03/01/2025 06h05
Foto: Divulgação
A recente proposta da VLI S.A. apresentada à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), visando modificar o contrato de concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), suscita preocupações relevantes, principalmente em relação aos impactos para outras ferrovias, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), e para projetos estratégicos, como o Porto Sul em Ilhéus. Ao propor a redução da malha ferroviária e a adequação de bitola em determinados trechos, a VLI, embora tenha motivos internos para essa decisão, coloca em risco a eficiência logística do Brasil, prejudicando diretamente o desenvolvimento de regiões dependentes do transporte ferroviário.
A VLI é uma das maiores operadoras de logística integrada do Brasil, com controle de uma vasta rede de ativos ferroviários, portuários e intermodais. Sua malha ferroviária abrange cerca de 8.000 km por meio da FCA e da Ferrovia Norte-Sul (FNS), além de operar em estados estratégicos para o escoamento de minérios, grãos e produtos siderúrgicos. O peso econômico e estratégico da VLI é reforçado por sua estrutura acionária robusta, composta por grandes players como Brookfield, Vale, BNDES e Mitsui.
Por outro lado, a FIOL, ainda em construção, é essencial para o desenvolvimento do Corredor Oeste-Leste, ligando o interior produtivo do Brasil ao Porto Sul, em Ilhéus. Como sabemos, este projeto visa consolidar um corredor logístico para exportação de minério de ferro, grãos e outros produtos agrícolas, reduzindo custos e otimizando fluxos comerciais.
A proposta da VLI, que busca reduzir trechos da malha da FCA e alterar bitolas para unificação, pode gerar uma série de impactos negativos para a FIOL e, por consequência, para o Porto Sul.
O que à primeira vista pode parecer uma vantagem logística, e é, na visão da VLI, traz para a FIOL uma armadilha gigantesca. Vejamos: A FIOL foi projetada com bitola larga de1,60 m, enquanto grande parte da FCA utiliza bitola métrica de1,00 m. Alterações nas bitolas da FCA, alinhadas com a FIOL, inevitavelmente desviará cargas na confluência das duas ferrovias na altura de Tanhaçú, levando parte destas para o Porto de Aratu-Candeias, que, por ser bem equipado para carga geral certamente absorverá grande fatia desse fluxo, que seria destinado ao Porto Sul. Até mesmo cargas de minério poderão ser desviadas, e nesse caso, "adeus Porto Sul".
A Bahia, estado que abrigará o Porto Sul, é altamente dependente de infraestrutura logística eficiente para escoar sua produção agrícola e mineral. Qualquer perda de eficiência ferroviária pode desestimular investimentos na região, comprometendo o potencial econômico e social do projeto FIOL-Porto Sul.
Embora a VLI tenha recursos e capacidade técnica consideráveis, sua proposta pode consolidar um modelo logístico que prioriza a viabilidade econômica de trechos menos lucrativos às custas do desvio de cargas para sua malha, prejudicando a FIOL, que ainda está em fase de implantação e necessita de um traçado robusto para garantir sua viabilidade econômica.
O Porto Sul, em Ilhéus, é um projeto estratégico não apenas para a Bahia, mas para o Brasil, oferecendo uma nova porta de saída para exportação de commodities e minérios do interior. Seu sucesso depende diretamente da eficiência da FIOL. Caso a VLI altere a bitola, o escoamento de cargas destinadas ao Porto Sul pode ser prejudicado, limitando a competitividade do porto e afetando negativamente sua viabilidade econômica.
A proposta da VLI para a FCA deve ser analisada com cautela pela ANTT, considerando os impactos sistêmicos para outras ferrovias e projetos logísticos no Brasil. FIOL é essencial para garantir um modelo logístico eficiente e competitivo, especialmente em um país de dimensões continentais como o Brasil.
Recomenda-se que a ANTT exija estudos mais aprofundados sobre os impactos dessa proposta no contexto da FIOL e do Porto Sul. Além disso, seria importante alinhar os projetos da VLI com a estratégia nacional de transporte, garantindo a compatibilidade técnica e a conectividade modal necessárias para o sucesso da logística integrada no Brasil. Apenas assim será possível evitar que decisões isoladas comprometam projetos estratégicos de longo prazo, como a FIOL e o Porto Sul, que são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social da Bahia e do Brasil.
Como a proposta da VLI visa apenas seu interesse econômico, beneficiando suas operações e consequentemente gerando vantagem competitiva para o Porto de Aratu-Candeias, que também é Bahia, quem nos defenderá? O prefeito eleito Valderico Junior pode abraçar essa causa e alertar sobre o risco que corremos.
Isaac Albagli - Ex-secretário de Planejamento e Infraestrutura da Prefeitura de Ilhéus
Publicado no site O Tabuleiro
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