energia, como faz a DOW, por exemplo? Há uma demanda mundial pelo pallet, que é a madeira condensada, nós podemos suprir esta demanda.  

Como o setor encara a ideia defendida por muitos de que, principalmente quando falamos do eucalipto, as florestas plantadas degradariam o meio ambiente? 

Ainda tem gente que acredita que chupar manga e tomar leite mata. Nós estamos buscando, através do diálogo, de estudos técnicos, mostrar que esta não é a realidade. Olha um exemplo, a fábrica da Suzano, em Mucuri, produz há 60 anos nas mesmas fazendas, no mesmo solo, e o solo só faz enriquecer porque existe um cuidado. Quando se trabalha com a natureza, existe uma palavra muito usada, zelar. O pequeno produtor usa muito isso. Ele tem a terra dele, sabe o quanto aquilo vale e que é dali que sai o sustento dele. É o patrimônio dele. Quando se tem bons projetos, bem administrados, como o setor florestal tem, o que acontece é uma melhor no uso dos recursos hídricos, há um aumento na captura de carbono, tanto nas raízes, caules e folhas das plantas. Nós não trazemos apenas benefícios econômicos e sociais, tem os benefícios ambientais também. Olha, 22% da madeira que as indústrias grandes consomem na Bahia vêm de pequenos e médios produtores e este volume, com assistência, tecnologia e o acompanhamento devido, vêm crescendo 10% ao ano.

Como você enxerga as discussões para flexibilizar as regras para a propriedade de terras por estrangeiros? 

O mundo demanda hoje, pelo crescimento da população e da renda, por produtos de madeira. Eu digo sempre que a gente usa a madeira do berço ao caixão, passando pela cadeira do escritório, da porta de casa, usamos no dia a dia, de diversas formas. No catchup, no sorvete, você encontra a celulose especial. Na cápsula do comprimido tem madeira, na TV LED. Enfim, este consumo está sempre crescendo. Só para te dar um exemplo, há uma demanda para a implantação de uma grande indústria de celulose por ano no mundo. Aí estamos falando de um investimento entre R$ 12 e 14 bilhões. Esta mesma indústria vai requerer entre 120 e 130 mil hectares de eucalipto plantados. E esta mesma indústria vai requerer os 120 ou 130 mil hectare de áreas preservadas. 

O setor trabalha com uma meta de 1 para 1. Plantamos em sistema de mosaico, integrado à mata nativa, protegendo uma área proporcional à que usamos para produzir. Não existem outros locais como o Brasil, com disponibilidade de áreas já deterioradas pela ação do homem, já antropizadas, como temos aqui. São aproximadamente 100 milhões de hectares de áreas degradadas, que é onde nós plantamos.  

Temos a possibilidade de instalar essas fábricas no país e quem tem recursos e interesse para investir vem de fora. Nós só precisamos discutir a burocracia que existe para permitir a compra de áreas de tamanhos razoáveis para que as fábricas se instalem. Por que o medo do estrangeiro? Ora, se eu tenho CNPJ no Brasil, se sigo as regras ambientais, trabalhistas e fiscais do país, se pago imposto aqui e gero empregos aqui, eu sou uma empresa brasileira. Será que alguém acredita que vão carregar 100 mil hectares daqui e levar para outro lugar? 

O setor florestal desmata para produzir? 

O uso de mata nativa é zero. Pelo contrário, o Código Florestal Brasileiro estabelece a preservação de 20% da área de fazenda. Na  Amazônia, se você compra uma área, 80% precisa ser preservada e os fazendeiros não se revoltaram com isso. Se tiver um incêndio, mesmo que não seja culpa sua, você precisa recuperar, se há um roubo de madeira, o produtor responde, mesmo não tendo culpa, porque ele assume a obrigação de proteger ambientalmente aquele espaço. No mundo, ninguém tem o que nós brasileiros temos, 65% de cobertura vegetal natural, como estava quando Pedro Álvarez Cabral chegou aqui. 

Como está o desempenho do setor florestal? 

O setor foi muito demandado durante a pandemia e este cenário se mantém. Alguns países reduziram as atividades, acreditando numa crise maior, mas no Brasil nós só fizemos crescer em todas as áreas relacionadas à madeira. Eu te dou o exemplo de materiais hospitalares, o delivery de alimentos aumentou, com uma demanda crescente por produtos recicláveis e isso tudo requer embalagens. Muito importante para sustentar é o investimento em tecnologia. Hoje, a caixa do Tetrapak que mantém o leite, o suco e a bebida ainda leva uma folha de alumínio e uma ou duas folhas de plástico, mas a tecnologia já permite a produção apenas com papel. É uma contribuição para a substituição de produtos fósseis ou não renováveis por produtos naturais, renováveis e produzidos em bases ambientais muito positivas. Estamos falando de empresas que produzem energia elétrica a partir dos seus resíduos. Boa parte da energia do Sul da Bahia é proveniente das indústrias de celulose.  

Como vocês trabalham a restauração florestal? 

Decidimos fazer mais do que precisamos. O Brasil teve uma posição corajosa na COP26, na Escócia, ampliando os compromissos que tinha antes, chegando a quase 16 milhões de hectares preservados e isso, naturalmente vai chegar para as empresas.  

Como atingir esta meta? 

Precisamos refletir sobre o Código Florestal brasileiro. Como disse, os fazendeiros aceitaram essas regras, entendendo que é bom para eles. Acreditamos que quem fizer além do mínimo estabelecido merecerá, deve merecer, pagamentos por serviços ambientais ou possa vender crédito de carbono pelo excesso de proteção que fizeram. O problema é que hoje isto está travado. Quase 7 milhões de hectares foram cadastrados por produtores nos bancos de dados federal e dos estados. Apenas 8% já foram analisados. 

Por que o percentual das florestas plantadas é de 50%? 

É mais do que o dobro do que o Código Florestal exige. Essa é uma questão muito importante para nós, foi uma opção que nós fizemos para a contribuição da recuperação ambiental. A exigência da lei é de 20%. É importante para a imagem do país lá fora. Na hora que a gente diz para nossos clientes que temos a obrigação de preservar 20%, mas eu mostro que preservamos 50%, sem dúvida é algo que nos coloca em vantagem. O mundo, não apenas os países ou governos, mas o consumidor cada vez mais vai exigir isso de nós. O setor florestal brasileiro é quase totalmente certificado nacionalmente e internacionalmente também.  

Esse posicionamento do consumidor acaba sendo mais importante que a própria legislação. 

Sem dúvidas. Se não for comprovadamente responsável, vai ter dificuldades para acessar diversos mercados. Nós temos na Bahia alguns outros setores que estão bem organizados, como o próprio algodão e a soja, porém há outros, como a piaçava, o sisal e outros que estão bastante atrasados. É preciso zelar.  

Publicado no CORREIO