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Entrevista

Temos clientes que nem sabem que são, diz Leonel Andrade, da CVC

Maior empresa de turismo da América Latina volta a apostar em pacotes próprios e espera recuperação em 2022

20/09/2021 21h00

Foto: Divulgação

Talvez você conheça a CVC pelas lojas físicas espalhadas em shoppings centers de todo o Brasil. Mas o grupo vai muito além disso: também é dona de Submarino Viagens, Experimento Intercâmbio e outras oito empresas. Não por acaso, é considerado o maior conglomerado do setor na América Latina – com negócios também na Argentina. O problema é que as operações estão no vermelho há meses.

Para tornar essa operação saudável, Leonel Andrade, CEO da CVC Corp, garante que as respostas estão na reestruturação. “Colocamos toda a empresa sob observação. Não temos foco apenas em vendas ou crescimento. Mais importante é que os negócios sejam rentáveis e sustentáveis”, afirma. Com as novas diretrizes, ainda veio o aporte de 1,1 bilhão de reais dos investidores para resistir à pandemia.

Agora que a CVC tem fôlego (e dinheiro em caixa) para aproveitar a recuperação do turismo, mudaram também as estratégias para conquistar o cliente que ficou impedido de viajar nos últimos dois anos. De um lado, a empresa passará a oferecer experiências completas – que incluem museus, shows e grandes eventos –; de outro, apostará na digitalização para criar ofertas mais certeiras e reduzir custos.

Na lista de novidades, será a agência oficial do Rock in Rio 2022, com direito a iniciar as vendas de pacotes antes mesmo da abertura ao público, e também já começou a oferecer pacotes para a Copa do Mundo Catar 2022, que incluem estadia em hotel cinco estrelas, ingressos para os jogos, passeios pela capital Doha e visita a eventos exclusivos da Fifa. Neste ano, oferece opções à feira Expo Dubai.

Veja a entrevista completa com Leonel Andrade, CEO da CVC Corp:

Vender experiências é o próximo passo para setor do turismo?

O que acontece, no nosso caso, é uma grande transformação. Porque a CVC, tradicionalmente, sempre esteve presente no momento da venda da viagem. Focamos em pegar o cliente e levar a algum lugar. Mas nunca estivemos no tempo todo, no dia a dia, onde quer que estivesse.

Nosso principal foco será a viagem, mas também queremos participar do entretenimento e das atividades que acontecem durante a viagem. O que permite essa mudança é a transformação digital da empresa, porque se tornou muito mais fácil interagir e vender novos produtos.

Como mudou o perfil dos clientes durante a pandemia?

A pandemia acelerou a interação digital das pessoas, mas a disponibilidade de produtos e serviços já existia. O que sempre acontecia? Nós sempre vendíamos a viagem para sair daqui, mas, depois, não tínhamos nenhuma interação por falta de tecnologia.

Nossos clientes dependiam de agentes locais para escolher as atrações. E agora temos aplicativo e ferramentas para conversar com 23 milhões de clientes. Com isso, ficou mais fácil agregar novos serviços. Existe demanda reprimida para experiências.

Como vender pacotes a longo prazo com tantas incertezas do setor?

Temos que olhar a CVC e o setor, que foi o setor mais afetado na pandemia, com visão de longa prazo. Estamos no meio de uma grande transformação: assumi em 1º de abril do ano passado e o conselho foi renovado. Nossas vendas estão crescendo muito rápido.

O turismo já é crescente nas últimas décadas. Mas, neste momento específico, há o público enorme que quer reencontrar amigos e parentes, já que muitos brasileiros vivem fora do país. Para o turismo voltar, faltam Estados Unidos, Argentina e Reino Unido abrirem.

Como se blindar dos riscos de novas ondas e crises no Brasil?

Primeiro, incentivando a ciência. Porque só vacinação e protocolos podem nos blindar. Fora isso, temos que trabalhar o máximo possível em curto prazo. Porque não posso ter convicção de que daqui 1 ano ou 2 anos não teremos novas ondas da covid-19. Mas é fácil prever dois meses. E viagens curtas e rápidas estão crescendo.

Ainda existe o fato de sermos os maiores da América Latina e termos sido capitalizados, o que dá mais segurança aos clientes. Porque organizadores de eventos – como Copa do Mundo ou Rock in Rio – não podem fazer negócio com uma operadora sem a certeza de que estará de pé. Temos vantagem competitiva de médio e longo prazo.

E como vender agora pacotes cotados em dólar com tanta variação cambial?

Nós temos um lado de otimismo pela demanda reprimida, pela infinidade de pessoas que não viajaram nos últimos dois anos e que têm capacidade financeira para não se preocuparem com o dólar. Nos próximos meses, prevemos meses de vendas crescentes e fortes.

Mas temos preocupação e pessimismo em relação ao futuro, porque não tivemos reformas econômicas, a inflação cresceu e está correndo a renda, subiu a taxa de juros, existe risco cambial e o desemprego é muito alto. Essas questões macroeconômicas tiram o otimismo.

Esse cenário é preocupante, principalmente para o setor do turismo, porque boa parte das empresas estão recrutando e reinvestindo por conta da retomada. Mas é preciso ter cautela, principalmente no caso de agências pequenas e médias, nos próximos 12 a 24 meses.

Como a CVC resistiu durante a pandemia? E quanto foi afetada?

Nossa empresa só está viva por uma questão de credibilidade juntos aos acionistas, que fizeram uma injeção de 1,1 bilhão de reais. Seria extremamente difícil se não tivesse esse aporte. Então, é razoável supor e até dizer que a empresa poderia falir se não fossem os acionistas.

Mas vamos voltar um passo atrás, porque, mesmo antes da pandemia, a CVC já vinha de crise. Quando eu assumi, a empresa tinha 2,2 bilhões de reais e não divulgava mais os balanços porque o saldo estava negativo em 350 milhões de reais. Era tida pelos auditores como um risco.

Começamos recuperando a credibilidade com troca de gestão, do conselho e reestruturação. Tínhamos 20 diretores executivos e agora são 10 [daqueles, somente dois foram mantidos]. Nós regularizamos as questões contáveis e voltamos a publicar os balanços para termos crédito.

Nossos acionistas injetaram capital e usamos o dinheiro para reduzir a dívida, que caiu pela metade no pior momento da pandemia e agora é de 1,1 bilhão de reais. Nosso balanço voltou a ter saldo positivo e renegociamos as dívidas que ainda faltam pagar com extensão dos prazos.

Não fechamos departamentos ou empresas, inclusive na Argentina, e ainda incorporamos companhias nas quais éramos sócios como parte de transformação para o futuro. Por que ainda temos prejuízo? Por falta de escala, mas esses números vêm reduzindo e a operação é saudável.

Quais foram mudanças para lidar com as incertezas macroeconômicas?

Margem é mais importante que crescimento de vendas, embora crescimento seja fundamental. Por outro lado, a transformação digital pode reduzir custos, até mesmo nos pontos de vendas físicos, que passaram a ter enorme eficiência de operação e se tornaram pontos de experiência integrados.

De modo geral, estamos nos tornando cada vez mais eficientes, porque somos a única empresa que opera em todas as frentes: lojas físicas, digital, B2B e agências parceiras que vendem nossos pacotes utilizando marca própria. No passado, os jovens queriam ter carro. Hoje, querem conhecer o mundo.

É sempre difícil operar no Brasil, porque temos ciclos de problemas macroeconômicos e questões tributárias. Mas o turismo não tem nenhuma dúvida para o futuro. Somos uma companhia com baixo risco, apesar de sempre haver desafios, como qualquer outra que atua por aqui no cenário atual.

Com a volta de fretamentos de aviões, a CVC quer voltar a concentrar toda a operação?

Sempre fomos especialistas em criar pacotes próprios e fretamento é parte dessa estratégia. O que mudou foi nossa maneira de precificar, já que agora temos uma inteligência de precificação com base nos dados dos 23 milhões de clientes. Nunca fomos tão avançados em conhecer o cliente e oferecer o produto certo. Grande desafio estratégico é a capacidade de influenciar no mundo digital.

Quando alguém assiste à Netflix ou compra na Amazon, essas plataformas sabem exatamente o que o cliente quer. Nós também vamos conhecer à medida que aumenta a interação. Com nossa capacidade de garantir vagas em aviões e hotéis, temos margens melhores, porque criamos produtos exclusivos com inteligência. No Transamerica Resort Comandatuba, na Bahia, somos a única operadora que pousa no hotel. Nem precisa pegar bagagem. São serviços agregados que só nós podemos oferecer.

E em qual público a CVC está mirando no pós-pandemia?

Tradicionalmente, a CVC é uma empresa popular e muitos brasileiros voaram pela primeira vez com a gente. Mas as transformações dos últimos cinco anos nos permitiram atingir diversos públicos. Além disso, a pandemia trouxe outro cliente para o Brasil, já que a classe A não pôde viajar para fora do país. Criamos um segmento boutique no ano passado e, apesar de não sermos conhecidos por esse público, trabalhamos com todos os tipos de hotéis, como a rede Fasano, por exemplo.

Quando alguém pensa no Bradesco, talvez veja como um banco extremante popular, de varejo e com presença nacional. É raro pensar que alguém de alta renda tenha relacionamento, mas o Private Bank é muito forte e, querendo ou não, todos utilizam algum produto do Bradesco, de alguma forma. Com a CVC é a mesma coisa, porque não somos de alta renda, mas temos clientes que nem sabem que são.

Temos uma das líderes em intercâmbio, parcerias com 8.000 agências de turismo e, inclusive, algumas de alto padrão. Porque as empresas menores desse setor não têm crédito para oferecer estadias em algumas das principais redes de hotéis ou acesso a todas as companhias aéreas do mundo. Nós fazemos esse serviço com a marca da empresa, porque oferecemos todos os tipos de produtos.

Tanto que a CVC representa apenas 35% dos negócios do grupo. Nosso principal foco é B2B, com 40% da receita, enquanto outros 10% vêm da Submarino Viagens e de programas de fidelidade de bancos, como Bradesco e Santander. Já as operações na Argentina fecham esse share com 15% de participação. Como resultado, o grupo é líder no segmento em ambos os mercados.

Quais são as expectativas para 2021 e 2022? Quando virá a recuperação?

De modo geral, recuperação do setor é muito forte e temos crescimentos consecutivos, mês após mês. Nessa perspectiva, o setor doméstico já está praticamente igual ao pré-pandemia. E não posso falar por todo mundo, mas o que vendemos hoje é praticamente 100% do que era antes da pandemia.

Quando as companhias aéreas preveem a mesma demanda pré-pandemia para dezembro, é porque nós já vendemos esses pacotes de viagens. Então, nossa recuperação também vem antes. Mas isso é para o mercado doméstico, já que as viagens internacionais ainda estão em 35% do que eram antes.

Nossa previsão é de que a demanda para fora do país cresça muito quando começarem a abrir as fronteiras, principalmente no caso de Estados Unidos, Argentina e Reino Unido. Mas só voltará aos números de antes em meados de 2022, no verão do hemisfério norte. E, como nós antecipamos as vendas, deveremos igualar os níveis pré-pandemia em março do ano que vem.

Também existem as viagens corporativas, que tem recuperação mais lenta e talvez nunca volte a ser como antes, quando representavam 20% do setor. Porque não há mais viagens para reuniões que podem ser feitas virtualmente. Mas o que move esse segmento não são viagens individuais e sim coletivas, para convenções e feiras. Isso está começando a voltar e deve ganhar fôlego no início de 2022.

Por isso, consideramos que o ano que vem será de forte recuperação, enquanto 2023 deverá ser nosso primeiro ano cheio desde a pandemia. Nossa vantagem, neste momento, é que podemos vender produtos de diferentes setores. E, além disso, sairemos muito mais fortes, enxutos, eficientes, digitalizados e capitalizados pelos investidores. Como gestor, estou muito confiante.

Publicado na EXAME