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Entrevista

Setor têxtil deve fechar o ano com crescimento de até 9%

Fernando Pimentel, presidente da Abit, frisa que ainda há muito o que fazer

22/10/2021 17h00

Foto: Divulgação

Crescer sob estresse é a rotina do mercado, mas o Brasil de 2021 levou esse desafio a um novo patamar. Diante da volatilidade de um cenário econômico pautado por idas e vindas da agenda econômica, ameaças ao sistema político e por uma crise sanitária sem precedentes na história moderna, o setor têxtil deve fechar o ano com crescimento de até 9% e acima do patamar de 2019. É cedo demais para comemorar, no entanto. Em entrevista à DINHEIRO, Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), frisa que ainda há muito o que fazer. Além de pressionar o andamento da agenda de reformas, entendida como crucial para redução do Custo Brasil, a indústria tem problemas próprios para resolver, como o avanço dos e-commerces cross border no País e a desestruturação da cadeia global de suprimentos. A Abit é a voz de uma indústria que produz 85% do que é consumido no setor, emprega 1,5 milhão de brasileiros e agrega 280 mil empresas, e por isso seu protesto ecoa no cenário nacional.

Qual é a situação da indústria têxtil e de confecção no Brasil hoje?

Tivemos uma recuperação rápida da indústria a partir de agosto de 2020, mas o ritmo do varejo arrefeceu com a retirada do auxílio emergencial e a alta inflacionária. Apesar de incertezas com o aumento dos juros, acreditamos que o ano está garantido no setor. Devemos fechar 2021 com crescimento do setor têxtil entre 7% e 9%, 3 pontos porcentuais acima do nível de 2019, e o segmento de vestuário deve ter alta de 14% no ano, mas ainda 4 pontos porcentuais abaixo do patamar pré-pandemia. Com a retomada em maio, começamos a sentir a pressão dos custos com energia, matéria-prima e frete. Estamos buscando um alinhamento dos negócios com o que está acontecendo na ponta para não afastar o consumidor das compras, já que os gastos com itens básicos têm sugado o orçamento das famílias.

Quais são as iniciativas que poderiam equacionar custo produtivo e preço?

É a redução do Custo Brasil. Nos últimos 40 anos, perdemos 20: a década de 1980, com a crise do petróleo e a dívida; e a última década, em que crescemos a 0,2% ao ano em média, enquanto o mundo cresceu a 3% ao ano. Aprovar as reformas é crucial para recuperar nosso atraso econômico. Um crescimento de forma sustentada e sustentável giraria em torno de 4% ao ano. Colaboramos com o estudo do Boston Consulting Group que mostrou que o setor produtivo no País paga R$ 1,5 trilhão a mais na comparação com a média de custos em outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse peso extra afeta a cadeia de geração de emprego e renda. Desse volume, dois terços passam pelo Congresso, e o restante passa pelo executivo. Por isso, junto a outras entidades, decidimos criar um observatório de propostas, como a Nova Lei do Gás, Programa BR do Mar e as reformas, que impactam esse cenário. Esse projeto é uma agenda de Estado, e não de governo. Assim, quem assumir o Brasil no próximo ano, terá um norte para o que precisa vir adiante.

A associação se mostrou insatisfeita com o texto da reforma tributária como foi apresentado. O que frustrou a expectativa?

A direção da proposta é correta, no sentido de reduzir a taxação sobre os lucros das empresas e de melhorar as possibilidades de investimentos, mas há pendências como a calibragem, fim dos juros sobre capital próprio e taxação de lucros acumulados anteriormente à reforma – pontos aos quais temos objeções. Já a proposta para o IPI como imposto eletivo está incerta. Outro ponto de discussão é se o projeto vai andar. Com o fim de ano, o horizonte está se estreitando.

Qual é a expectativa do setor para o próximo ano?

Ainda temos uma série de opacidades. Prevemos crescimento do PIB em 2022, mas não mais com o mesmo ímpeto que a projeção de três meses atrás. O setor pode acompanhar o PIB (entre 1 e 2%), mas, antes, temos vários assuntos a resolver. O principal é o arranjo da cadeia global de suprimentos, que também afeta a logística e o custo de matérias-primas. Também não acreditamos que haverá folga no preço da energia. Tudo isso à parte, ainda será um ano de ruídos políticos, o que deve tensionar os mercados. As reformas fundamentais ou andam neste ano ou vão marcar passo no ano que vem.

Há risco de desabastecimento da cadeia?

De certa forma, essa desestruturação da rede global de suprimentos favorece a indústria nacional por termos todos os elos aqui, de matérias-primas a alternativas de trabalho. Além disso, o prognóstico do ano é de desincentivo da demanda de consumo, o que segura o cenário de abastecimento. O fator mais crítico aqui é o do frete, com aumento de 16% das exportações e de 30% em importações. Com o estresse logístico e aumento do custo com transporte, além da imprevisibilidade de prazos de entrega, é provável que caia a importação de insumos.

A safra do algodão neste ano foi 20% menor que as safras anteriores. Como essa pressão pode impactar os custos na cadeia têxtil?

Neste ano, ainda há problemas de logística que dificultam a exportação. Isto reconfigura o cenário a favor do mercado interno. Hoje, a alta do preço do algodão, que passa dos US$ 2,50/kg [aumento de 55% no ano], impacta o setor a ponto de termos que considerar matérias-primas substitutas. De uma safra de 2,4 milhões de toneladas, temos, teoricamente, 600 mil toneladas para a cadeia nacional. Mesmo que esteja dentro da faixa de consumo para o ano, é um ponto de atenção para a indústria.

Com o aumento de fusões e aquisições e concentração do mercado nas mãos das grandes empresas, ficou mais difícil para a indústria negociar pedidos?

A concentração não é boa, mas o mercado brasileiro ainda é muito pulverizado. Somados, os grandes varejistas têm em torno de 25% de participação. A novidade foi o fortalecimento do e-commerce e, neste sentido, os grandes players ganham em capacidade de penetração. O que nos preocupa mais é o cross border e a forma com que essa operação se consolida, muitas vezes sem pagamento dos impostos devidos, minando as capacidades competitivas das empresas locais.

Como a Abit reagiu a essa pressão do mercado?

Precisamos de uma evolução dos padrões de relacionamento fornecedor-cliente, por isso encaminhamos um documento à associação que representa grandes varejistas para discutir o protocolo de recomendações de melhores práticas. Esse é um movimento global motivado pela conduta dos grandes varejistas no mundo que, na pandemia, cancelaram pedidos ou deram calote. No Brasil, isso foi pontual, mas aconteceu.

A associação é signatária do manifesto da Fiesp por harmonia entre os poderes, após os episódios de ataques à democracia em 7 de setembro. O setor entende que o pedido vem sendo respeitado desde então?

O cenário melhorou, mas ainda não é o ideal. O Brasil tem desafios de lidar com disparidades de agendas, o que dificulta a consonância. A democracia costuma ser ruidosa, porém dependemos de consensos mínimos para trabalhar no projeto de País que queremos pelos próximos 15 anos. Hoje, essa agenda passa pela bioeconomia e pela biotecnologia em prol de uma sociedade menos desigual.

O que o setor espera do governo que assumirá o país em 2023?

Um governo com visão de Estado que tenha a democracia e o capitalismo de livre mercado como norte. No entanto, ainda precisamos de iniciativas de inclusão atreladas a uma agenda de desenvolvimento econômico. Pagamos muito caro [em tributos] e temos pouco retorno.

Publicado em ISTO É Dinheiro