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Artigo

Urge uma política para o gás natural

Adary Oliveira

17/03/2023 06h06

Foto: Divulgação 

O gás natural (GN) é uma mistura de hidrocarbonetos leves, com predominância do metano (CH4) acompanhado de outros compostos. O GN não associado é encontrado em reservatórios onde não há ocorrência de óleo. O GN associado é também encontrado em reservatórios, dissolvido no petróleo. O GN é considerado um dos mais limpos combustíveis e uma excelente matéria-prima para a fabricação vários produtos, sendo um dos mais notáveis promotores do desenvolvimento. A forma mais comum de transporte do GN é no estado gasoso através de dutos, chamados gasodutos, e na forma líquida (GNL) havendo, neste caso, necessidade de submetê-lo a processo de liquefação, antes do transporte, e de regaseificação, antes do consumo.

A rede de dutos do Brasil já vai de Porto Alegre a Fortaleza e de São Paulo à Bolívia, com vários projetos em construção. Os terminais de regaseificação estão localizados no litoral e, considerando-se os que estão em operação e os projetados, seu número aproxima-se de duas dezenas. Os gasodutos foram construídos pela Petrobras, estendendo o monopólio aos serviços de transporte. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, determinou que a Petrobras alienasse todos os gasodutos, para a quebra do monopólio do transporte. A estatal atendeu a exigência do Cade, mas em seguida alugou os serviços de transporte para poder revendê-los, isto é, trocou seis por meia dúzia.

O GN que está sendo vendido pela Petrobras às companhias distribuidoras tem preço de US$18,812/MMBtu, sendo US$16,801/MMBtu da molécula e US$2,011/MMBtu do transporte, segundo o último Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de GN publicado pelo MME. Esse preço vale inclusive para o GN que a Petrobras compra na Bolívia a US$6,63/MMBtu (Comex Stat de janeiro de 2023) para revendê-lo em São Paulo. Nos Estados Unidos, segundo a Energy Information Administration (EIA) o GN vendido para consumo industrial (molécula + transporte) custou em novembro US$6,66/MMBtu. Tais informações revelam que a Petrobras está praticando um preço de venda de GN exageradamente elevado. Esse preço está tão elevado que já supera o preço do óleo combustível quando comparados em US$/MMBtu (18,81 para o GN e 15,40 para o óleo - Boletim do MME aqui citado). Isso explica, em parte, os lucros extraordinários obtidos pela estatal em 2022, próprio de quem pratica monopólio livremente.

A produção média de GN no Brasil, em dezembro de 2022 (Boletim de Produção de Petróleo e GN da ANP), foi de 140.141 mil m3/dia, dos quais 91,15% foram produzidos em campos operados pela Petrobras. A reinjeção de GN em dezembro foi de 49,57%, valor considerado alto em demasia. Com a reinjeção se consegue aumentar a produção de petróleo dos poços, significando que se está dado prioridade à maximização da produção de petróleo, ao invés da do GN. Certamente a exportação de petróleo está sendo mais atrativa do que a venda de GN no mercado doméstico, fazendo aumentar as importações do gás (novembro de 2022 foi de 20,9 milhões de m3/dia). Isso é bom para a empresa, mas não para o Brasil, seu acionista majoritário. Talvez agora a prioridade se volte para o GN com a cobrança de imposto de exportação do petróleo.

Uma das aplicações industriais das mais importantes do gás é na fabricação de amônia e ureia, os chamados fertilizantes nitrogenados. Esses fertilizantes estão sendo importados ao nível de 85% do total consumido. Há um excesso de oferta de ureia no mundo e isso é bom para nosso agronegócio que consegue comprá-la a preços baixos. Entretanto, do ponto de vista estratégico para o País, representa uma alta vulnerabilidade. Se os países exportadores de ureia desejarem tirar a competitividade de nosso agronegócio, bastaria limitar as vendas de ureia para o Brasil.

No ano passado, os preços do GN se elevaram exageradamente como consequência da guerra entre a Rússia e Ucrânia e o preço da ureia atingiu o máximo de US$ 1.050,00/tonelada. Já em 2023, com a volta do preço do GN ao normal, o preço da ureia desceu para abaixo de US$ 400,00/t. Se o preço do GN no mercado doméstico não diminuir, acompanhando o que aconteceu no mundo, inviabilizará a fabricação de amônia e ureia em todo território nacional. Isso significa a paralização das fábricas de Camaçari (BA) e Laranjeira (SE), operadas pela Unigel, e a inviabilização do projeto de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Este projeto está em construção com 81% da montagem concluída.

Urge, portanto, a adoção de uma política para o gás natural, estabelecendo preço diferenciado para o gás combustível e matéria-prima, coibindo os excessos de práticas monopolistas e estabelecendo regras mais realistas para o transporte do GN.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

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