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Artigo

O shale gas de Vaca Muerta

Adary Oliveira

02/03/2022 06h08

Foto: Divulgação

A formação geológica conhecida como Vaca Muerta, localizada na Bacia de Neuquén, no norte da Patagônia, na Argentina, foi descoberta em 2010 pela Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), empresa estatal dedicada à exploração, refino e venda do petróleo e seus produtos derivados. A sua formação rochosa é do tipo folhelho e é rica em petróleo e gás natural. As reservas totais provadas são de cerca de 3,58 bilhões de m3 de petróleo e de 8,7 trilhões de m3 de gás natural. A produção do gás natural está crescendo rapidamente e alcançou 130 milhões de m3/dia (MM m3/dia) em janeiro deste ano. Para se fazer uma comparação, a produção média de gás natural do Brasil.

Em 22/02 o governo argentino anunciou a concessão para construção e operação do Gasoduto Néstor Kirchner para a empresa Integración Energética Argentina S.A. (Ieasa) que deverá levar o gás natural de Vaca Muerta para a província de Buenos Aires. O investimento está estimado em US$ 1,5 bilhão, deverá transportar 24 MM m3/dia do gás e entrar em operação no inverno de 2023. Significativa parte do gás natural é do tipo chamado não convencional, também conhecido como shale gas, tirado por fraturamento hidráulico. O shale gas tem baixo custo de extração e a jazida, comparável geologicamente com a Eagle Ford Shale, no Sul do Texas, nos Estados Unidos, é considerada uma das maiores do mundo.

Mas o que tudo isso tem a ver com o Brasil? É o que vou descrever a seguir. O Brasil, que importou uma média 58 MM de m3/dia de gás natural (GN) em 2021, somando-se ao importado da Bolívia o gás liquefeito (GNL) vindo de outros países, poderia passar a importar da Argentina em futuro não muito distante. Existem dois caminhos. O primeiro, é do gasoduto que vai em direção Norte encontrando-se com o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) em Rio Grande, na Bolívia. O Gasbol, como se sabe, conecta-se à rede de gasodutos brasileiros em São Paulo. O segundo, é do gasoduto que vai até Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. A ligação de Uruguaiana com a rede de gasodutos do Brasil se fará em Porto Alegre, quando for concluída a construção de mais 600 km de gasoduto. Assim, enquanto o Brasil não for autossuficiente na produção de GN, terá, além da importação do GN boliviano e do GNL de outros países, mais uma fonte de suprimento de GN vindo da Argentina.

De tal modo, o GN passa a ser de fato um importante instrumento de integração dos países do Cone Sul, contribuindo para a redução da emissão de gases poluidores quando queimado para gerar calor e eletricidade, e um insumo de alto valimento usado como matéria-prima na fabricação do gás de síntese, gerador de metanol e de amônia para a manufatura de dezenas de produtos químicos. Se adotada uma política de preços baixos para o GN, ele será indutor de muitos investimentos na área da indústria química, reduzindo e eliminando importações de vários produtos e contribuindo para o enriquecimento da região. Atualmente existem gasodutos no Brasil que vão de Porto Alegre a Fortaleza interligados ao Gasbol, todos operados por empresas transportadoras privadas, integrados com as companhias distribuidoras instaladas nos estados.

O GN, como é do conhecimento geral, é rico em metano e melhor combustível que o butano, gás de petróleo das refinarias. Algumas cidades brasileiras já usam o GN nas residências, distribuídos pelas companhias estaduais através de gasodutos urbanos. A implementação do uso do GN nas cidades nos livraria do botijão de gás e nos desatrelaria do preço internacional do petróleo. Movimento nesse sentido deveria ser feito pelos governos estaduais, controladores da maioria das empresas distribuidoras. A preferência que essas empresas têm na venda do GN aos grandes consumidores urbanos, tais como condomínios, hospitais, padarias, shoppings centers etc. deixa para segundo plano o suprimento das residências menores, onde o reduzido consumo é de restrito apelo comercial. Esse tema deveria estar presente nos programas de governo que os candidatos certamente colocarão sobre suas mesas, inclusive reduzindo a aceitação das provocações cujos revides reduzem as cordialidades próprias dos bons costumes.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

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