17/02/2025 16h00
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O ano de 2024 foi positivo para a construção civil, avalia o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia. O aumento de 20% nas vendas no mercado imobiliário e a redução do estoque de imóveis são resultados considerados relevantes para esse setor, que é um termômetro preciso da saúde econômica nacional.
O sucesso foi impulsionado pelas mudanças no programa Minha Casa, Minha Vida, incluindo aumento de subsídios e a utilização do FGTS, além de investimentos em infraestrutura, que somaram R$ 264 bilhões. Isso trouxe um crescimento considerável na geração de empregos no setor, como será demonstrado nesta segunda-feira (17), durante a divulgação dos indicadores imobiliários nacionais relativos ao quarto trimestre do último ano.
Entretanto, o presidente da CBIC expressa preocupação com 2025, especialmente em razão da alta da taxa de juros, que dificulta o acesso ao crédito. Renato Correia alerta, ainda, para a utilização do FGTS para outros fins, reduzindo os recursos disponíveis para a habitação. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Correio Braziliense:
Como foi o ano de 2024 para a construção civil?
Bastante positivo. O mercado imobiliário vendeu 20% a mais do que em 2023, comparando os terceiros trimestres dos anos. Nós tivemos uma redução do estoque da ordem de 10%, e isso tudo se deve, em boa parte, às mudanças no Minha Casa, Minha Vida, ocorridas em julho de 2023, que tiveram reflexos positivos em 2024, com o aumento do teto do programa, utilizando o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para R$ 350 mil e também o aumento do subsídio para R$ 55 mil. Isso colocou o Minha Casa, Minha Vida em condições de operar perante a renda da população. Há uma demanda muito forte, e o programa cresceu muito. E nós tivemos, no início de 2024, uma taxa Selic de 10,5%, o que também impulsionou a venda de apartamentos de médio e alto padrão, performando uma boa realização do setor imobiliário.
Quais os resultados na infraestrutura?
Quando a gente olha para a infraestrutura, 2024 foi um dos melhores anos. O Brasil investiu R$ 264 bilhões em infraestrutura, sendo aproximadamente R$ 64 bilhões entre os governos federal, estaduais e municipais, e cerca de R$ 200 bilhões da iniciativa privada. Estamos falando de rodovias, saneamento básico, infraestrutura de comunicação e energia. O desdobramento disso é que o setor da construção civil do país empregava quase 3 milhões de pessoas com carteira assinada em 2024. É um cenário muito positivo.
O que preocupa em 2025?
O cenário para 2025 é desafiador para o país todo, e em especial para a construção civil, no que tange ao impacto da taxa básica de juros, a Selic. A expectativa de chegarmos a uma taxa básica de 15% ao ano tem um impacto muito forte no setor, porque usa muito dinheiro por muito tempo. Isso acaba onerando muito a produção de imóveis, aumentando o custo de produção, mas principalmente prejudicando o funding para a classe média quando se trata do setor imobiliário. Quando a Selic sobe, há uma retirada de recursos da caderneta de poupança. Nos últimos três anos, houve uma drenagem de R$ 200 bilhões de recursos da caderneta de poupança, e, com a taxa Selic a 10,5%, havia sinais de recuperação. Com ela subindo de novo para 15%, é natural que haja novamente uma pressão de saída de recursos, o que implica menos dinheiro para a produção de imóveis para a classe média.
Haverá impactos em investimentos, certamente.
Teremos mais dificuldade de trazer novos contratos, pois com essas taxas de juros passa a ser mais interessante deixar o dinheiro aplicado no banco do que colocar em uma atividade produtiva. Esse impacto atinge duramente a classe média. A parte de infraestrutura não atinge tanto o Minha Casa, Minha Vida e o FGTS, porque têm taxas de juros fixas, já regulamentadas, são taxas administradas. Nos preocupa ainda a pressão de custo da mão de obra, porque prevemos que o emprego ainda continuará forte no país pelos contratos já vigentes da construção. E também o preço dos materiais, em função do dólar. Aço, cimento, alumínio, cobre, vidro, tudo isso tem uma pressão de custos de material, mão de obra e financeiro, o que vai impactando na margem de lucro operacional das empresas. Esse cenário pode estimular, já no segundo semestre, uma diminuição de lançamentos, inclusive, do Minha Casa, Minha Vida.
A lua de mel acabou?
A CBIC trabalha numa relação institucional com os governos, seja este, seja outro, sempre no diálogo técnico propositivo de solução de problemas, para que a gente possa entregar moradia e infraestrutura para a sociedade. Vamos continuar fazendo propostas. Fomos muito participativos na reforma tributária, que é positiva para o setor e para o país, porque vai trazer mais produtividade e mais competitividade. E temos que buscar avançar nos passos seguintes, avaliar como podemos reduzir o Custo Brasil, os custos administrativos, seja por meio de uma reforma administrativa, seja por outras alternativas. A CBIC sempre estará disposta ao diálogo técnico.
O FGTS é uma importante fonte de recursos para a habitação, mas tem sido utilizado para outros fins. Onde estão os problemas?
O FGTS é muito importante para a habitação de interesse social no Brasil. Originalmente, ele tem pelo menos duas funções importantes: a salvaguarda do trabalhador no momento da perda do emprego ou de uma calamidade; e o financiamento da habitação de interesse social e da infraestrutura e mobilidade. Como o deficit habitacional no país é resiliente — são cerca de 7 milhões de habitações em deficit habitacional, mesmo depois de um programa exitoso como o Minha Casa, Minha Vida, que completou 15 anos —, o deficit nominal continua muito forte no Brasil. Então, qualquer desvio da fonte de financiamento para a habitação de interesse social impacta muito a sociedade brasileira. A CBIC defende que os recursos do FGTS sejam aplicados até que a gente possa vencer esse desafio do deficit habitacional. Saques ordinários são, muitas vezes, aplicados no FGTS, como, por exemplo, a antecipação ou a alienação do saque-aniversário. Isso significa que o empréstimo bancário, antecipando 10, 20, 30 anos de saque-aniversário, inviabiliza o uso desse dinheiro emprestado em habitação.
Por que esses saques ordinários são prejudiciais ao FGTS?
Quando você aplica o dinheiro em habitação, é um financiamento. O dinheiro constrói e em seguida volta para o FGTS. Quando você realiza o empréstimo bancário com os recursos do FGTS, ele não volta para o fundo e não é aplicado em habitação. Isso representa R$ 40 bilhões por ano. Representa muita habitação que deixa de ser feita para o trabalhador. Esse é um tema de muita preocupação para a CBIC. Tínhamos expectativas de que o consignado do eSocial, que é uma forma de empréstimos para a sociedade brasileira por meio do eSocial, fosse substituir o empréstimo consignado do FGTS. O que a gente leu na imprensa é que as duas modalidades existirão, ou seja, haverá uma dificuldade da obtenção da habitação, pelo menos em R$ 40 bilhões, enquanto existir essa modalidade da antecipação do saque-aniversário do FGTS.
O consignado com o FGTS é um mau negócio para o trabalhador?
Sobre o empréstimo consignado feito pelos bancos ao trabalhador no FGTS, é importante ressaltar que, no empréstimo de aproximadamente cinco anos, ou seja, antecipação de cinco anos do saque-aniversário, 40% do valor antecipado vai para os bancos e 60% fica com o trabalhador. O trabalhador entrega para os bancos, em juros, 40% do valor. Se a gente estender um pouco esse prazo para 11 anos, o trabalhador entrega 75% do valor para os bancos e 25% fica com ele. Então, essas são taxas bastante elevadas para o trabalhador, pois é um empréstimo que não tem risco nenhum para os bancos. É importante também ressaltar o desvio de função do FGTS, retirando a reserva patrimonial do trabalhador e induzindo-o a um empréstimo que não vai resolver nenhum dos problemas dele e, sim, agravá-los, pois vai afastá-lo da tão sonhada casa própria.
O que pode ser feito para a classe média adquirir um imóvel com mais facilidade?
A classe média precisa de financiamento para a aquisição da casa própria, e os recursos para esse financiamento normalmente vêm das poupanças, vêm das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), e outras ferramentas adicionais. Tanto a poupança quanto essas outras modalidades de investimento dependem muito de uma taxa Selic baixa para serem atrativas. Então, a única alternativa que a gente vê para compensar um pouco as perdas de disponibilidade de recursos seria a liberação do compulsório da poupança, algo em torno de R$ 40 bilhões, para recompor a redução causada pelo aumento da taxa de juros. Essa é uma solução já pleiteada pela CBIC junto ao Banco Central, mas até o momento não tivemos esse pleito atendido. A gente tem expectativa de que possa ser atendido em 2025.
Qual a expectativa para a moradia à população de baixa renda?
O Minha Casa, Minha Vida é uma importante ferramenta. Ele foi remodelado, redesenhado e com uma seleção dos empreendimentos. Estima-se que tenhamos fechado o ano de 2024 com mais de 100 mil unidades habitacionais contratadas, e devemos fechar o mês de janeiro com aproximadamente 40 mil obras em andamento. Temos entregado ao governo algumas avaliações para que a gente possa, entre a seleção e a execução da obra, encurtar os tempos de modo a atender mais e melhor essa população. A expectativa é de que o programa tenha continuidade com uma nova seleção já em 2025.
Como melhorar a participação do setor da construção civil em obras públicas?
As obras públicas são um importante ativo da sociedade brasileira. São os hospitais, as escolas, as rodovias. Recentemente, foi aprovada uma nova lei de licitação, que traz, em um dos seus dispositivos, a obrigatoriedade de não uso do pregão eletrônico para obras de engenharia acima de R$ 1,5 milhão. São obras muito complexas, com projetos variados de instalações elétricas, estrutura. É um produto muito complexo para se usar um leilão reverso, no qual você vai dando lances de desconto, diminuindo o preço ao limite, tornando esse preço inexequível. Esse é um dos grandes problemas das obras paralisadas no Brasil. Mais de 40% das obras começam e não terminam. Muitas vezes, o desconto dado é grande demais, e a empresa não consegue concluir a obra.
Qual o posicionamento da CBIC?
Somos favoráveis a que obras de engenharia tenham a licitação feita pelo modo tradicional, que se chama modo fechado, no qual as empresas apresentam os preços, os documentos, na presença da Comissão de Licitação, e a definição de quem apresentou o menor preço. Não existe possibilidade de ir dando descontos adicionais. É isso que nós defendemos.
A informalidade ainda é um problema na construção civil? Como reduzir?
A informalidade é um problema no país, não só na construção civil. Nós temos 7 milhões de funcionários trabalhando na construção civil, algo em torno de 3 milhões com CLT e 4 milhões na informalidade. É um percentual muito alto, e a gente precisa criar novas condições de legislação para que haja a inclusão dessas pessoas na formalidade. É um debate que precisa ser feito com o Ministério do Trabalho, Ministério de Desenvolvimento Social, de forma a podermos avaliar novas ferramentas, novas legislações. Inclusive, avaliar se o próprio Bolsa Família acaba induzindo a pessoa a ter alguma atividade informal para não perder o benefício.
Publicado no Correio Braziliense