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Gestão Pública

MPF anula portaria que permite grilagem de terras indígenas

Além de ilegal e inconstitucional pode caracterizar improbidade administrativa

30/04/2020 10h32

Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendação à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para que seja imediatamente anulada, a Instrução Normativa 9, de 16 de abril de 2020, publicada na edição de 22 de abril do Diário Oficial da União (DOU) que permite, de forma ilegal e inconstitucional, o repasse de títulos de terra a particulares dentro de áreas indígenas protegidas pela legislação brasileira.

A anulação da instrução normativa deve ocorrer imediatamente após o recebimento, pelo presidente da Funai, da recomendação do MPF. A recomendação também foi encaminhada à presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e à Direção-Geral do Serviço Florestal Brasileiro para que se abstenham de cumprir a instrução normativa da Funai, por inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade.

Para 49 procuradores de 23 estados da federação, a instrução normativa emitida pela Funai “contraria a natureza do direito dos indígenas às suas terras como direito originário e da demarcação como ato declaratório”, fundamento inscrito na Constituição brasileira, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e reconhecido por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e das Cortes internacionais.

Ao criar “indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas”, diz a recomendação do MPF, a portaria da Funai viola o artigo 231 da Constituição, que se aplica também aos territórios indígenas não demarcados, já que, ao Estado Brasileiro cabe apenas reconhecer os direitos territoriais indígenas, que são anteriores à própria Constituição. A instrução normativa 9, da Funai, ao permitir que sejam declaradas como particulares as terras indígenas, cria, na verdade, uma situação de insegurança jurídica que aumenta “gravemente os riscos de conflitos fundiários e danos socioambientais”.

A previsão de repassar a particulares terras que são consideradas pelo ordenamento jurídico brasileiro como indígenas, além de ilegal e inconstitucional, dizem os procuradores da República, pode caracterizar improbidade administrativa dos gestores responsáveis por emitir a instrução normativa 9, o que os tornaria incursos nas sanções previstas na lei de improbidade administrativa, como a cassação de direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público, e multas.

Direitos constitucionalmente reconhecidos

O STF, em vários julgamentos, já afirmou a chamada “originalidade do direito dos índios às terras que ocupam”, ou seja, que não cabe a nenhum governo afirmar quais terras pertencem ou não aos povos indígenas, mas apenas declarar essa condição de acordo com estudos antropológicos e técnicos.

“Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente ‘reconhecidos’, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de ‘originários’, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios”, diz, por exemplo, a decisão do STF no Caso Raposa Serra do Sol.