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Gestão Pública

Só o lockdown pode conter o avanço da Covid-19 na Bahia

Especialistas explicam a necessidade da medida com a saturação dos sistemas de saúde público e privado

26/02/2021 16h40

Foto: Divulgação

A Bahia está à beira de um colapso. No entanto, há quem ainda torça o nariz quando o assunto é medida restritiva de combate à Covid-19. “Na atual conjuntura, é a única coisa que a gente pode fazer”, dispara o infectologista da SOS Vida, Dr. Matheus Todt. A atual conjuntura de que Todt refere é o pior cenário da pandemia na Bahia. Nas últimas duas semanas, o estado viu se agravar o número de pessoas contaminadas, o que refletiu diretamente na ocupação dos leitos de UTI. Na quinta-feira (25), 82% desses leitos estavam ocupados. Em Salvador, esse número chegou a 84%. “Essa é uma medida de desespero, não é uma medida fácil, mas é o que temos. Senão, as pessoas vão morrer”, acrescenta Dr. Matheus Todt. 

O infectologista da SOS Vida explica que o lockdown é necessário para aliviar a saturação dos leitos de UTI e desafogar os sistemas de saúde. “É uma medida acertada e o quanto antes ela for tomada, maior será o impacto no número de óbitos", avalia. Número esse que, na quinta-feira (25) já bateu o recorde de toda a pandemia: foram 100 pessoas mortas em 24 horas. 

Segundo Todt, o lockdown é relevante por ser uma medida de prevenção. “Quando você distancia as pessoas, reduz a possibilidade de contaminação. Consequentemente, vai ter mais tempo entre uma infecção e outra, entre um paciente e outro nos hospitais. Então, se tivermos esse tempo, vamos ter um cenário melhor do que o de agora”, explica.

A biomédica, doutora em neurociências, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora da Rede Análise Covid-19, Dra. Mellanie Fontes-Dutra concorda. “Estamos vendo o colapso de vários sistemas hospitalares e, mesmo com a reposição ainda em uma taxa muito menor do que a necessária neste momento, tem muita gente precisando de internação”, revela. Para ela, chegamos em um ponto onde não há outra alternativa a não ser fechar. 

Adesão é fundamental

Outro consenso entre especialistas é que a população precisa respeitar as medidas para que ela tenha algum efeito. E quem usava o plano de saúde como desculpa para aglomerar, deve repensar o comportamento. “O lockdown não é para o serviço público. Muitas pessoas aglomeraram achando que o plano de saúde iria resolver. Mas, não temos vagas. Tem hospitais privados mandando pacientes para outros hospitais provados, porque não tem vagas. Antes, costumávamos dizer que estávamos todos na mesma tempestade, mas em barcos diferentes. Hoje, não tem mais barcos”, afirma o infectologista do Hospital Couto Maia e do Hospital São Rafael, Dr. Fábio Amorim. 

Ele revela que, por conta da gravidade em que os pacientes estão chegando, a demanda está sendo consumida por aqueles que já estão internados. Amorim também conta que os hospitais estão com um tempo de espera para que o paciente seja atendido por um médico de, em média, 8h. “Isso é muito. As chances de complicação de um paciente não alocado em um tempo como esse é muito grande”, diz. “Estamos no último gargalo, daqui a uma semana, com o resultado do Carnaval, vamos entrar em um colapso. O lockdown é necessário, porque as pessoas vão precisar de leitos ou vão morrer”, acrescenta Dr. Matheus Todt. 

Dra. Mellanie Fontes-Dutra alerta para outro fator: as variantes. Segundo ela, o lockdown é também uma arma para reduzir a propagação de novas cepas. “É através dessas medidas de enfrentamento que evitamos esses contatos e novas infecções. Porque quanto mais o vírus circula, mais chances eu tenho de ter novas variantes. A gente está vendo a variante sul-africana, que já tem mutações que parece que conseguem escapar da resposta de pessoas já imunizadas. Isso é um sinal importante pra nós e mais um motivo para a população conter a propagação do vírus”, aponta.  

Período insuficiente

Um lockdown de três dias está longe de ser o ideal. Isso porque, segundo os especialistas, o período não contempla toda a cadeia da doença. “Acredito que teria que ser no mínimo de 10 a 14 dias para ser efetivo”, avalia Dr. Fábio Amorim. “Temos pessoas que vão se contaminar hoje ou amanhã e não vão ter sintomas. Aí, na segunda-feira, podem contaminar outras pessoas”, explica. 

Dra. Mellanie acrescenta que esse tempo deveria ser ainda maior. “Se fizermos um cálculo, as pessoas pegando o vírus, incubando, passando pelo período infeccioso, se curando, ainda é insuficiente o período de 14 dias. E se ela acaba desenvolvendo isso dentro do lockdown? Isso precisa ser pensado. Esse período não gera um grande impacto”, avalia. Para ela, o lockdown ideal deveria ser expandido para três semanas por ser “muito mais saudável e aí você consegue controlar”.

Para o infectologista Dr. Matheus Todt, o ideal seria ter o lockdown até que ocorra o desafogamento dos sistemas de saúde. Ele avalia, no entanto, que as datas escolhidas na Bahia – o final de semana – têm a ver com fato de ser o período com mais pessoas circulando pelas cidades. “Além disso, nesse período vai ter um impacto menor na economia. Essa é a mesma teoria por trás do lockdown feito a noite em São Paulo, tem um impacto menor na economia local”, pondera.

Dra. Mellanie, por sua vez, não descarta que os gestores públicos estendam as medidas restritivas. “O que pode acontecer é ele ser implementado e prorrogado. Porque o mais difícil é começar. Pode ser uma estratégia para facilitar a aceitação da população. E, depois, haver uma prorrogação. Não sabemos se isso vai se efetivar na prática, só o tempo vai dizer”, fala. 

O tempo e a aplicação correta do lockdown é fundamental para sua efetividade. “Muitas vezes ele é implementado em pouco tempo e não tem sucesso e as pessoas falam que ele não funciona. Mas, é porque foi mal implementado. O lockdown quando bem implementado tem um impacto positivo na economia também e já existem dados sobre isso. As pessoas precisam saber disso, senão começam a questionar e não cumprir”, pontuou a biomédica.

E, para o infectologista da SOS Vida, esse descumprimento deveria ser punido. “Deveríamos ter feito medidas mais ostensivas. Como na França e Espanha que multaram. Seria como foi com o cinto de segurança, só passamos a usar sempre quando começamos a ser multados”, lembra. E ele é categórico: “não há mais questão quanto ao lockdown do ponto de vista científico. É a única medida que reduz contaminação. Não tem cloroquina ou outro remédio. A vacina ainda está circulando lentamente. Essa é a última fronteira que temos para conter o avanço da Covid-19”.

Fonte: CORREIO