06/07/2021 11h38
Foto: Divulgação
Com a pandemia e a proibição da realização de eventos, um ramo que parecia tão consolidado entrou em crise. As festinhas de criança, que aconteciam todos os finais de semana, sumiram. O que sobrou foram cortes de gastos, demissão de funcionários, tentativas de empréstimos, até que não teve mais jeito. Em Salvador, pelo menos oito casas de festa infantil tiveram que fechar as portas definitivamente. As que ainda se mantêm de pé, vão mal das pernas.
O Art Festa, uma das empresas pioneiras no ramo, precisou entregar o espaço físico alugado há cerca de 24 anos. A última festa realizada foi no dia 22 de março de 2020. Depois disso, com as portas fechadas por tantos meses e um aluguel sem negociação, a situação ficou insustentável em fevereiro deste ano. “É lamentável que um negócio de tantos anos, tão consolidado, tenha que terminar assim, mas não conseguimos evitar. Demitimos os cinco funcionários fixos, nos desvinculamos dos outros que prestavam serviço e fechamos”, diz o proprietário da marca, Diocleciano Neto, de 58 anos.
A Fantástica Fábrica, de 14 anos de existência, também chegou ao fim. A dona da marca, Nena Maia, de 54 anos, conta que está desempregada e enfrentou um período de depressão. “Hoje eu estou sem renda nenhuma, apenas meu marido está trabalhando. Foi um baque muito grande, eu tive até depressão, fiquei sem dormir por muito tempo. Foi muito difícil e, na verdade, ainda está sendo. E não sei o que vai ser do futuro”, desabafa.
O imóvel, que era alugado, foi devolvido em agosto de 2020 e os brinquedos foram guardados em um galpão, com risco de não voltarem mais a funcionar pelo desgaste do tempo sem uso. As 25 festas por mês e os cerca de 35 funcionários ficaram no passado. “Eu tinha 26 festas fechadas que não puderam ser realizadas por conta da pandemia e estou até hoje devolvendo esse dinheiro de forma parcelada. Ficamos sem renda nenhuma, com uma mão na frente e outra atrás. Não tinha como a gente fazer nada de festa em casa porque nosso serviço de comida e decoração era tudo terceirizado, a gente só tinha o espaço e os brinquedos”, conta Nena.
Outra marca que encerrou as atividades foi o buffet Planeta Festa. As duas unidades, uma no Imbuí e outra na Pituba, foram fechadas. Há três semanas, um comunicado publicado em uma rede social informou o fechamento, após 25 anos de história. “Não sobrevivemos a essa pandemia terrível , após 14 meses impedidos de funcionar e sem previsão de retorno. Procuramos nos consolar que esse fechamento não foi em vão. Foi para salvar vidas. Em nome da saúde coletiva”, diz a nota. A publicação também informa que o acervo, como pelúcias e brinquedos, está sendo vendidos.
Também através das redes sociais, o buffet Planeta Encantado informa que foi vendido para o buffet Mundo Caramelo. Já o Mundo Ludik, também tradicional no ramo, está com telefones para contato e redes sociais desativadas. Segundo proprietários de outras casas, o Mundo Ludik fechou as portas. A Casa Mágica já inseriu o aviso “Permanentemente fechado” na página de pesquisa na internet. A casa de eventos Balada Hall, que também realizava festas infantis, mas tinha como alvo o público teen, encerrou as atividades no mês passado. O tradicional buffet Balão Mágico já tinha encerrado as atividades no espaço físico antes da pandemia e agora segue com serviço de locação de objetos para festas.
Outra casa de festa infantil tradicional que chegou ao fim foi o Buffet Festeleco, de 20 anos de existência. Uma das sócias, Priscilla Nascimento, de 52 anos, conta que mantinha dois espaços de festa e, com a pandemia, precisou escolher. “A gente viu, no início ainda da pandemia, que não ia ser possível manter o Festeleco. Porque eram duas casas, com custo fixo e pesado. Então decidimos vender a marca Festeleco, que já tinha uma história, e apostar no buffet Brinkaê, que abrimos por volta de 2015”, explica.
O espaço, na Pituba, foi fechado, os clientes foram comunicados, os 30 funcionários foram demitidos e, agora, as sócias tentam vender a marca. “É lamentável porque é uma empresa de 20 anos de existência, com um nome consolidado, uma clientela enorme, uma das mais antigas e mais conhecidas casas de festa infantil aqui de Salvador, que já chegou a fazer 54 festas em um mês”, diz Priscilla.
O Brinkaê segue de pé, vendendo kits de atividades lúdicas para crianças e fazendo festas pequenas nas casas dos clientes, mas o cenário não é de alívio. “Pagamos um aluguel pesado e diversos impostos sem isenção. A gente fazia por volta de 30 festas por mês e isso foi reduzido praticamente a zero”, ressalta Priscilla.
O Buffet Pingo Mágico, fundado em 2007, também vem conseguindo se manter, mas com dificuldades. A dona da marca, Maria Bernadete Bahiense, de 55 anos, reclama da proibição do funcionamento. “Tem muita gente fazendo festa em casa, no salão de festas, em restaurantes e nós, que temos um espaço apropriado para receber esse tipo de evento, com segurança e protocolos, estamos impedidos de funcionar”, questiona.
Maria Bernadete conta que precisou vender veículos da empresa e também veículos particulares, além de uma sala de escritório. Dos sete funcionários, quatro foram demitidos e três são mantidos para segurança, limpeza e a parte administrativa. “Eu sigo pagando o aluguel porque não quero perder o estabelecimento. Mas não sei nem se estou fazendo o certo, só o futuro vai dizer”, pontua ela.
“Água, luz, TFF, IPTU e outras contas mais não deixaram de chegar. A situação é caótica. Os clientes que tinham suas festas já pagas nos abordaram para pedir o dinheiro de volta, muitos deles de forma não compreensiva. Tínhamos mais de 50 festas vendidas. E nós fomos devolvendo o dinheiro, achando que ia ser uma coisa que não iria demorar tanto. Devolvemos mais de 20 festas e o capital foi indo embora. A própria demissão de funcionários, para cortar gastos, tem um custo alto”, diz.
A alternativa de fazer festas em casa, que algumas empresas adotaram, não funcionou para ela. “Fiz uns três eventos assim, mas foi tanta gente fazendo que ficou difícil. Teve muita gente desempregada, informal mesmo, que investiu nisso fazendo tudo da sua própria casa. Aí não tem como você colocar uma empresa grande competindo com essas pessoas porque o nosso custo é mais alto e não podemos fazer pelo mesmo preço que eles fazem. O cliente tenta barganhar e mal dá para cobrir a mão de obra”, finaliza Maria Bernadete.
A crise nas casas de festa atinge todo o mercado já que, a elas, estão associadas empresas de alimentação, decoração, segurança, dentre outras. Esse é o caso do Buffet Marconi’s, que trabalha com aluguel de brinquedos e de barraquinhas de guloseimas, como carrinho de crepe e de mini pizza. O proprietário, Marconi Assis, de 53 anos, diz que atua há 30 anos no ramo de festas e que, hoje, retrocedeu para o início do seu negócio.
“Eu tinha uma condição financeira muito boa e isso tudo foi um baque muito grande para mim. Eu regredi muitos anos nesse negócio, voltei para o começo de tudo, quando eu fazia as coisas sozinho, sem muita estrutura. Mas tenho amigos que estão numa situação ainda pior, trabalhando de motorista de aplicativo, está difícil para todo mundo”, desabafa ele.
Com a pandemia, ele ficou seis meses sem atividade e demitiu os seis funcionários que tinha. “Hoje eu só me mantenho porque eu fiz investimentos quando o buffet estava 100% e porque já tinha estrutura própria de carro, caminhão, meu espaço físico. Se eu estivesse hoje tendo que pagar aluguel, já teria fechado as portas de vez, com certeza”, acrescenta Marconi.
Em busca de uma alternativa
Marconi enxergou potencial no ramo de aluguel de brinquedos para as crianças se divertirem em casa mesmo, sem precisar da desculpa de uma festa. Em outubro de 2020, começou, sozinho, a realizar os aluguéis. “Estou hoje sozinho, administrando, produzindo, fazendo tudo. Quando tem alguma coisa, eu chamo uma pessoa ou mais para prestar serviço. Antes, eu chegava a contratar indiretamente umas 40 pessoas para cada final de semana. Porque a gente tinha uma média de 60 eventos por mês. Agora, faço cerca de três aluguéis por final de semana”, explica Marconi.
Ele conta que lançou promoções e apostou na divulgação através das redes sociais. “O pessoal aluga então pula-pula, cama-elástica e futebol de sabão, por exemplo, por um final de semana ou até uma semana inteira. Tem uma cliente que tem um filho de cinco anos e mora em uma cobertura. Então ela aluga toda semana um brinquedo diferente. Mas o que mais sai é lá pela Linha Verde, porque tem muita gente que foi para lá”, diz ele.
O negócio não é tão lucrativo, mas segura as pontas. “Na Linha Verde meu custo fica maior, com gasolina e pedágio. E esse mercado desvalorizou muito, então se você tenta um preço justo, com um lucro razoável, eles pedem desconto, acham caro. E a gente tem que baixar o preço, porque ficamos sem saída. Antes da pandemia, a gente faturava uma média 40 mil reais por mês e, hoje, no máximo, tiro um rendimento de 3 mil no mês”, finaliza Marconi.
A casa de festas Brinkaê, citada no início da reportagem, também buscou alternativas para conseguir se manter. Primeiro, foi a criação de crédito para 70 clientes. Eles já têm uma festa paga e vão poder usufruir do benefício assim que o funcionamento dos espaços for liberado. Além disso, o buffet apostou nas festas em casa, para familiares e poucos amigos. “O pessoal está fazendo de vez em quando para não passar em branco, com decoração e a comida, com bolo, brigadeiro, pãozinho. Aí a gente faz umas quatro ou cinco festinhas nesse estilo por mês”, diz a sócia Priscilla Nascimento.
Outra alternativa foram as atividades lúdicas voltadas para as crianças, com kits para personalização de roupas tie dye, kits para pintura e colagens de porta-retrato e kits de confecção de telas e quadros. Mas Priscilla ressalta: “Isso, nem de longe, consegue chegar perto do retorno financeiro que tínhamos. Hoje, estamos vendendo queijos e vinhos com a marca “Queijos em casa”, através do serviço de entrega na casa dos clientes”, acrescenta ela.
O Buffet Art Festa também optou pelas festas em casa. Sem o espaço físico, Diocleciano e a esposa passaram a se virar em casa mesmo, para fornecer decoração e doces e salgados para as mini festinhas. “Logo quando a pandemia deu uma trégua, no ano passado, teve uma procura melhor; agora não está tão bom. A gente espera agora, com a vacina, que as coisas voltem a melhorar”, diz ele. Diocleciano conta que faz cerca de três festas por mês, com rendimento médio de 3 a 4 mil reais. Com o espaço físico, a demanda era de cerca de 15 festas, com renda de 18 mil reais por mês.
Na contramão da crise
Enquanto alguns mergulhavam em prejuízos financeiros e na necessidade de entregar pontos de aluguel ou vender os espaços físicos, outros encontraram uma oportunidade. Esse foi o caso de Graça Dias, de 39 anos. Ela é proprietária do buffet infantil Mundo Caramelo, que está há 10 anos no mercado atendendo festas em domicílio. Graça já tinha interesse em adquirir uma casa de eventos e, na contramão da crise, ela encontrou o momento ideal.
“Eu já vinha me planejando e me capitalizando há alguns anos com esse objetivo. Com a pandemia, vi que tinha ali uma oportunidade de investir em um espaço físico, já que os preços caíram”, explica ela. Graça comprou o Planeta Encantado, em Salvador, em junho do ano passado. E Lauro de Freitas também não escapou da crise. Por lá, ao menos três casas tiveram que fechar: Spazzio Imaginari, Buffet Kidteens e Terra do Nunca. Em abril deste ano, Graça adquiriu também a Terra do Nunca. “Essa foi a leilão e foi bem atrativo porque conseguimos pagar 50% do valor que ela valeria normalmente”, conta.
De acordo com ela, o principal problema do setor é o alto custo dos aluguéis dos espaços, o que teria levado muitos à falência. “Esse mercado de eventos aqui em Salvador tem um faturamento anual superior a 100 milhões de reais e isso está zerado, 100% de perda de faturamento. O setor não aguentou pagar os aluguéis, que são muito caros. Foi um fator determinante para o fechamento; cerca de 90% das casas de festa infantis em Salvador são alugadas. Na Pituba, por exemplo, um aluguel chega a mais de 20 mil reais”, diz.
Agora, Graça aguarda pela liberação do funcionamento das casas de festa infantis para desfrutar de seu investimento. “Na Pituba, neste um ano de aquisição da casa, já são 120 mil reais de impostos pagos. A gente tem a expectativa de que possamos voltar logo a funcionar até porque as pessoas não estão deixando de festejar e, em casa, não há controle. As casas de festas vão estar preparadas para receber os eventos com todos os protocolos”, opina.
Com o retorno das atividades, o planejamento é contratar uma média de 20 funcionários por unidade. “Estamos em fase de contratação de funcionários; assim que tivermos a liberação de abertura, vamos concretizar isso. Antes do espaço físico, a gente trabalhava com seis funcionários fixos e uma demanda de cerca de 25 funcionários terceirizados por festa. A pretensão para as casas de festa agora é de termos uma média de 20 colaboradores fixos por cada unidade”, acrescenta Graça.
Enquanto a liberação não chega, ela segue mantendo o serviço de festas em casa, com adaptações. “Antes, a gente fazia cerca de seis festas por semana para, em média, 100 convidados cada uma. Hoje, atendemos uma festa por semana, com no máximo 10 a 15 convidados por festa. Aí a gente entrega os produtos em domicílio e não deixamos nenhum funcionário no local”, relata.
Reivindicações
A antiga sócia do Festeleco e atual sócia do Brinkaê, Priscilla Nascimento, conta que alguns proprietários se reuniram para reivindicar auxílio financeiro ou isenção de impostos, por conta do cenário de crise provocado pela pandemia. Um grupo em um aplicativo de mensagens foi criado e Priscilla, como líder, iniciou as negociações com a prefeitura de Salvador. “Um grande problema é que não temos um sindicato para nos representar e o grupo foi perdendo força porque os espaços foram fechando e o pessoal foi saindo. Antes tínhamos cerca de 15 proprietários e, agora, dos que seguem abertos, temos seis”, lamenta.
Segundo Priscilla, os integrantes do grupo procuraram a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Emprego e Renda (Semdec) e foram atendidos para uma reunião. Eles estariam, juntos, discutindo os protocolos para a futura abertura das casas de festas infantis. No entanto, as reivindicações do setor não teriam sido atendidas.
“Estamos conversando com eles para ajustar os protocolos de retorno, mas o objetivo do nosso setor é o apoio financeiro. Queremos o auxílio diretamente ao empresário, da mesma forma que aconteceu com os hotéis, que foram atendidos. Pelo Proturismo [Programa Especial de Incentivos Fiscais à Atividade Turística], eles conseguiram 40% de redução no IPTU, além de outros benefícios. Nós não conseguimos nada. Esse é o ponto que discutimos todos os dias no grupo. O meu IPTU, por exemplo, teve um aumento de 50% este ano”, diz Priscilla.
Em nota, a Prefeitura de Salvador informou que "já concluiu os protocolos para retomada das atividades das casas de eventos infantis, prevista para acontecer na fase verde do Plano Salvador, coordenado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda (Semdec)". Sobre o auxílio financeiro, a administração municipal disse que "concedeu, através do programa SOS Cultura, o benefício emergencial no valor de R$1,1 mil para profissionais da área de cultura e eventos".
Fonte: Jornal Correio