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Artigo

Renovar a concessão da FCA deve fomentar investimentos

Gesner Oliveira

13/03/2021 07h00

Foto: Divulgação

É amplamente reconhecido o significativo atraso no setor ferroviário brasileiro. Na matriz de transportes de carga do país, a participação das ferrovias é de 15%, contra 65% das rodovias. Já em países como Canadá e Austrália, o sistema ferroviário responde por 43% e 46% do total, respectivamente. Na Rússia tal parcela é de incríveis 81%.

A densidade da malha ferroviária brasileira também é baixa e concentrada nas Regiões Sul e Sudeste, muito aquém daquela observada em países como China e Estados Unidos. Segundo o Global Competitiveness Index de 2019, do Fórum Econômico Mundial, de um total de 141 países, o Brasil ocupa as posições 86º e 78º na eficiência dos serviços de trem e na densidade ferroviária, respectivamente.

Tal cenário, comum a qualquer setor da infraestrutura brasileira, está diretamente relacionado com o subinvestimento no setor ferroviário. Nos últimos anos houve uma diminuição significativa do total de investimentos, principalmente por parte do setor público. De acordo com dados do Observatório Nacional de Transporte e Logística (ONTL), a média anual do total de investimentos entre 2010 e 2019 foi de apenas R$ 7 bilhões. Em 2010, foram investidos R$ 6,7 bilhões, enquanto em 2019 tal montante caiu para R$ 4,4 bilhões, dos quais 86% foram privados.

Tal cenário contrasta com a importância do segmento para a economia brasileira. Exercício realizado pela GO Associados com base na última versão da Matriz de Insumo-Produto (MIP) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2015, indica que o efeito multiplicador da indústria de transportes terrestres, a qual contempla o segmento ferroviário, é de 1,99. O que significa que choques de demanda ou produtividade nesse setor possuem a capacidade de praticamente dobrar seu valor inicial em termos de produção nacional através do encadeamento interindustrial do setor.

Estima-se ainda que, caso o setor de transportes terrestres fosse removido da economia brasileira, haveria queda de quase R$ 600 bilhões na produção nacional, ou 6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Dentre os setores mais dependentes dos transportes terrestres destacam-se o refino de petróleo e coquerias, a extração de petróleo e gás, a fabricação de peças e acessórios para veículos automotores, a fabricação de biocombustíveis e a fabricação de produtos de borracha e material plástico.

Exercício que calcula os índices de ligação para frente e para trás (“Rasmussen-Hirschman”) de todos os 67 setores disponíveis na última versão da MIP do IBGE, de 2015, indica que o setor de transportes terrestres é o segundo setor mais importante para a economia brasileira em termos de encadeamento interindustrial. Perde apenas para o refino de petróleo e coquerias. O segmento ferroviário, portanto, como parte integrante do setor de transportes terrestres, pode ser considerado um “setor-chave” para a economia.

As enormes lacunas na infraestrutura de transportes ferroviários constituem, portanto, enormes oportunidades. A infraestrutura representa a fronteira de expansão para uma retomada da economia, de modo que urge fomentar investimentos neste setor. O rombo fiscal, no entanto, limita a participação do setor público. Daí a importância de atrair capital do setor privado.

Neste sentido, a renovação antecipada do contrato de concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) até 2056, que constitui a maior ferrovia do Brasil e o principal eixo de integração entre as regiões Sudeste, Nordeste e Centro-oeste, representa uma medida importante para fomentar uma nova onda de investimentos e transformações nos próximos anos, com uma série de benefícios socioeconômicos.

Por meio da Audiência Pública nº 12/2020, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem colhido sugestões dos mais diversos segmentos para o aprimoramento dos estudos acerca da prorrogação antecipada da FCA. Trata-se, desse modo, de processo amplo e transparente, como devem ser as consultas públicas.

A proposta prevê R$ 13,8 bilhões de investimentos na operação ferroviária divididos em novos vagões e locomotivas, modernização da linha, construção e ampliação de pátios, sistemas de sinalização e manutenção dos ativos. Exercícios com base na MIP do IBGE, considerando este novo vetor de investimento a ser antecipado, indica um incremento de R$ 51,48 bilhões na produção nacional por meio dos efeitos multiplicadores. A maior parte deste incremento ocorrerá no setor industrial (R$ 26 bilhões).

Os supracitados investimentos teriam potencial de gerar, ao longo do novo período de concessão, quase 370 mil postos de trabalho, principalmente na indústria e no setor de serviços. Este aumento, por sua vez, permitiria uma expansão da massa salarial da ordem de R$ 7,2 bilhões. Tais aumentos totais da demanda e dos empregos na economia têm potencial de gerar um incremento da arrecadação de tributos de cerca de R$ 1 bilhão.

A alternativa de antecipar a prorrogação do contrato de concessão da FCA torna-se ainda mais atraente quando se consideram os inúmeros benefícios socioeconômicos advindos dos investimentos que seriam realizados com antecedência na malha ferroviária. Destacam-se: (i) migração de carga do modo rodoviário para o ferroviário, devido à maior capacidade da linha férrea; (ii) redução do custo de transporte ferroviário em relação ao atual, devido à maior eficiência operacional propiciada pelos investimentos; (iii) redução da emissão de poluentes devido à migração de cargas da rodovia para a ferrovia; (iv) redução de acidentes, também devido à migração de cargas para a ferrovia; (v) postergação de investimentos nas rodovias, pelo menor tráfego de caminhões após a migração de cargas para a ferrovia; e (vi) melhoria da qualidade de vida da população pelos investimentos em conflitos urbanos.

Vale dizer que tais benefícios serão auferidos pelos usuários das ferrovias, a partir da redução no custo do transporte, e pela sociedade como um todo, resultado das externalidades positivas da menor emissão de poluentes e diminuição no número de acidentes.

Ademais, o processo da renovação antecipada traz questões relativas à devolução de trechos antieconômicos. Embora, seja um processo que independe da renovação antecipada do contrato, é fundamental para um desenvolvimento eficiente que proporcione saltos de produtividade, tanto da FCA quanto do setor como um todo.

Nos EUA, por exemplo, o setor ferroviário era fortemente regulado no passado, inclusive com controle de preços. A malha era extensa e pouco produtiva. Em 1980, com a assinatura do Staggers Rail Act, estimulou-se a competição, tornando-se possível abandonar vias pouco atraentes e definir preços de frete. Com isso, surgiram as short lines, que são definidas comoempresas ferroviárias de pequeno ou médio porte e que operam linhas com comprimento relativamente curto em relação às linhas troncais da rede ferroviária. As short lines assumiram um papel de agente indutor do desenvolvimento do transporte ferroviário de cargas nos EUA.

Em quase 40 anos, a produtividade do sistema ferroviário americano triplicou, o volume de cargas quase duplicou e as tarifas se reduziram em cerca de 40% quando ajustadas pela inflação. Isso significa que o transportador ferroviário passou a movimentar muito mais carga pelo mesmo preço que pagava há quase quatro décadas.

Dessa forma, é evidente o potencial no Brasil do estabelecimento de short lines. Além de uma série de outras opções ferroviárias, cita-se como exemplo: trens turísticos, trens intercidades e VLTs. Além disso, são também inúmeras as possibilidades de usos não ferroviários para ativos que já foram objeto de exploração ferroviária. Destacam-se: espaços comerciais, comunitários, culturais ou arranjos produtivos locais de diferentes portes, usos urbanísticos com maior ou menor componente social e fins agropecuários quando em área rural.

Por fim, a VLI, controladora da concessionária FCA SA, construiu seis terminais integradores em pontos estratégicos próximos a malha ferroviária da FCA, substituindo diversos pontos de carregamento em terminais ineficientes. Isto posto, são diversos os benefícios ligados à integração dos centros logísticos da VLI à FCA. Uma composição com 80 vagões, que, antes, demorava quase 65 horas para ser carregada, hoje leva pouco mais de seis horas. Elevou-se a eficiência das operações nos terminais, o que permitiu reduzir o custo logístico total dos clientes na movimentação de seus produtos.

Em síntese, a renovação antecipada da concessão da FCA apresenta diversas vantajosidades que possuem latentes formas de aumentar a eficiência, a produtividade e o desenvolvimento tanto a nível regional quanto nacional. Trata-se de alternativa que permitirá antecipar investimentos e aprimorar a regulação. O país não pode esperar tanto por investimentos urgentes em sua infraestrutura ferroviária sob pena de comprometer a competitividade nacional.

Gesner Oliveira é ex-presidente do CADE, professor da Fundação Getulio Vargas e sócio da GO Associados.

Artigo publicado na Revista Ferroviária

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