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Entrevista

O investimento sustentável veio para ficar, diz Chris Fowle

Em entrevista exclusiva para Exame, diretor do Principles for Responsible Investing diz que Amazônia já preocupa mercados de renda fixa e títulos soberanos.

09/04/2020 17h55

Foto: EXAME

O capitalismo vem mudando, e os investidores estão correndo para entender como devem mudar junto. O recado foi dado ainda em fevereiro por Chris Fowle, diretor para as Américas do PRI (Principles for Responsible Investment), organização criada em 2006 para defender o investimento responsável.

Hoje, ela tem entre seus signatários brasileiros a Votorantim Asset Management, BrasilPrev e a Fundação Itaú Unibanco.

O PRI ajuda seus membros a entender e incorporar fatores ambientais, sociais e de governança em suas decisões, um tema que ganha força na medida que as mudanças climáticas entraram de vez na pauta.

É algo que o Brasil também não pode se dar ao luxo de ignorar. Fowle diz que a alta de queimadas e do desmatamento na Amazônia, que geraram ampla repercussão internacional, entraram no radar das preocupações até dos investidores em renda fixa e títulos soberanos.

Fowle esteve no Rio de Janeiro para a primeira edição da Converge Capital Conference, que reuniu investidores para debater como alinhar suas decisões com um futuro melhor em fevereiro, e deu a seguinte entrevista exclusiva para EXAME:

O que está por trás do movimento de empresários e investidores de abraçar a transição de um modelo de shareholder capitalism (capitalismo dos acionistas) para um de stakeholder capitalism (capitalismo das partes interessadas)?

Há um reconhecimento crescente, particularmente nos Estados Unidos, de que há uma tendência de sustentabilidade corporativa que não pode ser ignorada, veio para ficar e que está claramente ligada a investimentos.

Os maiores investidores, como a BlackRock, sabem que há um impacto material relacionado com impactos sociais, ambientais e de governança na performance não apenas de ações listadas, mas também em renda fixa, empréstimos e ações privadas, e que investidores precisam reconhecer isso como parte de um novo paradigma e sistema de entender risco.

Do lado da renda fixa, a análise tradicional de crédito talvez não incorpore ainda todos os fatores materiais – as mudanças climáticas são muito importantes e também estão ligadas a questões sociais e de governança. Você não pode separá-las, e sabemos, devido ao incrível trabalho acadêmico e de organizações como a SASB (Sustainability Accounting Standards Board), que cada setor e empresa é afetado de forma diferente.

Os executivos reconhecem a tendência de conscientização, particularmente nos mais jovens, e reconhecem, da perspectiva de investimento, que são questões materiais para os quais precisam estar preparados. Estão sinalizando para o mercado que isso é importante e dizendo aos acionistas que estarão focados em questões como essas, além do retorno financeiro.

Mas aí há duas dimensões: um é trazer novos fatores hoje não considerados para decisões de investimento, e outro é sinalizar para o público em geral que você não está preocupado apenas com retorno financeiro, mas também com impacto social e ambiental.

Certamente. Há um reconhecimento cada vez maior do impacto material sobre os resultados de um negócio pela C-Suite [nível executivo]. Isso não é uma tarefa simples, e demora bastante para eles internalizarem isso. Nos EUA tivemos várias ferramentas para fazer esse tipo de coisa, como em resoluções de acionistas e outras formas de engajamento.

O outro lado é encontrar as pessoas onde elas estão no seu entendimento. Nas últimas décadas, tivemos progresso no engajamento com companhias abertas, mas nem todos estão no mesmo ponto.

Já os millenials querem fazer algo, mas podem não entender os meandros de como a economia funciona. Daí há o resto da população, que também precisa ser engajada. É um equilíbrio entre dois lados em competição: a reconhecimento do C-suite, e comunicar isso ao mercado em todos os níveis; talvez mais ingênuo dos jovens, e outra geração com um jeito de pensar mais antigo.

Nos EUA por exemplo o PRI tem seu maior número de membros: 550, comparado com 2.800 membros globais. O mercado está só começando a entender essas questões, estivemos atrás de mercados como a Europa e mesmo o Canadá.

E o Brasil e a América Latina, como estão?

Houve progresso na América Latina e particularmente no Brasil. A rede brasileira no PRI é uma das maiores desde o início. Mas vimos crescimento aqui também recentemente, e gerentes de investimento estão se juntando à rede como uma forma de começar a incorporar ESG.

Alguns dos maiores e mais influentes donos de ativos que estiveram com a gente desde o início também melhoraram seu entendimento, e querem liderar para influenciar outros donos de ativos, endowments, single family offices e seguradoras. Há oportunidades de progresso no Brasil.

O Brasil tem sido foco de preocupações ambientais devido à Amazônia. Você vê investidores com quem você conversa preocupados com isso? Isso impacta a decisão de investir no país?

Investidores bem avançados na Europa, nos países nórdicos, estão tomando passos concretos e travando investimento em títulos soberanos brasileiros como resultado de ações, ou da percepção de falta de ação, em questões na floresta amazônica no ano passado. Passou um pouco porque estamos na época chuvosa, mas talvez quando começar a época seca, estas questões ressurgirão.

O entendimento de ESG teve muito progresso em renda fixa, e nestas classes de investimento, ao entender as ferramentas para colocar o ESG nestes portfólios ou para engajar com os emissores, seja em títulos soberanos de governos – como o brasileiro – ou títulos de renda fixa de empresas também.

Outro exemplo são os mercados de títulos verdes, onde vimos uma tendência dos próprios emissores de não permitir que investidores comprem os títulos se não estiveram fazendo coisas como serem signatários do PRI, ou assumir compromissos concretos de incorporar ESG.

Em um mercado como o brasileiro, onde tanto do potencial para investimento é em renda fixa e títulos soberanos, essas tendências são muito importantes para o governo ficar atento e entender o impacto potencial nos seus modelos tradicionais de financiamento.

Houve um movimento da Blackrock parar de investir em carvão, e há um outro movimento mais amplo para desestimular o investimento em empresas de combustíveis fósseis. Onde o PRI se coloca nessa discussão?

Ainda que o desinvestimento seja uma ferramenta válida, não o exigimos. Reconhecemos que há uma ampla gama de abordagens entre nossos signatários, e que investidores diferentes têm estratégias diferentes, então não exigimos que invistam de nenhuma forma particular.

E os impactos sociais de grandes empresas de tecnologia, por exemplo, como são abordados?

O PRI escolha áreas temáticas com base na demanda dos membros. Ainda que o clima seja talvez a mais importante, há outras áreas de governança – impostos, por exemplo. Outra questão de governança é a segurança cibernética.

Além de meio ambiente e cybersecurity, quais outras estão em foco?

Mudanças climáticas certamente subiu na pauta, mas estamos focados em oito áreas de uma possível resposta mais robusta dos reguladores: não só imposto do carbono, mas também políticas de automóveis e veículos elétricos, restrições de governos no uso de carvão termal etc.

Se você tem uma política para restringir o uso de carvão, o que isso significa para o setor e para quem trabalha nele? O deslocamento destas pessoas, o que elas vão fazer e como isso vai impactar um governo ou investidor em uma região específica.

Os efeitos cascata.

Exato. Se há algum deslocamento do setor de carvão, por exemplo, você não tem mais o emprego e precisa fazer outras escolhas. E se há algum nível de desespero, isso pode estar relacionado com uma questão social, do tipo tráfico humano ou escravidão humana.

Essa é uma área na qual nossa CEO Fiona Reynolds está liderando. Acreditamos que há mais de 40 milhões de pessoas globalmente sujeitas a alguma forma de escravidão moderna, parte delas no Brasil. Pensar em como o setor financeiro pode contribuir para identificar onde isso existe e como combater é muito importante.

Publicada na EXAME