Utilizamos cookies de terceiros para fins analíticos e para lhe mostrar publicidade personalizada com base num perfil elaborado a partir dos seus hábitos de navegação. Pode obter mais informação e configurar suas preferências AQUI.

Artigo

FCA X Bahia

Waldeck Ornélas

23/09/2022 06h01

Foto: Divulgação 

Caminha para o desfecho o pedido de renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA) e a Bahia já perdeu: em reunião pública, realizada aqui em Salvador, o Secretário Nacional de Transportes Terrestres do MINFRA informou que a renovação não incluirá a malha baiana. Em artigo anterior (A Bahia está perdida?, CORREIO, 21/02/22), que sucedeu a vários outros em que clamei atenção para o assunto, adverti para a gravidade da questão.

Trata-se agora de construir uma alternativa que seja capaz de resgatar os interesses da Bahia – e do Nordeste. Neste sentido, a Carta da Bahia, expedida ao MINFRA, ANTT e TCU pelas entidades empresariais baianas, estabelece um novo marco para estas discussões. As bases para uma solução passam ainda pelos termos do contrato de renovação da FCA.

Pelo menos é preciso definir, antecipadamente, o valor da indenização pelo abandono da malha da antiga SR-7 da Rede Ferroviária Federal, com seus mais de 1.800 km de extensão, liberando-a, de imediato, para o mercado; é indispensável, como medida compensatória, vincular os valores integrais da indenização e da outorga à recapacitação da malha baiana.

O passo seguinte é a realização imediata, pelo MInfra, já em 2023, de uma chamada pública para reabilitação do trecho Mapele (BA) – na Região Metropolitana de Salvador – a Corinto (MG), pelo regime de autorização, contando com o aporte do somatório dos recursos da indenização e da outorga da FCA.

São condições mínimas – essenciais e inegociáveis – para que a Bahia possa vir a concordar com esta inédita renovação parcial de uma concessão. E veja-se que, ainda assim, não há nenhuma garantia de que possam acorrer interessados, diante da situação de duopólio existente na operação ferroviária no país. A Bahia foi rifada, e está agora sujeita a uma verdadeira loteria.

Por sua vez, a FCA não fará nenhum favor – até porque é obrigação contratual – em garantir a operação da malha até agosto de 2026. Mas deixar para definir o futuro da malha baiana somente em 2026 é prolongar a sangria da economia baiana e assegurar o esfacelamento da ferrovia. Um crime contra a economia nacional, com reflexos extremamente negativos para a Bahia e o Nordeste. Não há dinheiro que possa ressarcir o dano causado.

Em nenhuma hipótese a implantação da Fiol pode ser manipulada como moeda de troca para sacrificar a tradicional malha ferroviária baiana, até porque ela não perdeu a sua funcionalidade econômica. Não lhe faltam cargas, faltou gestão, uma vez que foi simplesmente abandonada pela concessionária.

Aliás, a tentativa de correlacionar a renovação da FCA com a implantação da Fiol serve apenas para iludir pessoas de boa fé. São eixos ferroviários que respondem a movimentos econômicos distintos: a FCA faz (fazia?) a ligação da Bahia – e do Nordeste – com o Centro-Sul do país; a Fiol, a criar um corredor de exportação dos grãos do MATOPIBA e do Centro-Oeste pelo litoral baiano, desde que integrada à Fico em Mara Rosa (GO). São projetos que envolvem equações financeiras independentes.

Fica a lição: os casos da Ford, e agora da FCA, mostram que o Estado da Bahia precisa se estruturar para manter um monitoramento contínuo – não confundir com o simples acompanhamento contratual – das concessões, PPPs e incentivos que digam respeito ao seu território e interesses sociais e econômicos; à sociedade civil, por meio de entidades responsáveis, cabe criar um Observatório, para fazer o contraponto necessário.

A permanecer a situação de isolamento ferroviário a que está sendo condenada a Região Metropolitana de Salvador restringem-se, de forma significativa, as possibilidades do maior polo industrial do Nordeste – o de Camaçari, e do melhor porto natural do país – a Baía de Todos-os-Santos, numa época em que a intermodalidade no sistema logístico é condição sine qua para o desenvolvimento territorial, econômico e social.

Waldeck Ornélas - especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidade Municípios: gestão e planejamento.

Publicado no Correio24horas

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos seus autores. Não representa exatamente a opinião do MODAIS EM FOCO.