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Artigo

Reformas portuárias: meios e fins

Frederico Bussinger

23/03/2021 06h35

Foto: Divulgação

O atual ciclo de reformas portuárias brasileiras se assenta sob três eixos: arrendamentos (renovações e novos leilões), TUPs (autorizações) e desestatização (privatização) das autoridades-administradoras - AAP.

Arrendamentos foram o carro-chefe da lei de 1993 e, em ritmos variáveis, vêm ocorrendo desde então. TUPs sempre existiram, mas tiveram grande impulso com a lei de 2013. Desestatizações das AAP, ainda por serem efetivadas, é a novidade e grande aposta deste ciclo.

O objeto dos três instrumentos é o “ativo”. Já a métrica é o investimento (a se distinguir o estimado, o comprometido e o efetivado: há diferenças, em montante e cronologia).

A abertura autorizada por D. João VI, em 1808, foi a primeira grande inflexão na vida portuária nacional. Desde então nossos portos sempre estiveram em reformas; mas pode-se destacar meia dúzia de outras como mais marcantes: i) a da 2ª metade do Século XIX (governo de D. Pedro II); ii) dos anos-30 (Getúlio Vargas); iii) da 2ª metade dos anos-50 (JK); iv) dos anos-70 (Geisel); v) dos anos-90 (Itamar e FHC); e vi) do Século XXI (Lula, Dilma e Temer: em linhas gerais, Bolsonaro dá curso).

Delas resultaram governanças e regulações bastante distintas. Três macromodelos; ainda que com processos decisórios ora mais, ora menos centralizados na capital: i) do império a, pelo menos, os anos 60 os portos públicos foram geridos em regime de monopólio por concessões privadas; ii) a partir dos anos 70 seguiram sendo monopólios, mas agora sob gestão estatal; inclusive com uma “holding” a partir de 1975 (Portobras; extinta em 1990); iii) de 1993 em diante o modelo está mais para uma PPP: operações privadas e AAP estatal (federal ou, por delegação, estadual ou municipal).

Uma curiosidade: ao longo desses mais de dois séculos o Brasil esteve sob gestão de império, república e ditadura; passou por períodos de depressão e boom econômico; maior e menor exposição ao mercado internacional. Mas as motivações e justificativas para tais reformas portuárias guardaram grandes similaridades; é o que se depreende da leitura dos planos associados, exposição de motivos dos projetos de lei e/ou discursos de autoridades da época.

Em síntese, e com poucas variações, são elas: i) enfrentar e eliminar gargalos logísticos; ii) reduzir custos; iii) viabilizar investimentos; e iv) destravar “burocracia”. Respectivamente, dois objetivos fins e dois objetivos meios (instrumentais).

Na literatura econômica é quase consenso que a única fonte de crescimento sustentado, no longo prazo, é o aumento de produtividade. Também para elevação da qualidade de vida das populações é um dos fatores essenciais (a par da distribuição de renda e serviços públicos).

Nesse sentido os portos sempre deram grandes contribuições ao País. A comparação dimensional e, principalmente, da produtividade e competitividade do Porto de Santos, desde o início aos anos 90, p.ex, o ilustra (e não é caso isolado): i) a movimentação, então da ordem de 33 Mt/ano, hoje é 4 vezes maior (146,6 Mt em 2020); ii) filas de navios chegaram a ser de 6 semanas (iluminando a barra e ensejando belos cartões postais!), hoje a maioria deles atraca com espera zero; iii) a soja, então uma novidade no Porto, enchia um navio Panamax em 3 a 4 semanas, hoje apenas 2 dias; iv) o açúcar, também incipiente, era embarcado a 100 t/h nos velhos navios “pirangueiros” (boa parte deles recém baixados da marinha soviética; ainda ostentando caracteres cirílicos, pintados, em seus cascos!), hoje mais de 3.000 t/h o que, a par da Embrapa, contribuiu decisivamente para impulsionar o “cluster” sucroalcooleiro/sucroenergético no Estado de SP; v) ... e teve reflexos diretos na movimentação: de 400.000 t/ano (1988) o Porto movimenta hoje 24,1 Mt/ano (2020); vi) 8 contêineres por hora era o desempenho típico quando dos estudos para o leilão do Tecon (SET/97), hoje mais de 100 ct/h (e recordes seguidamente batidos); vii) custos de “elevação” do açúcar na casa de US$ 40-44/t (safra 93/94; época do “Plano Real”), hoje estima-se cerca de US$ 8,00 (informação bem guardada pelos envolvidos!); viii) os dos contêineres foram reduzidos em mais de 60%!

Essa verdadeira “revolução” resultou de maciços investimentos, menos nas infraestruturas e mais em mecanização e automação portuária; investimentos esses viabilizados pela delegação das operações à iniciativa privada (uma possibilidade da Lei, e um desiderato da política governamental de então). Mas resultaram, também, de diversos rearranjos operacionais, organizacionais e de gestão como, p.ex, a implantação do turno de trabalho, coincidente (capatazia + estiva) de 6 horas, em regime 24/7.

Novas infraestruturas portuárias precisarão ser implantadas, pois as existentes estão praticamente esgotadas (fisicamente ou por obsolescência tecnológica). Investimentos, claro, são necessários; mas não bastam. Dito de outra forma: investimentos, sim; mas soluções também... o que nem sempre está associado.

Para mais avanços na produtividade e competividade portuária, todavia, são necessárias: i) outra metodologia de planejamento e arranjo de governança (p.ex, focando complexos portuários e não os portos organizados, isoladamente); e ii) redesenho do modelo de regulação. A solução do “imbróglio” ferroviário da Baixada Santista, e a imprescindível nova articulação porto-ferrovias, ali, ilustra bem as demandas nessas 3 frentes.

Ou seja; como doravante mais e novos ganhos de produtividade nos portos, de per si, têm margem limitada, uma abordagem logística será imprescindível para se lograr ganhos sistêmicos de produtividade - estratégia a nortear os novos ciclos das reformas: temas para próximos artigos.

Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.

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