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Artigo

Sigilo em arrendamentos portuários, concessões e PPPs

Frederico Bussinger

28/07/2025 06h07

Foto: Ilustrativa

“Publicidade” é um dos cinco princípios da administração pública estabelecidos pela Constituição Federal brasileira. Os outros, também explícitos no caput do art. 37, são: legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. Tal termo aparece seis vezes na Carta Magna. Expressão afim, “transparência”, ocorre quatro vezes.

O enunciado genérico do caput é detalhado já no § 1º, do próprio art. 37, que estatui: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Já o Inciso LX, de um dos pilares constitucionais, o art. 5º (direitos e garantias fundamentais), estabelece objetivos e limites do princípio: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Frise-se o “só”!

Ou seja, a regra geral é (ou deveria ser) a divulgação. Já o sigilo a exceção; certo? Todavia...

A publicação “apenas” de extratos de documentos, e bem assim, muitas vezes de forma codificada, sem sumário de objeto ou palavras-chaves, tanto dificulta pesquisas como, SMJ, parece pelejar contra o espírito e o texto desse comando constitucional. Poder-se-ia até argumentar que, na versão impressa dos DOs, não haveria espaço e/ou não seria racional a publicação de longos textos: OK. Até faz sentido. Mas e na era digital? Qual a limitação? Além do mais, mecanismos mais amigáveis de pesquisa, hoje largamente disponíveis e utilizados, certamente contribuiriam para a consecução dos objetivos propostos.

Sim, administrativamente muitas vezes é possível obter documentos e informações. Mas, no mínimo, o solicitante tem que percorrer um processo de formalização, por vezes longo, e mais: se identificar. Tudo bem! Mas por que, quase sempre, a exigência de ter-se que responder: “com que objetivo”? Essa mera pergunta, com potencial condicionante para a resposta (conteúdo e forma), também não confrontaria aquela exegese?

Há, ainda, zonas cinzentas em relação ao objeto da “obrigação” de se divulgar para fins “informativos, educativos ou de orientação social”: interpretações/narrativas são suficientes? Difícil ver, atualmente, um dado ou estatística veiculado sem estar acompanhado de um comentário avaliador, tipo: “o maior....”; “surge um novo...”; “mais que em ..... anteriores”. Nesses casos, “publicidade” assume mais um tom de propaganda que de informação; não? E, nesses casos, não tangenciaria, aí, uma das vedações do § 1º, do art. 37 (“promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”)?

Ou a “obrigação” abrangeria também informações (correlacionamento de dados)? Ou mesmo dados primários disponíveis nos bancos de dados da administração pública? Ademais, divulgação por moto próprio (da autoridade; do órgão) ou só por solicitação (do interessado)? Tão logo os dados/informações sejam produzidos e estejam disponíveis, ou só em determinadas etapas? O mais frequente, aparentemente, tem sido apenas quando a decisão está (definitivamente) tomada.

No caso específico dos planos (e, mesmo, dos projetos e de políticas públicas) caberia discutir, ainda, o estágio do processo decisório para publicidade/divulgação e participação: apenas quando estiver concluído o instrumento, ou já quando as diretrizes e bases estratégicas forem estabelecidas/cogitadas? Tudo de uma vez, ou por etapas, por “pacotes”.... para viabilizar discussões e decisões parciais, por etapas, e progressivas; na linha da metodologia FEL (02), p.ex?

Muito das práticas restritivas tem sido justificado como resultantes de interpretações de leis que tratam de temas correlatos. P.ex: “Regime Jurídico da Administração Federal” (Lei nº 8.112/1990) e “Lei de Acesso à Informação” (Lei nº 12.527/2011), regulamentada pelo Decreto nº 7.724/2012.

Entretanto, ante os ditames constitucionais, faz sentido uma análise/comentário de “contribuição” de consulta/audiência pública ser mantida em sigilo? O vídeo/áudio de uma sessão, pública, de tribunal ou agência não ser automática e permanentemente disponibilizado pela internet, para consultas posteriores? A se considerar que os fundamentos, os argumentos/contra-argumentos, o processo decisório (adotado pelo colegiado) é, no mínimo, tão importante quanto a decisão tomada, em si: ou não?

Se, além de ser conduzido pela administração pública (sujeita aos princípios constitucionais), o próprio processo é público, qual o sentido de ter-se informações sequer “reservadas” (“secretas” ou, “ultrasecretas”, pior ainda!). Aliás, a aplicação de cada uma dessas três classificações (art. 24), pelo que se noticia, está sendo paulatinamente ampliada.

Valeria, ainda, refletir-se sobre a individualidade/autonomia de cada princípio. Dito de outra forma: como compatibilizar 2 ou mais “princípios” (valor, bem “tutelados”), não obrigatória e/ou imediatamente convergentes? P.ex, “publicidade” e “participação”; esta citada 6 vezes na CF. Como surge no bojo do próprio art. 37 (§ 3º: “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta...”), poderia ser vista como mais um princípio da administração pública brasileira?

Em termos práticos, clareza sobre a compatibilização de dois ou mais dos princípios é, pois, imprescindível para a própria consecução deles. P.ex: como participar adequadamente sem estar plena e tempestivamente informado?

Pode-se argumentar que as consultas e audiências públicas (Lei nº 14.133/2021) existem justamente para isso. Sim, mas vale observar:

a) Elas são facultativas (art. 21), seja inicialmente, seja na hipótese do proposto sofrer mudanças profundas, mudanças estratégicas e/ou estruturais;

b) Aplicável a licitações (não explícito para planos e políticas públicas);

c) Nem sempre o prazo é compatível com o volume de dados e informações;

d) Respostas às “contribuições” formalizadas nem sempre esclarecem o questionado (por vezes, até, tratam de outro tema!), e não há possibilidade de réplica;

e) Por vezes, também, remetem para decisões futuras e/ou a serem tomadas por outro órgão.

Também foi se tornando prática corrente, pela metodologia e formulários de apresentação/protocolo, só serem aceitas “contribuições” para um determinado item ou subitem; desconsideradas aquelas sobre o conjunto do proposto.

O binômio transparência-participação tem (e pode) muito evoluir; não apenas no tocante às formalidades, mas também visando resultados: vale lembrar que “eficiência”, menos mencionado, é também um dos cinco princípios do art. 37.

Em contraposição, tornou-se usual os “Market Sounding” nos processos de estruturação de projetos para arrendamentos, concessões e PPPs: geralmente reuniões individualizadas, com interessados, sem registros publicamente divulgados.

Sem entrar no mérito da importância desse instrumento para a tal modelagem, acaso também confrontariam o princípio constitucional?  

Uma regulamentação específica e conjunta do tema, associada à adoção de novos modelos e práticas de governança, muito contribuiria para a consecução dos resultados imaginados com o estabelecimento de tais princípios constitucionais.

Ah! Por sai natureza, esse artigo não tem um ponto final. Mas carece de um SMJ!

Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.

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