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Artigo

Mesmo na tormenta, navegar é preciso

Rafael Dantas

12/09/2021 11h00

Foto: Divulgação

Quando me perguntam se o frete vai cair ou aumentar, respondo que é importante entender a história de como chegamos até esse momento. Vou tentar resumir o que aconteceu nesses últimos 13 anos. Para os que embarcaram recentemente neste setor, saibam que a nossa indústria já foi muito glamorosa, se gastava muito dinheiro com festas sofisticadas, escritórios luxuosos nos pontos comerciais mais badalados do planeta, inúmeras viagens internacionais, com jantares nos melhores restaurantes do mundo. Havia, inclusive, um budget dedicado à área comercial para as ações de relacionamento com os clientes. Era uma forma de aproximar os vendedores dos principais players – clientes e prospects.

No entanto, este cenário mudou – e muito – a partir da crise americana, iniciada em 2008, que se tornou a maior crise existencial do shipping global, uma indústria que nunca teve a cultura de reduzir custos e precisou conviver com fretes em torno de US$ 50 na rota China/Santos.

Naquela época, um jornal de grande circulação chegou a fazer um comparativo entre o custo de um motoboy de Santos para São Paulo e o frete de um contêiner de 40 pés de Shangai para Santos. Pode parecer inacreditável, mas o valor cobrado pelo motoboy chegou a ser mais caro que o transporte de carga que atravessava o oceano.

A partir deste momento, iniciamos uma nova era. Todos os esforços foram direcionados para a demanda global que havia caído bruscamente. Com grande capacidade ociosa, os armadores enfrentariam ainda o pior dos pesadelos: a construção de novos navios encomendados aos estaleiros mundo afora, antes do início da crise.

Além de pouca demanda, teriam uma capacidade ainda maior.

Quando tudo isso ocorreu, a dinâmica do setor mudou rapidamente. A redução de custos passou a fazer parte do vocabulário das companhias e os navios antigos foram destinados para scrap (ferro velho). Vários contratos com os estaleiros foram prorrogados e/ou cancelados, postergando, ao máximo, toda nova capacidade que poderia entrar no mercado. E como esperado, os fretes atingiram níveis muito abaixo do custo operacional. Infelizmente, diversos armadores não aguentaram, como a coreana Hanjin, que deixou uma dor de cabeça enorme para os clientes com os seus contêineres “abandonados” ao redor do planeta.

Muitas empresas enfrentaram uma situação financeira complicada e acabaram sendo adquiridas ou se fundiram com armadores maiores. É o que aconteceu com a CSAV e UASC, que se integraram à Happag Loyd. A Hamburg Süd foi adquirida pela Maersk e a China Shipping se fundiu com a Cosco, que também adquiriu a OOCL. Já as japonesas NYK, Mitsui (MOL) e K-Line se fundiram formando a ONE. Todas as movimentações sinalizaram a tendência de uma grande consolidação global.

Mesmo assim, a indústria ainda não havia se recuperado e os valores dos fretes estavam longe de alcançar os patamares desejados. Em muitas rotas, os armadores continuavam perdendo dinheiro. Foi, então, que as europeias  Maersk, MSC e CMA-CGM surgiram com a proposta de criar a primeira e a maior aliança global, que seria responsável por quase 46% do market share no mundo. Porém, não esperavam que o governo chinês estragasse os planos, mudando completamente a rota do que foi, na minha visão, quase o xeque-mate na consolidação do market share global.

A partir daí vieram as novas e atuais alianças, que se subdividiram da seguinte maneira: Maersk e MSC, com aproximadamente 33% do market share global; Ocean Alliance (CMA, Cosco, Evergreen e OOCL) com 30% e The Alliance – Hapag Loyd, ONE, HMM, Yang Ming  – com 19,2 % da capacidade global.

O que antes seria completamente improvável de se imaginar, pois a concorrência na indústria de navegação sempre foi muito acirrada, marcou a primeira etapa da virada de fase do shipping global. E por que a primeira etapa? Porque na segunda fase viriam os blank sailings, que se tornaram uma manobra brilhante dos “monstros dos mares” para redução brusca de capacidade em caso de oscilação da demanda global.

O maior teste de seu grande sucesso ocorreu no início da pandemia, quando os armadores temiam que o cenário 2008 se repetisse, com a diferença de que a indústria estava mais profissional, consolidada e, principalmente, sedenta por resultados financeiros, que estavam acontecendo naturalmente de maneira orgânica.

Mas desde junho do ano passado, nosso mercado virou de ponta cabeça e vive a “tempestade perfeita”. Se antes o envio de um contêiner de 40 pés da China para o Brasil custava US$ 1.500,  o preço do frete atingiu US$ 15 mil recentemente, resultado de uma série de episódios: retomada do poder de compra após o auge da pandemia; o bloqueio do Canal de Suez em função do navio que ficou encalhado por alguns dias; o caos logístico que gerou falta de equipamentos e espaços, bem como o avanço da variante Delta na China, que levou ao fechamento parcial do porto de Ningbo-Zhoushan, o terceiro mais movimentado do mundo.

Cerca de 350 navios ficaram parados, o que impactou em toda a logística global.

Se me perguntarem quando tudo isso deve normalizar, certamente não tenho a resposta. O cenário permanece instável e muita coisa ainda pode acontecer ao longo desse ano. Nossa esperança é que os valores comecem a aliviar em 2022 e, quem sabe, baixar um pouco mais até 2023. Alguma garantia? Nenhuma, já que o mercado é dinâmico e sensível às crises e episódios globais, que podem surgir a qualquer momento. Infelizmente, a bola de cristal para o setor de navegação não é tão precisa.

Rafael Dantas é diretor comercial da Asia Shipping, maior integradora logística da América Latina e a única da região presente no Ranking dos 50 maiores agentes de carga do mundo.

Publicado no portal Comex do Brasil

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