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Entrevista

‘Vamos preparar os portos baianos para os próximos 50 anos’

Melhorias nos acessos por terra e mar são as prioridades, diz novo presidente da Codeba, Antonio Gobbo

16/03/2024 22h03

Foto: Divulgação

Para quem está assumindo uma empresa que no último ano foi capaz de executar apenas 25% do seu orçamento, Antonio Gobbo chega à presidência da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba) sonhando alto. “Vamos preparar nossos portos para navios que virão nos próximos 20, 30 e 50 anos”, garante. Nesta entrevista exclusiva, Gobbo detalha os planos de melhorias no interior e no exterior dos três portos públicos administrados pela empresa federal na Bahia.

O foco de Gobbo está no aproveitamento do potencial náutico da Baía de Todos-os-Santos, que, acredita, poderá tornar a região num dos grandes hubs de navegação do país. Para isso, aposta num plano integrado de dragagem, pedido antigo de usuários e operadores portuários, tanto para Salvador, quanto para Aratu e Ilhéus.

Por falar no menor dos portos públicos da Bahia, mesmo com o processo de implantação do Porto Sul, Ilhéus seguirá como alvo de investimentos por parte da Codeba. “É o porto natural do Norte de Minas Gerais”, brinca Gobbo, lembrando que, além de movimentar cargas do sul da Bahia, o terminal é a porta de saída da produção no norte do estado vizinho.

Com os investimentos em infraestrutura e planejamento de acessos, o presidente da Codeba aposta que a Bahia será capaz de reduzir o atraso em relação a outros portos, como Suape, em Pernambuco. “O fato de Pernambuco ter começado antes não significa que não possamos alcançar e ultrapassar”, afirmou.

Antonio Gobbo é formado em engenharia de produção e possui MBA Executivo Internacional em gerenciamento de projetos pela FGV. Tem larga experiência no desenvolvimento de projetos de Parcerias Público-Privadas e Concessões nos setores público e privado, notadamente nas áreas de Transporte, Mobilidade Urbana, Saneamento e Energia.

Em que situação o senhor encontrou a Codeba?

O longo tempo de interinidade não fez bem para o processo decisório da companhia. Em que pese a boa vontade e a capacidade técnica dos gestores que nos antecederam, a verdade é que determinadas decisões críticas só podem ser tomadas por alguém que está definitivamente no cargo. Algumas decisões estratégicas, principalmente no que diz respeito ao orçamento, estão tendo que ser redesenhadas e revistas para atender aos desafios da missão essencial da Codeba, que é o provimento de infraestrutura subaquática e de acostamento para os navios que chegam nos nossos três portos. Essa redefinição será a marca desta gestão. Vamos investir muito na aquisição de conhecimento, de bons dados, consolidação de informações, para que possamos produzir boas inferências. A partir de bons dados, é possível tomar boas ou más decisões. Mas com dados prejudicados, você sempre fará inferências ruins. Vamos rever todo o nosso plano, temos que aumentar a execução orçamentária, esta é a principal função de uma empresa pública: executar o orçamento com bons projetos para justificar o uso do recurso público.

Vamos dividir a conversa por portos, então.

Para Ilhéus, nós temos um orçamento do PAC, de R$ 81 milhões, para aprofundar o canal de acesso e resolver um problema de desassoreamento das praias do norte de lá.

Qual vai ser o calado de Ilhéus após esta dragagem?

As pessoas se preocupam muito com as profundidades. Em Ilhéus, você precisa de 14,5 metros no canal. Vamos fazer este aprofundamento e o material que for retirado será usado para recompor as praias do norte que estavam sofrendo um processo erosivo significativo. O porto modificou o regime de sedimentação.

O senhor falou sobre um plano integrado de dragagem. O que está previsto para os demais portos?

Nós temos o processo de dragagem que é requerido nos cais de Água de Meninos e Santa Dulce dos Pobres, aqui no Porto de Salvador, que precisam estar preparados para, num futuro próximo, receberem navios de até 400 metros. Para isso, eu preciso fazer uma alteração no calado dinâmico, para que ele atinja até 17 metros. Este projeto será feito em conjunto numa fase posterior ao projeto de dragagem requerido para a Ponte Salvador-Itaparica, que está sendo feito a 15 metros. Então, o que existe hoje é um esforço coordenado entre os governos federal, estadual e a concessionária da ponte, em conjunto com o Segundo Distrito Naval e a Capitania dos Portos. Todos estes atores estão atuando em conjunto para que a dragagem seja feita para atender a ponte, mas também as necessidades dos operadores portuários e as expectativas do mercado de que sejamos capazes de atendermos navios maiores. Vamos preparar nossos portos para navios que virão nos próximos 20, 30 e 50 anos.

Já existe um prazo para colocar isso em prática?

Como recebemos uma solicitação do governo do estado para liderarmos o processo de dragagem, estamos agora coordenando os projetos que nós tínhamos aqui com os relacionados à ponte, para sermos capazes de realizar tudo de forma integrada e faseada. Vamos construir um termo de referência único que será executado pela Codeba.

Essa centralização é uma boa decisão?

Para nós não é algo ruim, pelo contrário, esta é a nossa função. Isso envolve também a dragagem de parte do canal de acesso de Aratu, que terá um aprofundamento no canal de acesso para 15 metros, além de um alargamento do canal. É um esforço que envolve engenharia, direito administrativo e licenciamento ambiental, portanto é complexo e demorado. Mesmo assim, esperamos que a primeira fase da dragagem seja feita ainda este ano.

Eu gostaria de retornar ao Porto de Ilhéus. Estamos acompanhando a implantação de um outro porto na região, que terá uma conexão ferroviária moderna e ágil. Neste contexto, qual será o papel do Porto de Ilhéus?

Essa pergunta é excelente. Estes dois portos não concorrem pela mesma carga. O Porto Sul vai atender à demanda de movimentação de minério e Ilhéus é o porto natural do norte de Minas Gerais. Nós temos ali uma produção agrícola pujante, tanto no sul da Bahia quanto no norte de Minas. Com estas ações que estamos fazendo, temos potencial para elevar a movimentação de cargas lá das atuais 600 mil toneladas para 1 milhão de toneladas, apenas com estas ações, que envolvem ainda a modernização dos equipamentos usados para embarques e desembarque de cargas. Ou passarão por um retrofit, ou serão substituídos. Queremos aumentar a capacidade de movimentação e reduzir o demurage (multas por atrasos). Esta gestão da Codeba está indo atrás de quem traz carga para o Porto. Nós estamos participando da Intermodal, eu estou indo para o PDAC, que é o maior momento de mineração do mundo, no Canadá, porque nós temos projetos, alguns já anunciados pelo governo do estado, que vão desenvolver projetos relacionados à mineração e ao processamento inicial de minério. Vamos participar da Bahia Farm Show, em Luís Eduardo Magalhães… Estamos participando de fóruns qualificados. Estamos mostrando os portos da Bahia para o mercado, estamos indo atrás dos nossos operadores. Temos que vender o que os portos da Bahia têm de melhor. Primeiro, as especificidades logísticas do Porto de Ilhéus e também todas as vantagens de se utilizar a segunda maior baía navegável do mundo, com condições de tempo ímpares, temos que aproveitar tudo isso. Esse plano integrado de dragagem, por exemplo, vai fazer com que utilizemos o nosso maior potencial, de nos tornarmos um hub de cargas. Com essas ações de aprofundamento e revisões da infraestrutura, isso vai permitir que os navios saiam do longo curso direto na Baía de Todos-os-Santos, mesmo que completamente carregados.

Tudo isso que o senhor está trazendo faz parte de uma lista antiga de demandas de quem opera ou depende dos portos. O que se tem visto é que outros estados estão mais adiantados neste processo, eu destaco Pernambuco. Nós estamos iniciando este trabalho tarde?

Existem muito poucos portos que reúnem as condições necessárias para serem hubs. Em primeiro lugar, está a capacidade de chegar e sair com os navios cheios, sem precisar completar cargas em outros portos. É isso que iremos desenvolver. Se tivermos esta qualidade, se tivermos um demurage reduzido e se conseguirmos prover a infraestrutura terrestre, naturalmente seremos procurados pela carga e nos tornaremos um hub. O fato de Pernambuco ter começado antes não significa que não possamos alcançar e ultrapassar. A única resposta que eu posso dar para isso é que estamos começando agora. Nós temos que pensar para frente.

O senhor acredita que haveria espaço para dois hubs portuários tão próximos quanto Bahia e Pernambuco?

Mas eles estão tão próximos assim? Recife está a um dia e meio de navegação da gente. E temos que estudar complementaridades e sinergias. Precisamos começar a pensar no Brasil em termos de ganha-ganha e não como concorrência predatória. Cada um vai disputar as cargas com o que tiver de melhor, com os ativos que possuir - nós vamos preparar Salvador para esta competição.

Para que isto aconteça, temos que fazer um planejamento muito criterioso da infraestrutura e este é o nosso grande papel.

O senhor mencionou um segundo ponto do plano. Qual seria?

Em paralelo ao plano de dragagem, temos também o plano de infraestrutura. Temos que prover infraestrutura terrestre, revisar equipamentos, sistemas, controles de acesso, implantar um CCO (Centro de Controle Operacional) integrado à Receita Federal. Já temos um centro, mas ele precisa ser ampliado, passar por um retrofit, precisamos prover pátios de triagem, melhorar os acessos à área portuária e incrementar soluções tecnológicas.

Como pretendem trabalhar a falta de alternativas ferroviárias?

Nós precisamos conhecer os caminhos da carga, temos que conhecer isso com muita seriedade e fico feliz de ter aqui comigo alguém como o Tramm. Dentro deste espírito, sob a coordenação dele, estamos contratando, junto à Fundação Dom Cabral, um estudo específico de logística e intermodalidade aplicado aos portos da Bahia, para identificarmos os gargalos logísticos. Este estudo vai nos prover cenários, contemplando o sistema ferroviário existente e as proposições, com FCA/VLI, com a Fiol e com quem vier. Pensamos em estabelecer entre oito e 12 cenários do tipo, para termos informações consolidadas, mas não apenas isso, que sejam unificadas entre os principais interessados. Todos os atores, seja a Fieb (Federação das Indústrias do Estado da Bahia), associações industriais, comerciais, governos, autoridade portuária, precisam trabalhar com uma mesma base de dados e nós estamos contribuindo para a construção disso. Este estudo será compartilhado com a sociedade.

Quando este estudo se inicia?

Estamos em fase de contratação.

A Dom Cabral já fez um estudo anterior sobre o assunto, não é?

Precisamos conhecer e entender os caminhos da carga. Se nós ligarmos ou desligarmos um caminho X ou Y, o que acontece com a carga? Vai de caminhão mesmo, ou vai para outro porto? Queremos entender o que vai acontecer.

Temos noticiado resultados positivos nos últimos anos, mas o que o senhor acha que ainda precisa melhorar?

Acessibilidade. Obviamente, temos dificuldades de fazer contratações, então estamos contando com a colaboração do Tecon, aqui em Salvador, de outros operadores, na produção de estudos técnicos. Em Aratu, temos, dentro do nosso planejamento estratégico, a implantação de um pátio de triagem para lá e em Ilhéus, além da revisão dos acessos, naquilo que nos compete. Isso não significa que não possamos auxiliar os demais órgãos no que estiver além da nossa jurisdição. Se pudermos contribuir com dados e informações, vamos ajudar com certeza.

Se tudo isto se confirmar, o senhor imagina que o problema da fuga de cargas vai se resolver?

Nossa principal atribuição não é sair buscando cargas, mas se nós provermos a estrutura dentro destes planos integrados que te falei, com melhorias na infraestrutura, acessibilidade, inserção de novas tecnologias no processo, naturalmente nós vamos aumentar as condições de competitividade dos portos. Nossas ações comerciais não são no sentido de buscar cargas, mas de mostrar ao mercado que os portos da Bahia são boas opções. Temos campanhas sendo preparadas. As pessoas têm informações atualizadas até você ir até elas e deixá-las atualizadas. Vamos colocar a cara no mercado, mostrar o que temos de melhor e as nossas vantagens competitivas. Um bom exemplo: se a gente anuncia uma dragagem, os próprios armadores se encarregam de analisar a possibilidade de fazer chamadas de navios maiores.

Qual é a marca que o senhor pretende deixar quando sair da Codeba?

O aumento do valor destes portos como ativos públicos.

Publicado no Jornal Correio