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Artigo

Matando a galinha dos ovos de ouro

Adary Oliveira

26/03/2022 06h05

Foto: Divulgação

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, observada daqui de longe, tem nos ensinado muito mais do que exigem nossos limitados conhecimentos de geopolítica. Ficamos sabendo quanto o nosso pujante agronegócio depende dos países daquela região no suprimento de nutrientes para a formulação dos fertilizantes, tão necessários para que o nosso solo tropical possa produzir alimentos em alta escala e nos leve a figurar como celeiro do mundo. A descoberta foi tão grande que não se fala outra coisa no lado econômico do governo senão na necessidade urgente de nos tornarmos autossuficientes na produção dos insumos básicos nitrogenados, potássicos e fosfóricos.

Se por um lado, somos impelidos a corrigir tal vulnerabilidade, por outro lado, não podemos enfraquecer outros setores que no passado exigiram grandes esforços para ter vida aprumada. Refiro-me à indústria química, mundialmente mais aprimorada e muito mais exigente do ponto de vista da pesquisa tecnológica, da absorção das inovações, dos crescentes ganhos em produtividade e de tudo o mais necessário para ser mantida intensa e competitiva. Nenhuma outra indústria faz tão bem a ligação entre as matérias-primas obtidas a partir do petróleo, gás natural, minérios, celulose, nitrogênio e oxigênio, transformando-as em fertilizantes, alimentos, bebidas, medicamentos, plásticos, fibras têxteis, elastômeros, tintas, vernizes e tantos outros insumos usados nos diversos ramos industriais, quanto a indústria química. A sua inter-relação produtiva encadeia efeitos germinativos para a frente e para trás como nenhuma outra manufatura.

Um dos problemas que a economia enfrenta é o da nossa desorganização tributária, não sendo fácil, por mais que tenha sido tentado, o encaminhamento de sua reforma de maneira racional e completa. Os interesses regionais, setoriais, políticos e a necessidade de se maximizar os benefícios sociais, tem tornado a tarefa de fazer tal reforma quase impossível. Mas existem soluções não milagrosas. Se não dá para fazer tudo de uma só vez, o caminho é encontrar uma solução fatiada, partida aos pedaços, tapando os maiores buracos e deixando os menores para o momento da otimização. A indústria química encontrou no Regime Especial da Indústria Química (REIQ) a trilha setorial para seu fortalecimento sem nada prejudicar os demais.

No entanto, por mais cuidado que se tenha tomado, essa indústria está sendo surpreendida por ação do governo, na sua insaciável vontade de arrecadar mais, pela eliminação da redução dos 2,19% de PIS e Cofins sobre a compra de insumos petroquímicos utilizados na indústria, que se havia conquistado. O norte estabelecido para esse comércio de difícil competição internacional está agora sendo ameaçado. Ora, se o governo é o maior sócio de qualquer negócio instalado no país e se ele introduz um dano à indústria química, é ele quem mais vai sair perdendo. Todos sairemos perdendo e está sendo inventada a política de maximização dos malefícios sociais. Em outras palavras, por não saber fazer conta ou por avareza, ou mesmo ganância, matará a galinha dos ovos de ouro, tão bem retratada na fábula de Esopo que conhecemos desde os tempos de criança.

Faz muito bem a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) quando defende a manutenção do REIQ com seus três pilares de sustentação: emprego, importância da indústria para a economia e segurança jurídica. Calcula-se que sua manutenção garanta mais de 85 mil postos de trabalho, volume de produção setorial de R$ 11,5 bilhões, uma contribuição de R$ 5,5 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) e pelo menos R$ 2 bilhões em arrecadação de tributos. Se os benefícios do REIQ forem agora retirados, com certeza veremos ampliada a nossa dependência externa e ficaremos à espera de outro conflito internacional para que o governo de plantão anuncie, com atraso, medidas protecionistas.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

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