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Artigo

Tendências da sustentabilidade para 2022

João Wengorovius Meneses

12/01/2022 06h09

Foto: Ilustrativa

Uma das tendências que se irá acentuar em 2022 é o esforço de transição para modelos de negócio sustentáveis (net zero), idealmente regenerativos (net positive). A par da transformação digital, isto é, do papel cada vez mais relevante da inteligência artificial, da robótica, da internet das coisas, da nanotecnologia, da blockchain, entre outras derivadas da indústria 4.0, a transição para a sustentabilidade (ambiental e social) dos nossos modelos de desenvolvimento será o maior vetor de transformação das economias, das sociedades e das cadeias de valor das empresas em 2022, bem como ao longo da década 2020-2030.

Simplificando, a transição para o paradigma da sustentabilidade exige que as empresas, para além da preocupação com o lucro, integrarem e valorizem, em todas as suas decisões e cadeias de valor, as três dimensões ESG, isto é, os aspetos ambientais, sociais e de governance.

Conseguir identificar os riscos, oportunidades e impactos ESG da atividade e, sobretudo, conseguir criar valor intangível de longo prazo, não apenas lucro, destinado a outros stakeholders que não apenas os acionistas será, cada vez mais, uma condição chave para a competitividade e resiliência das empresas. Já não se trata apenas de assegurar uma licença para operar, por via da responsabilidade social, mas sim de repensar os modelos de negócio e cadeias de valor da empresa. Só assim teremos um planeta com sistemas biofísicos viáveis, sociedades mais coesas e democracias mais robustas.

No que diz respeito a tendências ESG para 2022, destacaria as seguintes:

Ligação cada vez mais estreita entre as dimensões social e ambiental

Sabemos que, se não respeitarmos os sistemas naturais e certos equilíbrios biofísicos, deixa de ser possível a vida na Terra; por outro lado, sabemos, também, que sem condições de vida dignas, as pessoas jamais irão respeitar o planeta e os seus limites e equilíbrios necessários. Assim, respeitar mínimos sociais e máximos ambientais é uma condição base da transição para a sustentabilidade. O que será cada vez mais assumido em 2022 é a ligação entre essas duas dimensões – a ambiental e a social.

Na recente COP 26 sobre o clima, que teve lugar em Glasgow, a dimensão social foi um dos temas-chave em debate – quer a ajuda financeira aos países em desenvolvimento, quer a necessidade de se investir na requalificação dos trabalhadores das indústrias afetadas pela transição climática e na luta contra a pobreza energética.

A publicação da Taxonomia Social da UE, em 2022, após a publicação, em 2021, da taxonomia que enquadra os investimentos verdes, irá dar um forte contributo para a integração dessas duas dimensões ao nível das finanças sustentáveis. Por exemplo, os mercados de obrigações verdes e sociais, não só deverão crescer bastante em 2022, como teremos cada vez mais obrigações sustentáveis, isto é, assumindo objetivos sociais e ambientais simultaneamente.

À medida que as exigências dos diversos stakeholders das empresas aumentarem, que houver cada vez mais informação disponível sobre as suas cadeias de valor, e que estas integrarem cada vez mais os objetivos dos dois referenciais para a década 2020-2030 – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, e do Pacto Ecológico Europeu –, nas suas estratégias de sustentabilidade, os temas ambiental e social irão aparecer cada vez mais associados.

No que toca à dimensão ambiental, é mais fácil medir resultados e justificar investimentos, já no que toca à dimensão social, continua a ser um desafio conseguir demonstrar de que modo se consegue criar (e medir) valor através de aspetos tão diversos como a diversidade, os direitos humanos, ou o combate à pobreza e à exclusão social. Ainda assim, em 2022 ficaremos certamente mais próximos de um sistema de contabilização universal, equivalente ao da contabilidade económico-financeira, que possa vir a ser adotado como sistema standard para a monitorização e relato da performance ESG das empresas.

Mudanças cada vez mais comuns nos estilos de vida das pessoas

Em 2022, os consumidores (dos países desenvolvidos) serão cada vez mais exigentes relativamente aos seus hábitos de consumo, nomeadamente, em setores como: alimentação, moda, TIC, habitação e mobilidade. Assim, as empresas que melhor integrarem os ESG terão a preferência dos consumidores – e, por isso, dos investidores, já que serão mais competitivas e resilientes. Por exemplo, os produtos feitos à base de matérias-primas recicladas ou biodegradáveis estão a registar taxas de crescimento significativas, bem como os que são carbono zero ou totalmente transparentes relativamente aos impactos das suas cadeias de valor, permitindo ao consumidor fazer do consumo um ato de cidadania.

Mas não se trata apenas do consumo. Trata-se, também, de uma preferência cada vez maior por empregos e soluções profissionais com propósito e flexíveis. Assiste-se, neste momento, a um fenómeno entre as novas gerações de trabalhadores, denominado de “The Great Resignation”, que consiste num abandono massivo de empregos sem propósito, pouco flexíveis e que não contribuam para a felicidade ou bem-estar dos trabalhadores. Segundo um artigo recente, publicado no The Guardian, um em cada quatro trabalhadores pondera abandonar o seu atual emprego – fenómenos que a pandemia ajudou a acelerar.

Neste contexto, em 2022 as empresas irão agir mais em prol do planeta e das pessoas, e irão partilhar mais informação de caráter não financeiro – algo que será cada vez mais obrigatório à luz de novas exigências regulatórias, para todos os tipos e dimensões de empresas.

Mas, para muitas empresas, o desafio de 2022 já vai para além do desafio da sustentabilidade da sua atividade (net zero), será o de se aproximarem de uma atuação regenerativa, ou seja, net-positive. Neste contexto, modelos de negócio de bioeconomia circular e de economia da partilha serão cada vez mais comuns, bem como inovações ao nível do design, dos materiais e das embalagens dos produtos, entre tantas outras potenciais inovações.

Outras tendências relevantes para 2022

  • As empresas serão, cada vez mais, julgadas pelas suas ações, não tanto pelas suas estratégias, intenções ou, mesmo, relatos. Tanto o “green washing”, como o “green whishing”, serão cada vez menos tolerados, e as empresas serão cada vez mais avaliadas pela sua capacidade de ação, de preferência baseada em science-based targets;
  • O investimento público e privado, muitas vezes em parceria, em inovação para a sustentabilidade irá aumentar substancialmente, tanto em novas soluções de natureza tecnológica, como não tecnológica;
  • As políticas de procurement das empresas serão cada vez mais escrutinadas. Ou seja, não apenas os impactos diretos da sua atividade, nomeadamente, as emissões de gases com efeito de estufa, mas também os indiretos (tier 3) – pelo que as políticas de procurement serão cada vez mais relevantes nas estratégias de sustentabilidade corporativas;
  • As energias renováveis serão cada vez mais baratas, a sua produção cada vez mais capilar, a capacidade de armazenamento cada vez maior e a adoção de veículos elétricos cada vez mais generalizada;
  • As soluções de base natural – que, em 2022, estarão em discussão na COP15 da biodiversidade – serão cada vez mais relevantes no contexto do combate às alterações climáticas, isto é, da COP do clima (que, em 2022, terá lugar no Egipto);
  • As cadeias de valor tenderão a ser mais locais, à medida que os custos económicos e ambientais das redes de abastecimento globais aumentarem;
  • Nos países da UE, os dez pilares do Pacto Ecológico Europeu terão desenvolvimentos cada vez mais relevantes para as empresas. Por exemplo, a Política Agrícola Comum para o período 2023-2027 já incorpora a preocupação crescente das alterações climáticas e da poluição do ar, do mar e dos solos, e a Lei do Clima entrará em vigor, com todos os impactos que terá em diversos setores da economia e nos nossos estilos de vida;
  • Os metais raros e outros minérios, incorporados em todos os tipos de produtos e gadgets tecnológicos, serão cada vez mais caros e reutilizados.

O ano de 2022 será desafiante e decisivo para se atingirem os objetivos de carácter ambiental e social traçados para a década – do Acordo de Paris sobre o clima, aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 das Nações Unidas, até ao Pacto Ecológico Europeu. Às empresas, cabe um papel chave, desde logo porquê das 100 maiores economias do mundo, atualmente 69 são empresas. Ou seja, não só pelos seus impactos, mas, sobretudo, pelo seu potencial de inovação, investimento e influência do comportamento dos consumidores, o papel das empresas é cada vez mais relevante para um mundo mais equilibrado e sustentável.

O BCSD Portugal apoia as suas empresas membro na transição para a sustentabilidade, através de grupos de trabalho, de ações de formação e de eventos para partilha de conhecimento e networking. Atualmente, os nossos grupos de trabalho focam-se nos seguintes temas chave: descarbonização, capital natural e biodiversidade, economia circular, cidades sustentáveis, sustainable finance e cadeia de valor. Este ano, fazemos vinte anos de atividade em Portugal, estamos prontos para os próximos vinte – sabendo que serão bem mais exigentes e desafiantes!

João Wengorovius Meneses - Secretário-geral do BCSD Portugal

Publicado em Revista Sustentável

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