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Gestão

Ford errou na estratégia de produtos no Brasil

Especialistas analisam trajetória da montadora de origem norte-americana

18/01/2021 10h22

Foto: Sérgio Figueredo

Com a decisão de reduzir volumes no Brasil, a Ford perdeu a capacidade de investir e, com isso, sua competitividade. Desde a chegada dos chamados newcomers ao Brasil (montadoras japonesas, coreanas e europeias entre os anos 90 e 2000), a marca de origem norte-americana assistiu suas vendas serem ultrapassadas por modelos mais modernos. EcoSport, Focus, Fusion e Fiesta perderam mercado.

Flavio Padovan, sócio da MRD Consulting e ex-executivo da Ford, observa movimentos do mercado com os quais a Ford pouco participa. Ele se refere aos acordos, fusões e alianças mundiais, a exemplo da Stellantis (FCA e PSA, que já são joint ventures), criando gigantes do setor. “A decisão da Ford é drástica, vai se tornar uma montadora pequena no país, até porque já estava atrás do primeiro pelotão. Só terá importados e atuará com eletrificados, correndo atrás do prejuízo”, avalia.

Ele lembra que Ford e Volkswagen já haviam firmado em janeiro de 2019 uma aliança global para a produção de picapes. “A Ford é forte em picapes, principalmente nos EUA. A Volks está de olho nesse segmento há muitos anos, porque ela não tem o DNA de picapes. A Amarok não é competitiva. Esse acordo é o caminho para a Volks se fortalecer ainda mais. E não me surpreenderia se Ford se unisse à Volks ou mesmo vendesse a cooperação global. É uma rota do enxugamento de suas operações”, opina Padovan.

Entre os motivos que levaram à decisão, o consultor acredita que há problemas tanto na política industrial e o custo-Brasil até a Ford ter se perdido no Brasil. “É um conjunto de coisas. É uma decisão estratégica global, de enxugar as operações. Mas por que afeta a produção brasileira? A Ford errou muito em sua estratégia de produtos e posicionamentos. O EcoSport foi a salvação, mas a marca já agonizava aqui antes dele. Com o programa de governo que permitiu sua instalação em Camaçari – foi barrada em Gravataí (RS) e levada para a Bahia nas mãos de Antonio Carlos Magalhães – e o lançamento do EcoSport, uma grande sacada na época – um produto inteligente, desenhado por Luc de Ferran –, a Ford respirou e tornou a operação viável. Na sequência, adquiriu a Troller, que deu mais uma sobrevida. Com o tempo, o EcoSport perdeu a essência, tornando-se mais um automóvel, sem apelo”, explica. Por isso, Padovan acredita ser difícil apontar um culpado.

Desastre para a Bahia

Não era esperado esse fechamento, mas já havia sinalizações que preocupavam o gerente de Estudos Técnicos da Fieb, Ricardo Kawabe. “Desde o encerramento da planta de caminhões em São Paulo e o portfólio limitado de veículos, não substituindo o que saía, já havia um temor com Camaçari. Nos últimos dois anos eles anunciaram uma estratégia global que não incluía os produtos feitos na Bahia. O foco passou a ser caminhonete e SUV, carros grandes”, afirma o economista.

“A indústria automotiva está numa encruzilhada e a Ford está incluída nisso: de paradigma tecnológico e mudança de padrão de consumo. A empresa tem duas grandes escolhas: ou investir muito para mudar seu padrão ou abandonar. Uma empresa que quer ter relevância no mundo não pode assim simplesmente deixar o Brasil. Não enxergo ela sobrevivendo apenas importando.

Na Bahia, como indústria de transformação, a Ford, contando com o sistemistas, é a maior empregadora. São pessoas com uma média de bons salários, no contexto da economia baiana. Pegos de surpresa, Kawabe diz que a Fieb e o governo do Estado estão estudando alguma alternativa. “É um desastre, são mais de 5 mil trabalhadores que vão perder o emprego, somando fornecedores. Eles dizem que procuram empresas para assumir, mas a exemplo do que ocorreu em São Paulo a coisa não é simples. A estratégia será minorar o prejuízo”, conclui.

Transição de motores

O professor da área de energia da Ufba, Ednildo Andrade Torres, que atua com um laboratório de motores, analisa que após o domínio mundial do petróleo, o Brasil se viu numa economia de transição, a busca do baixo carbono, entre elas os motores e veículos alternativos. “O Brasil fez isso com o etanol, com o biodiesel. A transição seriam os carros híbridos.” Mas o país está “atrasadíssimo” nisso.

A falta de recursos para pesquisa deixa o Brasil estagnado desde 2015. “Isso é preocupante porque o mundo não vive sem tecnologia. Não existe por parte dos nossos governantes essa visão, a atenção à ciência.” Para ele, nos próximos 30 anos os motores a combustão continuarão operando, mas haverá uma transição e o Brasil não prevê isso. “Precisamos acelerar uma montadora de carros elétricos aqui. Além da crise da pandemia, vem agora a situação da Ford. Precisamos buscar parcerias com quem está na frente: China, Japão e Coreia do Sul. Nossa matriz elétrica é de fonte renovável.

Na China e na Índia, 90% são de fonte fóssil. Por outro lado, temos os altos custos operacionais, que requerem uma reforma política e tributária.” O professor da UFBA ressalta ainda sobre a fragilidade do país, com a saída tão abrupta de uma empresa centenária, sem ser discutida com presidente e governadores do Nordeste e de São Paulo.

Restam poucas unidades

A concessionária Indiana Ford ainda tem unidades de Ka, Ka Sedan e EcoSport, a pronta entrega, com “excelente custo-benefício”, garante o gerente comercial Rangel Guimarães, que disse que a loja reforçou os estoques recentemente, sem detalhar quantidade. Uma das unidades da Morena consultada também tinha EcoSport, mas menos de dez unidades entre versões de entrada, Freestyle e Titanium. E também algumas unidades de Ka e Ka Sedan.

A rede foi comunicada por meio de uma nota, na tarde de segunda-feira, 11. “Daqui para frente, concentraremos nosso portfólio de produtos em nossos pontos fortes globais em picapes médias e veículos comerciais, com a nova Ranger e a Transit, e atenderemos nossos consumidores da região com produtos empolgantes, como o Mustang, Bronco e Territory, entre outros. Manteremos a assistência total ao consumidor com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia no Brasil, agora e no futuro. Planejamos acelerar o lançamento de diversos novos modelos conectados e eletrificados na região”, informa o comunicado assinado por Lyle Watters, presidente para Ford América do Sul e Grupo de Mercados Internacionais.

Fonte: A Tarde