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Entrevista

“Patrulhar nossa Amazônia Azul é um desafio enorme”

Vice-Almirante Humberto comenta a importância da Marinha para proteger as riquezas advindas do oceano e assegurar a soberania nacional

29/06/2021 15h00

Foto: Divulgação

“Projetar ainda mais os marinheiros ao mar, onde ninguém vê, para garantir algo que pertence a todos os brasileiros”. É desta forma que o Vice-Almirante Humberto Caldas Junior, comandante do 2º Distrito Naval, sintetiza a missão da Marinha do Brasil, instituição responsável por patrulhar e assegurar a soberania do nosso extenso litoral, cuja zona econômica exclusiva abriga 95% do comércio exterior, e produz 91% do petróleo e 73% do gás natural consumidos no país.

Nesta entrevista ao Correio, o Vice-Almirante, que ocupa o atual posto desde março de 2020 e tem no currículo a experiência de ter sido tripulante da Fragata Niterói, além dos submarinos Timbira, Tamoio e Tupi, comenta os desafios voltados à “Amazônia Azul” e a importância estratégica da Baía de Todos os Santos para a Independência da Bahia.

O Brasil possui uma das Zonas Econômicas Exclusivas mais amplas do mundo. De que forma a Marinha pode contribuir para “trazer” o mar para o Brasil?

À Marinha do Brasil foi designada a missão constitucional de garantir nossa soberania no mar e proteger nossas riquezas. Patrulhar nossas águas jurisdicionais é uma tarefa desafiadora, uma vez que nosso litoral é extenso, possuindo 7.491 Km, gerando uma zona econômica exclusiva de 3,5 milhões de Km2 por onde circula 95% comércio exterior, é extraído 91% de nosso petróleo e 73% de nosso gás natural. Além disso, é uma das mais valiosas reservas naturais de proteína oriunda do pescado. Há cerca de quatro décadas, era inconcebível a exploração de petróleo a grandes profundidades, porém, os avanços tecnológicos tornaram possíveis tal feito, e, atualmente, a extração de recursos do pré-sal é uma realidade nacional. Com os avanços nas tecnologias de exploração sustentável, muitos recursos naturais disponíveis na nossa Amazônia Azul se tornarão economicamente viáveis. Acredito que, como sempre, a principal contribuição da Marinha em “trazer” o mar para o Brasil é impedir que ele seja levado para longe, por força de intervenções contrárias à vontade do povo. Em suma, nossa missão é projetar ainda mais nossos marinheiros ao mar, onde ninguém vê, para garantir algo que pertence a todos os brasileiros, para isso, precisamos de novos navios, pois, a maioria das atuais embarcações da Marinha possuem cerca de 50 anos de serviço. Em paralelo, a Marinha também atua junto à sociedade para que a consciência acerca da nossa soberania marítima se potencialize. Por meio do fomento ao desenvolvimento das atividades relacionadas à economia do mar, atuamos como catalizadores e formadores de uma consciência direcionada para o aproveitamento de nossas águas jurisdicionais de maneira segura, produtiva e sustentável. 

É possível que a chamada área pertencente à nossa Amazônia Azul seja ampliada?

Em pleno século 21, o mar ainda é um ambiente com muitas regiões inexploradas. Um exemplo disso foi a recente apresentação, à ONU, do “Relatório de Levantamento Geofísico” referente à alteração do limite oriental-meridional de nossa Plataforma Continental. A elaboração deste relatório foi liderada pela Marinha que, por meio de seus Navios Hidrográficos, dotados de sensores de última geração, efetuou o mapeamento do leito oceânico para a obtenção dos dados que fundamentaram a produção documental. Esse esforço ampliou a extensão de plataforma em 1,2 milhões de Km2, aumentando a área da Amazônia Azul para 5,7 milhões de Km2.

Estamos a poucos dias da data de Independência da Bahia. Qual foi a importância da chegada da Esquadra Brasileira em 4 de maio de 1823?

O ato de independência de 7 de setembro de 1822 teve que ser consolidado militarmente. Nesta vertente, a Marinha teve participação fundamental em manter a unidade nacional. Na Bahia, as hostilidades entre os lusitanos fiéis às cortes portuguesas e os brasileiros nacionalistas acirraram-se antes mesmo da proclamação do Imperador D. Pedro I, e, com a chegada de novas tropas portuguesas, houve combates em localidades na região do Recôncavo, onde a resistência brasileira estava estabelecida e organizada, enquanto os lusitanos concentravam-se em Salvador, recebendo reforços e suprimentos por via marítima. Em 4 de maio de 1823, com a chegada da recém criada Esquadra Brasileira comandada pelo Almirante Cochrane, ocorreu uma intensa batalha naval nas proximidades da Baía de Todos os Santos, que culminou em vantagem para nossos marinheiros, que conseguiram estabelecer um bloqueio naval entre Morro de São Paulo e Salvador. A partir daquela data, as forças oponentes estariam privadas de serem abastecidas com reforços de pessoal, víveres e munições. Estava estabelecido o cerco ao inimigo, sitiado entre o mar e a região do Recôncavo, tendo sucumbido às forças brasileiras em 2 de julho de 1823. Esse importante combate naval teve a participação do então Aspirante Joaquim Marques Lisboa, futuro Marquês de Tamandaré e Patrono da Marinha do Brasil.  

Como o senhor define a vocação marítima da Bahia?

Em 1549, Salvador foi nomeada a primeira capital brasileira, tornando-se um polo de construção naval, em função das facilidades na oferta de madeira e de mão de obra especializada para a construção de embarcações. Não se sabe ao certo qual a data de criação do primeiro saveiro, mas, no início século 18, havia muitos exemplares navegando na Baía de Todos-os-Santos. Por isso, esta embarcação é considerada como o mais brasileiro dos barcos, os quais se amontoavam na rampa do Mercado Modelo, transportando pessoal e mercadorias entre o Recôncavo e Salvador, tarefa relevante para o desenvolvimento do comércio regional. Como podemos perceber, a ligação entre a sociedade baiana e o mar é antiga. Nos dias atuais, a Baía de Todos-os-Santos encontra-se em transformação. Nos últimos dez anos, o número de embarcações inscritas na Capitania dos Portos dobrou. A concessão das áreas portuárias para a iniciativa privada elevou os níveis de eficiência dos portos. Muitos deles operam com estiva altamente mecanizada, controlada por computadores, com um mínimo de intervenção humana e máxima eficiência, fazendo o tráfego de Navios Mercantes apresentar um grande crescimento. Em paralelo, o número de marinas e de píeres cresceu proporcionalmente à oferta da rede hoteleira, gerando condições para um intenso desenvolvimento do turismo náutico.

Qual é a importância da Baía de Todos-os-Santos no contexto do desenvolvimento sustentável da Amazônia Azul?

Felizmente, a automação dos terminais portuários contribui para a redução dos riscos atrelados à ocorrência de acidentes no interior da baía de Todos os Santos. Além disso, a dinâmica de correntes de maré e as profundidades da nossa baía proporcionam uma constante renovação das águas interiores que, atreladas à crescente consciência ecológica na sociedade baiana, geram condições excepcionais para o desenvolvimento do ecoturismo. Nesse contexto, a criação de Parques Marinhos, tais como o Parque da Barra, favorece a preservação da fauna e da flora marinhas, favorecendo a atividade de mergulho recreativo. Adicionalmente, nossa Baía de Todos-os-Santos também é um grande cluster de esportes náuticos, oferecendo condições ideais para prática de vela, stand up, remo, surf e windsurf.

Quais são os maiores desafios da Marinha atualmente no que diz respeito ao trabalho de assegurar a soberania nacional dos mares brasileiros e proteger as riquezas do país sob sua jurisdição?

Sem nenhuma sombra de dúvida, patrulhar nossa Amazônia Azul, uma área de 5,7 milhões de Km2, é um enorme desafio, sobretudo quando falamos dos aspectos logísticos atrelados à permanência dos navios nas longínquas áreas marítimas de patrulha. Nesse ínterim, o segredo para o sucesso das operações é a cooperação com os demais órgãos públicos de segurança, nas esferas federais e estaduais. Esta forma de operar, em conjunto, propicia um emprego otimizado dos meios, já direcionados para as áreas onde ocorrem delitos. Com o aperfeiçoamento do compartilhamento de informações, foi possível à Marinha a obtenção de sucesso no apresamento de pesqueiros estrangeiros realizando pesca ilegal em nossas águas jurisdicionais, e interceptar o tráfego de toneladas de drogas em transporte por vias marítimas e fluviais.

Mais especificamente, o 2o Distrito Naval possui uma jurisdição de, aproximadamente 500 mil Km2 da Amazônia Azul, correspondente aos litorais da Bahia e de Sergipe.

Para vencer esses obstáculos, estabelecemos uma estreita cooperação com vários órgãos públicos de segurança, sobretudo na área de inteligência. Dessa forma, empregamos nossos navios de forma inteligente e direcionada. Um bom exemplo desse emprego são as recentes apreensões de cigarros falsificados sendo transportados por grandes barcos pesqueiros em nossa área de jurisdição. Ao total, quatro barcos foram apresados com uma carga total de mais de 200 toneladas.

De que forma os investimentos em pesquisa marítima e o desenvolvimento de novas tecnologias podem ser capazes de impulsionar ainda mais, nos próximos anos, a Economia do Mar?

A Marinha dá um enorme suporte à pesquisa relacionada ao ambiente marinho. Atualmente, há dezenas de estudos sendo realizadas nos laboratórios da Estação Comandante Ferraz, na Antártica. Para que se possa ter uma ideia, há pesquisas na área biológica que analisam os mecanismos físicos e biológicos que levam algumas espécies de musgos a resistirem a temperaturas de -80o centígrados. O intuito é aplicar esta biotecnologia em isolamentos térmicos para estruturas aeronáuticas, motores e vestimentas. Uma outra tecnologia que será desenvolvida com base nos conhecimentos adquiridos no Programa Nuclear da Marinha é a técnica de irradiação de alimentos, uma espécie de “pasteurização” a frio que retarda o amadurecimento, a maturação e o apodrecimento das frutas por semanas. No caso dos grãos, poderão permanecer intactos por mais de 20 anos. Sem o emprego desta tecnologia, o Brasil é 3o maior produtor de frutas do mundo, entretanto, atualmente, no ranking de exportação, ocupamos a 23a posição. Essa tecnologia, uma vez dominada, permitirá ainda mais competitividade ao nosso agronegócio. No desenvolvimento de fontes de energia, também pelo seu programa nuclear que, além de projetar e construir um reator para nosso futuro submarino de propulsão nuclear, também será a base de programas de geração de energia com tecnologia 100% nacional.

Publicado no Correio